Revisão do DL nº 503/99 de 20/11 em relação ao “regime jurídico dos acidentes em serviço ocorridos ao serviço da Administração pública”
Para: Presidente da Assembleia da República e todos os cidadãos
O DL 503/99, não respeita os princípios básicos da Lei Portuguesa, nomeadamente da Constituição da República Portuguesa, do Código do Trabalho bem como da Organização Internacional de Trabalho. Logo no preâmbulo, este DL refere no ponto 4, alínea e) o “principio da não transferência da responsabilidade para entidades seguradoras”, ou seja, o IEFP (Instituto de Emprego e Formação Profissional, IP) não tem seguro de acidentes de trabalho para os seus trabalhadores.
Em termos de assistência médica, este DL apenas prevê, em termos de despesas de “reparação” do acidente, a rede do Serviço Nacional de Saúde. Se o sinistrado optar por assistência médica particular, tem apenas direito ao reembolso parcial, de acordo com os preços despendidos no SNS (Portaria nº 254/2018 de 7/09).
Não havendo uma seguradora que faça a gestão destes processos, é o sinistrado que tem de articular com os serviços todas as dúvidas e questões, envio de toda a documentação, desdobrando-se em emails, telefonemas, e outras situações. Para além disso, é o sinistrado que tem de pagar as despesas, quando realiza o ato, e ficar a aguardar o reembolso das mesmas. Não existem interlocutores identificados para o efeito que façam o acompanhamento e a articulação entre o trabalhador e os serviços centrais.
Sr. Presidente, o meu nome é Maria Teresa Fernandes César, CC nº 08452622 0 ZX1, trabalhadora do IEFP, com o nº 28789, no Serviço de Emprego de Vila Franca de Xira, sofri um acidente de trabalho no dia 19 de agosto de 2021 (queda, junto á porta de entrada do local de trabalho). Fui socorrida no Hospital de Vila Franca de Xira, e encaminhada depois para o Centro de Saúde de Arruda dos Vinhos. Na altura, e devido à situação pandémica do País, tive de recorrer a consultas no serviço privado de saúde de ortopedia e medicina dentária (no Hospital Lusíada). Em ortopedia, o tempo de espera de consulta no SNS era cerca de 6 meses. O serviço de medicina dentária, não existe no SNS.
A maioria dos reembolsos, além de demorados, ficam muito aquém do valor total. Eis um exemplo: as primeiras consultas de medicina dentária e de ortopedia, no dia 9 de setembro de 2021, em que paguei respetivamente, 80 € e 98 €, o reembolso foi de 34 € para cada uma delas. As consultas subsequentes, foram reembolsadas em 31€.
Até ao dia 27 de janeiro de 2022, e em relação a despesas de deslocação, só recebi o reembolso, na totalidade, da 1ª viagem de táxi (dia 25 de agosto). Aguardo pelas 9 deslocações que fiz a Lisboa e Amadora (por motivo de consultas e exames), estou a falar de um processo que deu inicio em 19 de agosto de 2021.
No início de novembro de 2021, e após várias consultas, realizei uma ressonância magnética ao joelho direito. O diagnóstico foi que teria de ser submetida a uma intervenção cirúrgica ao mesmo (por lesão de menisco). Estas situações, de acordo com o DL 503/99, só podem ter continuidade no SNS. Estou desde o dia 9 de novembro a aguardar uma consulta de ortopedia de joelho, no Hospital de Vila Franca de Xira. Enviei vários emails, telefonemas e estive presente no Gabinete do Utente do Hospital referido. Ontem dia 26 de janeiro e depois de nova insistência por telefone, recebi a indicação do dia da consulta: 7 de fevereiro.
Estou com incapacidade temporária absoluta desde o dia 9 de novembro. A minha mobilidade é cada vez menor (sobretudo em subir e descer escadas, movimentar o joelho); as dores são cada vez mais intensas, assim como o inchaço e a cor escura do joelho. O joelho esquerdo está a ser penalizado, o que tem como resultado o surgimento de dores também.
Já poderia estar a trabalhar e reabilitada, se houvesse uma seguradora responsável pelos acidentes de trabalho. Não havendo, o IEFP deveria responsabilizar-se por todas as despesas necessárias, incluindo cirurgias, bem como pela celeridade do processo.
Sou defensora acérrima do SNS, no entanto, desde há 2 anos a esta parte (e mesmo anteriormente), o SNS não tem capacidade de resposta a estas e outras situações, pelos motivos sobejamente conhecidos, pelo que deveremos ter, enquanto trabalhadores no IEFP e da Administração Pública, a opção do serviço privado de saúde, como alternativa, em caso de acidente de trabalho. Não é por acaso que um acidente de trabalho, está previsto no Código do Trabalho, com a obrigatoriedade de seguro de acidentes de trabalho.
O objetivo da minha petição é criar condições para todos os trabalhadores do IEFP e da Administração Pública não tenham tratamento inferior aos trabalhadores do sector privado, em caso de acidente de trabalho, em prol da justiça, igualdade e dignidade.
Este processo, para além das dores físicas e todas as limitações decorrentes, tem-me desgastado e fragilizado emocionalmente. Ultimamente estou medicada com ansiolíticos. A minha vida está “suspensa”, em termos profissionais, pessoais, familiares, desportivos. As tarefas laborais que eu desempenhava estão “distribuídas” pelos meus colegas sobrecarregando os mesmos; a minha família tem abdicado de várias situações para me prestar apoio nas minhas necessidades. Não pratico as minhas atividades desportivas. Passo a maior parte do tempo sentada e deitada, pois é a única forma de sentir menor dor. A minha qualidade de vida é diminuta nestes últimos meses.
Desconheço as repercussões físicas que este demorado processo pode ter para a minha saúde. As consequências psicológicas já são uma realidade.
A Constituição da República Portuguesa refere no artigo 9º, que são tarefas fundamentais do Estado:
“d) Promover o bem-estar e a qualidade de vida do povo e a igualdade real entre os portugueses, bem como a efetivação dos direitos económicos, sociais, culturais e ambientais, mediante a transformação e modernização das estruturas económicas e sociais;”
No seu artigo 13ª - Princípio da Igualdade, a nossa Constituição refere:
“1. Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei.
2.Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever”
Relativamente ao artigo 59.º - Direitos dos trabalhadores, a CRP apela:
f) A assistência e justa reparação, quando vítimas de acidente de trabalho ou de doença profissional.
O Código de Trabalho Português, documento jurídico que regula as relações laborais entre empregados e empregadores, a Lei nº 7/2009, refere na Subsecção III - Igualdade e não discriminação - DIVISÃO I - Disposições gerais sobre igualdade e não discriminação Artigo 23.º que:
“ 1 — Para efeitos do presente Código, considera-se:
a)Discriminação direta, sempre que, em razão de um fator de discriminação, uma pessoa seja sujeita a tratamento menos favorável do que aquele que é, tenha sido ou venha a ser dado a outra pessoa em situação comparável;”.
No artigo 283.º do mesmo Código - Acidentes de trabalho e doenças profissionais, o ponto 1 refere: “O trabalhador e os seus familiares têm direito à reparação de danos emergentes de acidente de trabalho ou doença profissional”
Todos os instrumentos internacionais de direitos humanos incluindo a Organização internacional do Trabalho o confirmam - Recomendação nº 111 - Discriminação:
“Os Estados devem estabelecer serviços adequados a fim de promover a aplicação da política de não discriminação em todos os domínios do emprego público e privado e, em especial, examinar as queixas apresentadas” (GUIA DAS NORMAS INTERNACIONAIS DO TRABALHO -Departamento de Normas Internacionais do Trabalho • Genebra, 2009)
Como trabalhadora e sinistrada, considero que as normas vigentes no DL 503/99, violam o direito fundamental dos trabalhadores do IEFP/Administração Pública à justa reparação, quando vítimas de acidente de trabalho.
Em suma, o objetivo desta petição é: no âmbito de processos de acidentes de trabalho, os trabalhadores do IEFP, bem como todos os trabalhadores da Administração Pública, terem assistência digna e justa reparação, no menor espaço de tempo possível, por forma a que o trabalhador regresse ao ativo completamente recuperado, física e psicologicamente, de forma célere. O direito à reparação, deverá incluir prestações de natureza médica, cirúrgica, de enfermagem, hospitalar, medicamentosa, fisioterapia e outros tratamentos e o fornecimento de ajudas técnicas; transporte e estadias, tal como refere o artigo 4º , nº 3 do DL 503/99. Esta assistência deveria ser prestada no Serviço Nacional de Saúde, ou quando não for possível/vontade do sinistrado, no serviço privado de saúde, sendo o IEFP/Organismos da Administração Pública, os responsáveis pelo pagamento direto de todas as despesas aos vários prestadores de cuidados de saúde. O sinistrado não deveria ter qualquer responsabilidade pelo pagamento de qualquer quantia.
Deveria ainda ser criado um gabinete de apoio, dentro do IEFP/Organismos da Administração Pública, com interlocutores especializados em processos de acidentes de trabalho, com o objetivo de acompanhar o sinistrado desde o início do acidente, criando canais de comunicação diretos (com o sinistrado e todas as entidades envolvidas), facilitando a resolução célere de todas as questões.
Em prol da justiça, igualdade, dignidade e respeito de todos os trabalhadores do IEFP e da Administração Pública, apelo á assinatura desta petição.
Só desta forma será possível promover o debate e levar as assinaturas desta petição à Assembleia da República, para a discussão com os diferentes grupos parlamentares.