Petição para manutenção da legislação que reconhece o direito à nacionalidade portuguesa aos descendentes dos judeus sefarditas expulsos de Portugal
Para: Para: Ex.mo Sr. Presidente da República Portuguesa Marcelo Rebelo de Sousa
Respeitável Presidente!
Na condição de descendentes de judeus sefarditas portuguesas, vêm, diante de Vossa Excelência, peticionar, suplicando que não se revoguem, nem se restrinjam os efeitos da atual legislação portuguesa que concede nacionalidade aos descendentes dos judeus sefarditas expulsas no século XV, conforme previsto na Lei n.º 37/81, de 3 de outubro, especialmente em seu Artigo 1.º, n.º 1, alínea d).
Essa legislação representa não apenas uma reparação jurídica, mas sobretudo uma reparação moral, histórica e humanitária, que reconhece os crimes de perseguição, conversão forçada, expulsão, confisco de bens, censura religiosa e apagamento cultural sofridos pelos judeus portugueses e seus descendentes.
“São portugueses de origem: (...) os indivíduos nascidos no estrangeiro, com ascendência em judeus sefarditas portugueses, que demonstrem tradição de pertença a uma comunidade sefardita de origem portuguesa, com base em requisitos objetivos comprovados de ligação a Portugal.”
(Lei da Nacionalidade, Art. 1.º, n.º 1, alínea d)
I – Perseguição Histórica e Exclusão Institucionalizada
Durante séculos, tanto em Portugal quanto em suas colônias ultramarinas, estabeleceu-se uma clara divisão social e religiosa entre os chamados “cristãos-velhos” — cuja ascendência cristã era considerada incontestável — e os “cristãos-novos”, descendentes de judeus forçados à conversão ao cristianismo a partir do final do século XV. Essa diferenciação institucionalizada se originou do clima de intolerância, preconceito e violência inquisitorial, que impunha severas limitações àqueles marcados pela origem judaica.
Os cristãos-novos sofreram restrições legais no acesso a cargos públicos, instituições religiosas, patentes militares e ofícios tradicionais, consolidando um verdadeiro apartheid social e cultural. A repressão inquisitorial chegava ao extremo de impor penas capitais àqueles que, em segredo, ainda praticavam sua fé ancestral — crime que fere gravemente a imagem e os valores do Estado português perante os princípios modernos de dignidade da pessoa humana.
Esse cenário discriminatório e persecutório só foi legalmente abolido em 25 de maio de 1773, por meio de legislação do Marquês de Pombal. Tal norma pôs fim formal às distinções entre cristãos-velhos e cristãos-novos, tanto em Portugal quanto em seus territórios, inclusive o Brasil. Contudo, a promulgação da lei não apagou os traumas coletivos nem as marcas materiais e simbólicas da violência infligida às comunidades judaicas.
Desde os batismos compulsórios, passando pelas conversões forçadas, até o antissemitismo arraigado que persistiu por séculos, o sofrimento não cessou. A necessidade de praticar a fé em segredo deu origem ao criptojudaísmo, que se perpetuou por gerações como forma de resistência silenciosa contra o apagamento cultural e religioso.
Este processo histórico demonstra uma continuidade de violações aos direitos humanos fundamentais, configurando um crime contra a dignidade da pessoa humana. Portugal, como signatário da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) e de diversos tratados internacionais, tem a obrigação de preservar os instrumentos legais que asseguram a memória, a identidade e a reparação a esse povo.
“A dignidade da pessoa humana é inviolável e deve ser respeitada e protegida.”
(Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, Art. 1.º)
Mesmo após a extinção formal das discriminações, as comunidades judaicas e seus descendentes seguiram sendo marginalizados, forçados a preservar clandestinamente sua herança cultural. Essa condição prolongou a sensação de exclusão e desenraizamento, e muitas famílias, até hoje, lutam para reconstruir a identidade perdida e reaver a condição de cidadãos plenos, mediante o resgate da nacionalidade de seus antepassados.
II – A Lei da Nacionalidade: Justiça e Reconciliação
A atual legislação de nacionalidade representa um passo civilizatório. Ela reconhece a dor histórica, concede dignidade aos descendentes e simboliza o compromisso de Portugal com a justiça e os direitos humanos.
“Toda pessoa tem direito a uma nacionalidade.”
(Declaração Universal dos Direitos Humanos, art. 15)
Além disso, está alinhada aos princípios da justiça de transição e da memória coletiva, instrumentos reconhecidos internacionalmente como essenciais para superar traumas históricos.
“A reparação histórica é parte fundamental da construção democrática de um Estado que reconhece e assume os seus erros.”
(Nuno Piçarra, Direitos Humanos e Justiça Transicional, 2015)
Neste contexto, cumpre destacar que os Açores representam uma excelente opção para firmar residência, sobretudo por serem uma terra acolhedora, de povo hospitaleiro e generoso. A região compartilha diversos traços culturais com o Brasil, facilitando a integração de descendentes sefarditas que ali desejem recomeçar suas histórias. Além disso, trata-se de um território dotado de grande beleza natural, estabilidade social e promissoras oportunidades de desenvolvimento pessoal, profissional e familiar. Estabelecer-se nos Açores não é apenas um retorno às raízes, mas também um ato de esperança num futuro digno e próspero.
III – Riscos da Revogação
A eventual revogação ou esvaziamento da lei significará um grave retrocesso moral e jurídico, colocando em risco a imagem de Portugal como Estado comprometido com a tolerância, os direitos humanos e a pluralidade cultural. Além disso, representará um ato de desrespeito à memória das vítimas, com consequências diplomáticas e éticas irreparáveis.
IV – Pedido
Diante do exposto, vêm respeitosamente solicitar a Vossa Excelência:
1. Que defenda a manutenção da atual legislação que reconhece o direito à nacionalidade portuguesa dos descendentes dos judeus sefarditas;
2. Que use da sua influência política e moral para sensibilizar os órgãos legislativos e a sociedade portuguesa sobre a importância histórica e ética desta lei;
3. Que preserve a imagem de Portugal como nação de memória, reparação, justiça e acolhimento.
4. E, por fim, que interceda para que os processos administrativos e judiciais relativos aos pedidos de nacionalidade via descendência sefardita recebam a devida celeridade, respeito processual e efetividade, evitando morosidades que representam novo sofrimento às famílias que há séculos aguardam por justiça histórica.
Com profundo respeito, esperança e espírito fraterno.