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Carta aberta: Capas e Kopos: Praxe e violência machista

Para: Exmo. Senhor Primeiro Ministro Exmo. Senhor Presidente da Assembleia da República Exma. Senhora Procuradora Geral da República Exmo. Senhor Ministro do Ensino Superior, Tecnologia e Ciência Exma. Senhora Presidente da Comissão para a Igualdade de Género Magnífico Reitor da Universidade de Coimbra

No passado dia 1 de outubro, um “grupo de praxe” de estudantes da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, intitulado Capas e Kopos, promoveu um convívio em que convidou mulheres a executarem práticas de cariz sexual, a troco de bebidas alcoólicas (shots). Tal como consta do cartaz divulgado, estas práticas incluíam “fazer uma declaração ao falo do Maia”, “escolher alguém para te morder o rabo”, “beijar uma amiga”, “sexy strip no palco”, “mostrar as mamas”. Como sublinhava o cartaz, este acordo foi “apenas válido para meninas” e servia, como é evidente, para gozo do grupo masculino.
O caso foi – e bem – denunciado pela secção de Defesa dos Direitos Humanos da Associação Académica de Coimbra, o que provocou um vídeo de repúdio da parte do Capas e Kopos, divulgado no respetivo Facebook. Aqui, assistimos a um grupo de homens estudantes, trajados a rigor e em formação, reclamando a sua filiação ao Direito. Neste quadro, através de uma distorção dos conceitos de inimputabilidade e auto-determinação, e de toda uma série de mistificações relativas às liberdades fundamentais, o grupo condenava os colegas que, sob o pretexto da defesa dos Direitos Humanos, negariam às mulheres o direito de aceitar serem sujeitas às práticas degradantes a que tinham sido convidadas. No seu entendimento de “especialistas de Direito”, explicam que as liberdades pessoais estarão a ser ameaçadas pelas “feministas nazis”.
Juntamo-nos enquanto pessoas e associações que consideram urgente intervir socialmente contra estas práticas que degradam as mulheres, promovem a sua objetificação, e violam os seus direitos. Parece-nos particularmente grave que futuros advogados, magistrados, juízes invertam conceitos estruturantes da lei fundamental, a favor do seu próprio privilégio e da violência machista, que prenuncia a persistência dos vícios do sistema judicial relativamente às vítimas de violência doméstica e de feminicídio. São já mais de 30, este ano, as mulheres mortas na sequência de violência de género em Portugal. A naturalização deste tipo de discursos e práticas, em particular no contexto universitário, tem, pois, de ser combatida enquanto um dos muitos fatores sociais que contribui para este fenómeno.
Há muito tempo que a praxe excede todos os limites com toda a impunidade. Criou um Estado à parte, onde é possível exercer uma série de atos que, noutro local, seriam considerados crimes, mas que ali se desenrolam com naturalidade e o “fechar de olhos” das autoridades académicas, judiciais e dos governos central e municipais. Estes incluem, por exemplo, todo o tipo de violências, incluindo a violência sexual, agressões físicas e verbais, atentados à dignidade pessoal, conduzindo a mortes ou a traumas profundos, mas também destruição do património, atentado ao pudor, ocupação abusiva do espaço público.
Uma característica destes grupos, que marca a forma semi-clandestina como operam, é a sua não formalização, a não-identificação dos seus protagonistas, que reforça a ideia de que sabem que agem à margem da lei, mas ficarão impunes. Este “anonimato grupal” e a desresponsabilização criminal é intencionalmente aproveitada para humilhar novamente as mulheres, para as objetificar sexualmente e perpetuar as desigualdades e a violência de género no nosso país. Cabe, pois, à sociedade civil organizar-se, agir, e apelar à intervenção das instituições e autoridades competentes, no sentido do respeito dos valores e direitos constitucionais e da lei em geral, bem como da sociedade democrática e justa que queremos, agora e no futuro.
Pode a Universidade alhear-se destas práticas e não aplicar os seus próprios regulamentos disciplinares? Pode o Ministério Público abster-se de olhar com atenção práticas de violência, que não estarão longe de configurar crimes de lenocínio? Pois este “grupo de praxe”, com intenção lucrativa, fomentou e facilitou a troca de favores sexuais (ou sexualizados) em troca de vantagens fungíveis, neste caso bebidas (cf. art.º 169º do Código Penal). Mais ainda, poderá o Ministério Público ficar descansado quando o grupo de futuros juristas talvez tenha também cometido um crime de Discriminação e Incitamento ao Ódio e à Violência (art.º 240º do Código Penal)? Pois, com efeito, o que estes praxistas organizadores do convívio fizeram ao colocar apenas e só as mulheres em situações sexuais degradantes, utilizando expressões injuriosas/difamatórias através de um meio destinado à divulgação - os cartazes - foi, em teoria, difamar/injuriar um grupo de pessoas por causa do seu sexo e/ou identidade de género (cf. alínea d) do art.º 240º do Código Penal).
Poderá, também, o governo ficar impávido e sereno perante mais uma situação que atenta a dignidade das mulheres e nos pode colocar, até, em violação da Convenção de Istambul (art.3º), de que o Estado português é signatário, bem como da Recomendação CM/Rec(2019)1 do Comité de Ministros do Conselho da Europa sobre Prevenção e Luta Contra o Sexismo? Não estarão os auto-proclamados “especialistas em Direito”, formandos de uma Faculdade de Direito, que também não se pronunciou, em clara oposição não só ao espírito como à letra da lei? É preciso que, finalmente, este assunto, em todas as suas manifestações, seja encarado com a seriedade que merece. Perante a repetição de casos deste género não podemos, enquanto sociedade, ficar em silêncio.

SIGNATÁRIOS/AS (por ordem alfabética):
A Coletiva Feminista
Adriana Bebiano, Professora Universitária, FLUC
Akto - Direitos Humanos e Democracia
Associação Agarrar Exemplos
Alexandra Alves Luís - Técnica de Apoio a Vítimas, ativista feminista
Alexandra Silva, Vice-Presidente da EOS - Associação de Estudos, Cooperação e Desenvolvimento.
AMCDP - Associação das Mulheres Caboverdeanas na Diáspora em Portugal
Anabela Fernandes, Professora Universitária, FLUC
Anália Torres, Professora universitária, ISCSP, Lisboa
Ana Beatriz Cardoso, Jurista
Ana Costa
Ana Cristina Santos, Investigadora, CES
Ana Lúcia Santos, investigadora / doutoranda, UC
Ana Mafalda do Rego Barreto de Almeida Bruno, Psicóloga Clínica, Psicoterapeuta Comportamental e Cognitiva.
Ana Sofia Fernandes, Presidente da Plataforma Portuguesa para os Direitos das Mulheres
AMCV - Associação de Mulheres Contra a Violência
AMUCIP - Associação para o Desenvolvimento das Mulheres Ciganas Portuguesas
André Caiado, Investigador, CES
António Campar, Professor Universitário, FLUC
António Sousa Ribeiro, Professor Universitário, FLUC
APC - Associação Projecto Criar
Associação Mulheres Sem Fronteiras
Associação Portuguesa para os Estudos sobre as Mulheres / APEM
ASM - Associação Ser Mulher
Bárbara Ranito, Advogada
Beatriz Santana, Psicóloga
Bibiana Garcez da Silva, estudante de mestrado, UC
Bruno Santos N Dias, Doutorando, FLUC
CABE - Combate ao Assédio às Brasileiras no Exterior (ONG)
Carla Panico, Estudante de Doutoramento / Investigadora
Carlos Camponez, professor Universitário, FLUC
Carlos Fortuna, Professor Universitário, FEUC
Carolina Moreira, ativista e técnica de intervenção social
Carolina Soares Marujo, aluna da FPCEUC
Catarina Isabel Martins, Professora Universitária, FLUC
Clara Sandra Borges
Claudia Ascher, Leitora, FLUC
CooLabora
Cristina Janicas, Professora e atriz
Cristina Martins, Professora Universitária, FLUC
Cristina Vieira, Professora Universitária, FPCEUC / APEM
Daniel Simões, Estudante de Psicologia da Universidade de Lisboa
Daniela Nascimento, Professora Universitária e Investigadora, FEUC
Doris Wieser, Professora Universitária, FLUC
Elísio Estanque, Professor Universitário, FEUC
Emiliana Maria Diniz Marques - Doutoranda CES/FEUC/UC
Ernesto Costa, Professor, FCTUC
Fátima Velez de Castro, Professora Universitária, FLUC
Fundação Cuidar o Futuro
Fundação Madre Sacramento
GRAAL
Graça Capinha, Professora Universitária, FLUC
Gracinda Maria Moita Pereira, Técnica de intervenção social na CooLabora
Hélia Santos, Estudante de doutoramento
Inês Amaral, Professora Universitária, FLUC
Jacinta Matos, Professora Universitária, FLUC
João Moreira, Doutorando
Joana Costa, Professora, FCTUC
João Arriscado Nunes, Professor Universitário, FEUC
José Bernardes, Professor Universitário, FLUC
João Maria André, Encenador e Professor Universitário, FLUC
João Marujo, Técnico superior/Programador cultural
José Manuel Pureza, Professor Universitário e deputado
Júlia Garraio, Investigadora
Juliana Alcantara, Doutoranda, FLUC.
Kareen Terrenzo, Doutoranda, FLUC
Keila Rosa, Doutoranda, FLUC
Leontina Ventura, Professora Universitária, FLUC
Letícia Figueiredo Campos, Doutoranda, FLUC
Letras Nómadas
Licínia Simão, Professora Universitária, FEUC
Lina Coelho, Professora Universitária, FEUC
Linda Cerdeira, Investigadora CES UC \ Promundo PT

Luana Cunha Ferreira, Psicóloga, Professora, Faculdade de Psicologia da Universidade de Lisboa
Luciana Moreira, Doutoranda em Direitos Humanos (CES)
Lúcio Cunha, Professor Universitário, FLUC
Luís Monteiro, Deputado
Luís Soares Marujo, aluno da VU Amsterdam e ex-aluno da FLUC
Luísa de Pinho Valle - Estudante de doutoramento / Investigadora
Manuel Loff, Professor Universitário, FLUP
Manuel Portela, Professor Universitário, FLUC
Marcela Uchoa, Estudante de Doutoramento / Investigadora
Margarida Teixeira, ativista feminista
Maria Beatriz Marques, Professora Universitária, FLUC
Maria de Fátima Gil, Professora Universitária, FLUC
Maria do Céu da Cunha Rêgo, Jurista
Maria Helena Loureiro, Professora
Maria Isabel Caldeira, Professora Universitária, FLUC
Maria Isabel Silva Lopes, Professora Universitária, FCTUC
Maria João Faustino, Doutoranda em Psicologia, Universidade de Auckland
Maria João Silveirinha, Professora Universitária, FLUC
Maria João Simões, Professora Universitária, FLUC
Maria José Canelo, Professora Universitária, FLUC
Maria Manuela D. Guilherme, Investigadora, CES/UC
Maria Paula Meneses, Investigadora, CES
Mén Non - Associação das Mulheres de São Tomé e Príncipe em Portugal
Miguel Monteiro, doutorando FLUC
Miguel Vale de Almeida, Antropólogo, Professor universitário ISCTE-IUL
Milena do Carmo, Doutoranda / UC
Monise Martinez, Doutoranda / UC
Não te prives - grupo de defesa dos direitos sexuais
Pascoal Pereira, Professor universitário, FEUC
Patrícia Vieira, Investigadora FCT, CES
Paula Duarte Lopes, Professora Universitária, FEUC
Paula Machava, Doutoranda / UC
PAC - Plataforma Antifascista de Coimbra
PATH - Plataforma Anti Transfobia e Homofobia de Coimbra
Plataforma Portuguesa para os Direitos das Mulheres
Raquel Sampaio, Ativista Feminista
Raquel Vilaça, Professora Universitária, FLUC
Rede 8 M – Núcleo de Coimbra
Rita Basílio de Simões, Professora Universitária, FLUC
Rogério Paulo Madeira, Professor Universitário, FLUC
Rosa Maria de Paiva Carreira, Técnica de intervenção social na CooLabora
Rosário Neto Mariano, Professora Universitária, FLUC
Rui Bebiano, Professor Universitário, FLUC
Rui Curado Silva, Investigador, FCTUC
Rute Soares, mulher, cidadã e professora da FLUC
Sandra Silvestre, Consultora de Igualdade de Género e Formadora em Direitos Humanos
Sérgio Dias Branco, Professor Universitário, FLUC
Sílvia Roque, Investigadora, CES / UC
Sofia Lobo, atriz
Tatiana Moura, Investigadora, CES/ UC
Teresa Alexandrina Alves Nunes, estudante de mestrado, UC
Teresa Almeida Cravo, Professora Universitária, FEUC
Teresa Alvarez, funcionária pública
Teresa Cunha, Investigadora, CES / UC
Teresa Pinto, Docente e investigadora
Thâmara Danielle Filgueiras Santos, Investigadora, FLUC
Tiago Rolino, Investigador CES /UC
UMAR – COIMBRA
Xavier Simão, Estudante
Verónica Ferreira, Estudante de Doutoramento / Investigadora
Virgínia Ferreira, Professora Universitária, FEUC / APEM



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Esta petição foi criada em 16 Outubro 2019
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