Isenção das Propinas do Ensino Superior no ano letivo 2019/2020
Para: Exmo. Presidente da República Portuguesa; Exmo. Senhor Presidente da Assembleia da República; Exmo. Senhor Ministro do Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior; Exmo. Senhor Presidente do Instituto Politécnico de Viana do Castelo (IPVC); Exmo. Senhores Reitores e Presidentes das Universidades e Politécnicos Públicos.
Para uma leitura mais confortável acesse: https://link.medium.com/8B4jmxEQC5
Exmo(s). Senhor(es),
A pandemia COVID-19 trouxe a dor da perda de um ente querido, reviveu a angústia motivada pela incerteza do amanhã. Fez-nos chorar o choro de nossos amigos. E passou como um rolo compressor pela economia mundial. Todos nós tivemos nossas vidas viradas de ponta a cabeça, e muita força ainda será necessária para suportarmos os desafios que o cenário pós-pandemia nos reserva. É justamente por isto que escrevo esta petição hoje, para dar voz ao temor de nossos estudantes, o grito dos aflitos.
DO DIREITO A EDUCAÇÃO
Não foi um, dois ou ainda três, os colegas estudantes que vieram até mim com histórias, que me roubaram o ar – tamanha a aflição, das complicações que estavam enfrentando em suas casas e de suas preocupações com o pagamento das propinas.
Relatos de uma família onde o pai, o único empregado no momento, teve sua remuneração reduzida a um ordenado mínimo, para manter uma família de três filhos em idade escolar. Quem ganha a escolha do orçamento familiar, a universidade/Politécnico ou o Continente? Essa é uma daquelas questões com valores garantidos, não é mesmo?
Para os estudantes oriundos do Brasil ou PALOP as propinas já são as últimas das suas preocupações. A bolsa de valores brasileira teve 6 circuit breakers em pouquíssimos dias, seis para ser mais exato, uma desvalorização de 42% do seu mercado e a maior alta do dólar da sua história. Colocando em perspectiva, durante TODA a crise financeira de 2008 houve a mesma quantidade de circuit breakers. Angola, e outros países membros da PALOP, estão sofrendo desvalorizações semelhantes em suas moedas. Muitos destes estudantes me relataram a dificuldade que estão tento para comprar comida, e não sabem como vão pagar a renda de seus quartos. Eles ao contrário de nós não contam com ninguém aqui, nenhum apoio, nenhum familiar. Contam apenas conosco, os seus amigos.
Agora reflitamos sobre como é difícil para estás famílias, separadas por um oceano, manter os seus filhos, tesouros da sua vida, na Europa, uma vez que o custo de vida europeu e a força do euro torna esta mantença muito onerosa, mas todos nós sabemos dos sacrifícios que uma mãe é capaz de fazer pelo seu filho, não é mesmo? Agora imagine um incremento exponencial nesta dificuldade, face aos efeitos econômicos acarretados pela pandemia nestes países.
Nós portugueses sabemos, como ninguém, o que é ser emigrante, as dificuldades econômicas, o trabalho duro e o aperto no coração pela saudade, palavra esta que só um povo desbravador como o nosso poderia forjar. Por isso nós, mas do que qualquer outro povo, conseguimos vislumbrar a dor destas famílias, que tem seus filhos longe, no meio de toda essa confusão, sem saber se vão manter a boa saúde ou se vão conseguir garantir o leite do seu pequeno almoço. E a esperança de um futuro de sucesso para seu filho, com uma educação superior europeia, desfazendo-se ante aos seus olhos como castelos de areia na praia.
Muitos destes estudantes são os primeiros de suas famílias a ingressar no ensino superior, o que representa uma transformação não apenas nas suas vidas e nas suas famílias, mas sim uma metamorfose na sua comunidade, com o progresso que eles podem trazer no regresso a casa. Estamos falando de centenas de vidas impactadas.
Em solo português as histórias não são diferentes, muitos pais foram dispensados ou estão no regime lay-off com reduções significativas nos salários. Eu sei que muitos dos que estão a ler esta petição sabem e sentem na pele o que eu estou a dizer. Outros estão a vivenciar, assim como eu, a dor de um amigo em situação análoga. Mas talvez nossos representantes ainda não tenham tomado ciência da dimensão disto tudo.
Estas foram apenas algumas das várias histórias que me fizeram, literalmente, debulhar em lagrimas, e tudo isso sem nem ao menos poder dar um abraço de reconforto em um amigo que repentinamente perdeu seu chão. Histórias que, graças aos eventos estudantis nacionais – como o ENEI, vem de todos os cantos do país, de Algarve, Lisboa, Coimbra e Viseu, por exemplo.
Incontáveis famílias portuguesas estão tendo que escolher entre comer e honrar os seus compromissos com a renda, a água, o gás e a luz, estou a falar dos itens básicos de sobrevivência, a base da pirâmide de Maslow, de itens homeostáticos!
Neste momento a nossa educação passou a ser um artigo de luxo, deixou de ser prioridade. Nossa educação está AMEAÇADA, o que ofende a nossa democracia e nossos direitos fundamentais. Definitivamente não podemos aceitar isso. Eu não aceito! E o meu presidente também não aceita. Passo a citar as palavras do nosso Presidente e eterno Professor Marcelo Rebelo de Sousa:
“Não é uma interrupção da democracia. É a democracia a tentar impedir uma interrupção irreparável na vida das pessoas.”
Em tempo trago a memória dos nossos representantes, um trecho de nossa carta magma, em seu artigo 73 e seguintes, que trata do nosso direito constitucional a educação:
ART. 73
1. TODOS TÊM DIREITO À EDUCAÇÃO E À CULTURA.
2. O ESTADO PROMOVE A DEMOCRATIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO E AS DEMAIS CONDIÇÕES PARA QUE A EDUCAÇÃO, REALIZADA ATRAVÉS DA ESCOLA E DE OUTROS MEIOS FORMATIVOS, CONTRIBUA PARA A IGUALDADE DE OPORTUNIDADES, A SUPERAÇÃO DAS DESIGUALDADES ECONÓMICAS, SOCIAIS E CULTURAIS, O DESENVOLVIMENTO DA PERSONALIDADE E DO ESPÍRITO DE TOLERÂNCIA, DE COMPREENSÃO MÚTUA, DE SOLIDARIEDADE E DE RESPONSABILIDADE, PARA O PROGRESSO SOCIAL E PARA A PARTICIPAÇÃO DEMOCRÁTICA NA VIDA COLETIVA.
4. A CRIAÇÃO E A INVESTIGAÇÃO CIENTÍFICAS, BEM COMO A INOVAÇÃO TECNOLÓGICA, SÃO INCENTIVADAS E APOIADAS PELO ESTADO, POR FORMA A ASSEGURAR A RESPECTIVA LIBERDADE E AUTONOMIA, O REFORÇO DA COMPETITIVIDADE E A ARTICULAÇÃO ENTRE AS INSTITUIÇÕES CIENTÍFICAS E AS EMPRESAS.
ART. 74
2. NA REALIZAÇÃO DA POLÍTICA DE ENSINO INCUMBE AO ESTADO:
E) ESTABELECER PROGRESSIVAMENTE A GRATUIDADE DE TODOS OS GRAUS DE ENSINO;
J) ASSEGURAR AOS FILHOS DOS IMIGRANTES APOIO ADEQUADO PARA EFETIVAÇÃO DO DIREITO AO ENSINO.
ART. 77
1. OS PROFESSORES E ALUNOS TÊM O DIREITO DE PARTICIPAR NA GESTÃO DEMOCRÁTICA DAS ESCOLAS, NOS TERMOS DA LEI.
ART. 78
2. INCUMBE AO ESTADO, EM COLABORAÇÃO COM TODOS OS AGENTES CULTURAIS:
D) DESENVOLVER AS RELAÇÕES CULTURAIS COM TODOS OS POVOS, ESPECIALMENTE OS DE LÍNGUA PORTUGUESA, E ASSEGURAR A DEFESA E A PROMOÇÃO DA CULTURA PORTUGUESA NO ESTRANGEIRO;
DOS ALUNOS BOLSISTAS
Engana-se quem acredita que a vida dos alunos bolsistas está mais favorável. Primeiramente temos que considerar que aqueles que possuem direito a uma bolsa são alunos que estão em uma condição econômica especial, o que os deixa ainda mais fragilizados em momentos como os que vivemos.
Muitos destes alunos, que não pagaram suas propinas na integralidade quando foram contemplados com a bolsa, estão, neste momento, sendo o esteio de suas famílias, e o recurso que originalmente devia ser destinado para o pagamento das despesas acadêmicas está servindo como complemento para uma renda familiar que se esvaiu subitamente.
Os que anteciparam as propinas estão hoje em situação ainda mais delicada, não sabem do seu amanhã e tão pouco podem ponderar se auxiliam ou não com este valor em casa. Precisamente por isto que nosso pedido segue em direção de uma súplica pela equidade. Fazendo com que estes alunos, em especial, tenham o ressarcimento dos valores para os quais pediamos a desoneração, em forma de crédito estudantil no próximo ano letivo, sem que isto interfira na renovação e valores de suas bolsas para o próximo ano. Para que desta forma possam ajudar aos seus a se recuperarem das cicatrizes que a crise irá lhes inferir de forma muito mais contundente.
Este pedido ampara-se no princípio da equidade, e quem condensa em poucas, mais fortes, palavras uma das melhores definições para traduzir esta súplica é o augusto jurista Rui Barbosa:
“A regra da igualdade não consiste senão em aquinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam. Nesta desigualdade social, proporcionada à desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da igualdade...Tratar com desigualdade a iguais, ou a desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não igualdade real.”
O IMPACTO NO DESEMPENHO ACADÊMICO
Não preciso mencionar o abalo psicológico que tudo isso tem causado a todos, estudantes ou não, mas considere, apenas por um instante, como nós – no meu caso somos uma escola de engenharia – conseguimos lidar com um dia inteiro de estudos, trancados em casa com toda a família com os nervos à flor da pele, com discussões sobre as reduções no orçamento familiar, o que vai se cortar na alimentação, e, ainda assim, ter que manter o foco em uma integral tripla e um sólido em revolução. Pois, é demasiado surreal.
Mas estamos lutando junto com o nosso corpo docente, que assim como nós vem se desdobrando, para se adaptar e conseguir dar o nosso melhor nesta situação assoladora. Não posso deixar de exaltar a nossa equipe de psicologia que estão, com uma dedicação ímpar, dando todo o suporte a nossa comunidade acadêmica neste momento de tanta aflição.
Contudo, nós ainda precisamos de AJUDA! Nossas forças já não mais nos suportam. Precisamos de AÇÕES QUE DEEM UM MÍNIMO DE SEGURANÇA PARA NÓS, neste momento de tamanha agonia.
Como se observa é inegável o impacto que teremos em nosso desempenho acadêmico e fica latente o incremento significativo na quantidade de alunos que necessitarão de prestar exame de recurso, para manterem a esperança de aprovação nas cadeiras.
Pretendemos continuar aprendendo com o mesmo nível de excelência que tínhamos até a mudança repentina no formato do ensino. Queremos continuar a nossa busca pela excelência e a luta pela aprovação com os melhores valores. Por isso precisamos da ajuda e sobretudo da compreensão das reitorias, para que nos desonerem deste dispendioso encargo. Entendam que não vamos a recurso por acomodação ou desleixo, provavelmente iremos por imposição da atual conjuntura, NÃO NOS PUNAM POR ISSO, É TUDO QUE PEDIMOS.
DA ORIGEM DOS RECURSOS
Temos a plena consciência que nosso pleito tem um impacto significativo no orçamento das instituições de ensino superior públicas de nosso país. Sabemos que uma das principais fontes de receita são as propinas e que outros emolumentos contribuem de forma significativa para o orçamento.
Consideramos ainda que a gestão de uma Universidade ou Politécnico é uma constante manobra na administração de recursos escassos. Lidamos com falta de material e equipamentos em nossos laboratórios e muitas outras mazelas. A situação dos politécnicos é ainda mais complicada, visto que conta com uma dotação orçamentária menor do que as concedidas as Universidades.
Entretanto temos em conta que uma instituição deste vulto tem custos fixos e variáveis, onde uma parcela significativa destes custos variáveis são provenientes da gastos que estão correlacionados diretamente com nossa infraestrutura estar aberta e disponível aos estudantes, como por exemplo, iluminação, água, climatização, insumos de higienização, entre outros.
Atentamos para esta margem que se salienta no momento, para arcar com a primeira fase das desonerações estudantis.
Sendo o Governo Português o responsável por complementar a folha orçamental. Por esse motivo eu peço a ajuda, com empenho ativo, da sua reitoria e presidência no apoio integral a esta petição, inclusive com a divulgação e subscrição da mesma. Ajude-nos a fazer os nossos representantes no Parlamento enxergarem a nossa realidade. Isso também é sua responsabilidade.
DO PEDIDO
Ante a tanta dor, desespero, lagrimas e incertezas, eu não poderia furtar-me de dar voz a esse clamor silencioso que chegou até mim. Por isso, eu rogo, suplico-vos! Ajudai-nos!
Os signatários desta Petição Pública solicitam, por isso, a intervenção da Assembleia da República e dos Reitores/presidentes para que atendam o rogo abaixo, nomeadamente:
1. A declaração expressa e pública, por parte das REITORIAS/PRESIDÊNCIAS dos politécnicos e universidades, em que conceda:
1.1. A isenção plena sobre as taxas e emolumentos referentes a exames de recurso ou melhoria de notas, do ano letivo 2019/2020, indiscriminadamente para todos os estudantes, inclusive estudantes internacionais e bolsista;
1.2. O perdão das dívidas oriundas do pagamento de propinas dos meses de março/2020 e abril/2020, indiscriminadamente para todos os estudantes, inclusive estudantes internacionais e bolsistas.
1.3. A desobrigação do pagamento de propinas para o restante do ano letivo 2019/2020, inclusive abril/2020, indiscriminadamente para todos os estudantes, inclusive estudantes internacionais e bolsista;
1.4. Título de crédito estudantil para compensação, exclusivamente, nas propinas do próximo ano letivo, em valor que corresponda ao somatório dos meses pleiteados no item anterior, para os alunos bolsistas que realizaram o pagamento das propinas, pleiteadas no item predecessor, de forma antecipada;
1.5. Documento que externe de forma clara e fundamentada o impacto orçamentário previsto com a execução das medidas anteriores, com fim a solicitar o suplemento orçamental junto ao Estado Português.
2. Que o GOVERNO PORTUGUÊS em uma medida emergencial:
2.1. Estenda auxílio financeiro as Universidades e Politécnicos Públicos, em valor equivalente ao apresentado pelo documento expedido pelas instituições, conforme item 1.5 do pedido anterior, em caráter expresso e extraordinário, a fim de manter a saúde financeira do berço da produção cientifica e cultural do país;
2.2. Mantenha, declarando de forma expressa, o direito de continuidade do acesso as bolsas sem redução de valores, para os alunos abrangidos pelo pedido 1.4, para o próximo ano letivo.
Ainda que este apelo tenha sido inicialmente consubstanciado como uma rogativa a presidência do Instituto Politécnico de Viana do Castelo (IPVC), frente as proporções tomadas pelo clamor que ensejou os motivos iniciais, estendo este pleito a todos os reitores e presidentes das Universidades e Politécnicos de Portugal e a Assembleia da República para que venha em socorro a nação estudantil portuguesa e consequentemente a educação superior portuguesa. Nós somos o futuro desta nação, contamos consigo hoje para que tenhamos um amanhã.
A você colega estudante, companheiro nesta senda, tenho um encarecido pedido a fazer-te: Encaminhe está petição a reitoria/presidência da sua instituição de ensino superior, bem como faça um apelo aos seus pares para que venham subscrevê-la.
Apelo ainda aos nossos professores e ao quadro de profissionais de apoio de nossas instituições, bem como a todos os familiares que estão vivenciando toda esta angústia. Somos todos um só, estamos todos juntos por um amanhã melhor.
Sem mais para o momento, despeço-me rogando que todos nós consigamos superar esta pandemia, com o mínimo de sequelas possíveis.
Um abraço fraternal,
Jackson Júnior
Nº de aluno 24031 - Discente do Curso de Engenharia Informática pelo Instituto Politécnico de Viana do Castelo.