Não no nosso nome, Não sem o nosso consentimento!
Para: Exmos. Senhores Deputados da Assembleia da República, Exmo. Senhor Presidente da República,
Exmos. Senhores Deputados da Assembleia da República,
Exmo. Senhor Presidente da República,
Na qualidade de cidadã portuguesa profundamente comprometida com os valores democráticos e com o bem-estar da nossa sociedade, venho, por este meio, dirigir-me a V. Ex.as com o intuito de expressar uma preocupação que considero urgente e merecedora de reflexão e ação por parte das mais altas instâncias do nosso Estado.
Dirijo-me a todos vós enquanto cidadã, enquanto mulher e enquanto vítima de abuso sexual. Até hoje não tive coragem de tornar o meu crime público por ser um assunto que considero ser demasiado privado para isso. No entanto vejo-me hoje “obrigada” pela minha consciência a fazê-lo para que muitas pessoas não tenham de o fazer, para que se possam proteger e possam decidir o que fazer e quando o fazer.
Acredito que a petição pública que anda a circular no sentido de tornar público o crime de violação tenha uma origem bem-intencionada e que venha no sentido de proteger as vítimas destes mesmos crimes, no entanto, infelizmente, esta mudança não iria de todo proteger as vítimas, muito menos defendê-las.
Acredito que muita coisa tenha de mudar antes de chegarmos a este ponto, questões bem mais importantes e urgentes têm de ser resolvidas antes de obrigarmos as vítimas de qualquer abuso sexual a expor-se ao mundo sem ser essa a sua intenção.
Neste sentido, apresento algumas das razões pelas quais este crime não deve ser um crime público:
1) Revitimização ou vitimização secundária -> Descrita por Orth (2022) como uma reação social negativa à vitimização primária, que é experimentada como uma segunda violação dos direitos legítimos da vítima;
2) Flashback -> Ocorre quando a pessoa revive no aqui e agora a experiência do abuso sexual, onde sente que o agressor/a sexual está fisicamente presente.
3) O medo de que não acreditem em nós, sim, este medo é muito comum nas vítimas;
Os abusos sexuais são um tema sensível e delicado e devem ser tratados como tal. Imaginem assaltarem-vos o carro ou a casa... O sentimento de insegurança é imenso. Agora imaginem invadirem-vos o corpo... O corpo com o qual têm de viver para o resto da vida... imaginem essa insegurança multiplicada... A vítima de abuso sexual sente-se muitas vezes culpada, pensa muitas vezes no que fez para que tal acontecesse e em vez de sentir apoio pelos que a rodeiam muitas vezes sente-se ainda mais culpada, ou porque “estavas bêbeda, do que estavas à espera?” ou “já viste como te vestes?” ou “És homem, como assim foste vítima de abuso sexual?”, entre muitos “ou’s” que se ouvem, não apenas pela sociedade bem como pelo sistema judicial e criminal.
No nosso país ainda temos juízes que mantém estes estereótipos dos “ou’s”, ainda não se disponibiliza nem se sensibiliza para a quantidade de crimes que abrange o termo abuso sexual, porque o abuso sexual inclui o crime de violação, mas não é apenas este. No nosso país faltam políticas de apoio às vítimas, faltam medidas de combate aos abusos sexuais, no nosso país há ainda muito para ser feito antes de pensarmos em tornar a violação um crime público. Porquê? Porque não podemos compactuar com a perpetuação da dor da vítima de abuso sexual.
Assim, antes de se avançar para uma alteração legislativa tão profunda, como tornar o crime de violação um crime público, proponho que se considerem medidas que realmente protejam as vítimas, tais como:
1) Aumento do prazo de prescrição do crime, tanto para casos de abusos contra crianças, bem como contra adultos;
2) Formação para os profissionais que atuam nesta área, seja CPCJ, profissionais de saúde, forças policiais, sistema de justiça, etc;
3) Apoio psicológico imediato e continuado às vítimas;
4) Divulgação obrigatória de informações, nas escolas, nas empresas, nos estabelecimentos públicos acerca de abusos sexuais, quais são, o que fazer em caso de, e a quem recorrer nestas situações.
Estas são apenas algumas ideias, as quais não me parecem de difícil implementação.
De acordo com as estatísticas da APAV, em 2024, esta acompanhou 1990 crimes sexuais contra crianças e jovens e 543 crimes sexuais contra pessoas adultas. De acordo com o comunicado de imprensa Euroestat/FRA/EIGE, publicado a 25 de Novembro de 2024, 1 em cada 6 mulheres já foi vítima de violência sexual na EU e 1 em cada 3 mulheres já foi vítima de assédio sexual no trabalho.
O abuso sexual tem impactos tanto na saúde física e psicológica das vítimas, sendo que vai desde as dores corporais, sensação de dormência, hematomas e hemorragias, falta de apetite e de energia, medo e desconfiança dos outros, isolamento e vergonha, sentimento de culpa e nojo, insónias, tristeza, raiva, dissociação até comportamentos suicidários ou autolesivos (OPP, nd).
Tal como refere a ordem dos psicólogos portugueses:
“Podemos sentir o impacto emocional da experiência de abuso sexual imediatamente a seguir ou apenas muito tempo depois do abuso ter ocorrido. Podemos senti-lo intermitentemente. Quando experienciamos mais do que uma situação de abuso sexual os efeitos dos múltiplos acontecimentos podem acumular-se num processo psicológico mais complexo.”
E portanto...
“Não há uma maneira “certa” ou “errada” de lidar com um abuso sexual e de nos sentirmos. Todos/as reagimos de forma diferente e ninguém tem o direito de nos dizer o que “devíamos” pensar, sentir ou fazer.”
O que podemos fazer?
“O abuso sexual não impacta a vida das vítimas da mesma forma. A ajuda de familiares e amigos e, sobretudo, de profissionais de Saúde, como Psicólogos e
Psicólogas, pode mitigar esses impactos e ajudar a pessoa a superá-lo."
Sim o abuso sexual deve ser denunciado sempre! No entanto essa decisão cabe à vítima, de quando e como o fazer.
Apelo, por isso, a V. Ex.as que considerem seriamente estas questões antes de avançar com qualquer proposta legislativa que possa, ainda que involuntariamente, agravar o sofrimento das vítimas. A verdadeira justiça começa por ouvir quem sofreu. Obrigada por me ouvirem.
Subscritores: Cátia Hervet, CC nrº 15146236; Elda Gonçalves, CC nrº 13364044; Beatriz Pereira, CC nrº 15807521; Inês Silva, CC nrº 14969255
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