CARTA ABERTA DOS PROFISSIONAIS TÉCNICOS, ESPECIALISTAS E DE GESTÃO DO ENSINO SUPERIOR
Para: Exmo. Senhor Presidente da República; Exmo. Senhor Primeiro Ministro; Sr. Ministro da Tutela e restantes membros do Governo; Presidente do Conselho Coordenador do Ensino Superior; Presidente do Conselho de Reitores; Presidente do Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos; Presidentes dos Grupos Parlamentares da Assembleia da República; Dirigentes dos Partidos Políticos
CARTA ABERTA DOS PROFISSIONAIS TÉCNICOS, ESPECIALISTAS E DE GESTÃO DO ENSINO SUPERIOR
Subscrita pela Associação Nacional dos Funcionários das Instituições de Ensino Superior (ANFUP), pelos Representantes nos Conselhos Gerais e por profissionais técnicos, especialistas e de gestão do ensino superior.
A Direção Nacional da Associação dos Funcionários das Instituições de Ensino Superior (ANFUP) e os representantes nos Conselhos Gerais das Instituições de Ensino Superior (IES) têm vindo a acompanhar de perto as matérias relacionadas com a alteração do Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior (RJIES), bem como as transformações e debates daí decorrentes, considerando que o diálogo e a negociação são essenciais para se obter soluções mais abrangentes, coesas e equitativas, capazes de garantir a qualidade e sustentabilidade do ensino superior. Por isso, consideramos incompreensível e inaceitável que os profissionais técnicos, especialistas e de gestão das IES sejam reduzidos à invisibilidade e não tenham sido considerados nem ouvidos no âmbito deste processo, quando é sabido e reconhecido que estes mais de 15.000 profissionais muito contribuem para se garantir uma operacionalização e gestão eficaz e eficiente, capaz de afiançar a qualidade, a transparência e a prestação de contas das instituições.
Como poderão as IES prosseguir elevados padrões de qualidade, produzir ciência, inovar e evoluir, enquanto continuar a persistir-se em modelos estruturais e estruturantes, terminologias e estereótipos que acarretam falhas e que promovem a negação, a invisibilidade, a desvalorização e a desmotivação dos profissionais deste setor?
Tomando por base esta questão de partida, dirigimo-nos a V. Exas., e aos portugueses em geral, na qualidade de representantes e profissionais técnicos, especialistas e de gestão das Instituições de Ensino Superior (IES), de todo o pais,
Pela excelência da gestão, democratização, qualificação e flexibilidade do ensino superior
Exmos./as. Senhores/as
Presidente da República
Primeiro Ministro, Ministro da Tutela e restantes membros do Governo
Presidente do Conselho Coordenador do Ensino Superior
Presidente do Conselho de Reitores
Presidente do Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos
Presidentes dos Grupos Parlamentares da Assembleia da República
Dirigentes dos Partidos Políticos
Como é do conhecimento de V. Exas., o Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior (RJIES), implementado em Portugal em 2007 e atualmente em processo de revisão, tem sido alvo de diversas preocupações e críticas ao longo dos anos, tendo o processo de consulta e de propostas de revisão gerado relevantes debates e reflexões que visam não só a melhoria estrutural do regime jurídico, mas sobretudo a melhoria significativas da missão educativa e social das Instituições e Organizações do Ensino Superior (IES), bem como dos conhecimentos, produtos, serviços e resultados por elas criados e delas emanados, para as quais muito têm contribuído os altamente qualificados profissionais técnicos, especialistas e de gestão do ensino superior, a par dos profissionais docentes e de investigação científica e dos estudantes.
Mas não se pode ignorar que, nos últimos anos, têm sido elencadas e fundamentadas diversas preocupações relacionadas com o disfuncionamento das Instituições e com o facto do modelo de RJIES poder ter deixado a porta aberta para uma conceção mercantilista do ensino superior e da investigação científica, que pode comprometer a autonomia e a missão fundamental das instituições, visão esta maioritariamente influenciada e por vezes manipulada, de fora para dentro, em detrimento de valores académicos, laborais, educativos, culturais e sociais, em que deverá assentar o interesse coletivo da sociedade do conhecimento, sendo sustentadas legitimas preocupações sobre o modelo de participação democrática, quer ao nível da eleição para os órgãos, quer ao nível do aconselhamento e da tomada de decisões estratégicas e de governança das IES, preocupações essas que vão de encontro à defesa de um melhor redimensionamento do espaço democrático para a comunidade académica interna e melhor equilíbrio entre os diversos corpos (estudantes, docentes, investigadores e profissionais técnicos, especialistas e de gestão), que muito contribuíram e continuarão a contribuir para a melhoria da qualidade e eficiência das organizações e para a melhoria dos resultados de responsabilização, avaliação e desempenho, bem como para uma efetiva prestação de contas.
Como V. Exas. têm conhecimento, se, por um lado, os níveis de escrutínio e de participação democrática da comunidade académica nos atos eleitorais são hoje preocupantes, traduzindo-se naquilo a que diversos autores e individualidades de reconhecido mérito designam por falta de “democraticidade” na Academia, por outro lado, é considerado essencial a delimitação entre governança e administração nas instituições públicas, incluindo as instituições de ensino superior, precisamente para se conseguir garantir uma gestão eficiente, capaz de afiançar a qualidade, a transparência e a prestação de contas (accountability) das instituições, devendo a governança focar-se na definição de políticas, estratégias e supervisão global, enquanto a administração e gestão se deve concentrar na implementação operacional dessas diretrizes, permitindo este balanceamento equidistante que os órgãos de governança mantenham uma visão macro e estratégica, sem comprometer a agilidade e a eficácia das decisões.
A par disso, uma administração equitativamente participada e liderada por gestores especializados, permitirá reduzir os conflitos de interesses e promover uma cultura organizacional mais ética e orientada para resultados, assegurando que as operações diárias se mantenham alinhadas com os objetivos nacionais e institucionais, promovendo uma governança e gestão mais profissionalizada e menos sujeita a interesses e/ou interferências políticas ou pessoais.
Acresce ainda que a defesa da democratização e a oposição ao uso da expressão "não docentes" e “não investigadores”, não versa simplesmente sobre questões de linguística. Abarca sobretudo questões de melhoria e qualificação da administração e gestão, de justiça, de reconhecimento profissional e de equidade institucional, pelo que, para se ultrapassar uma matriz ideológica de natureza disfuncional, negativa e redutiva, que carrega uma desvalorização e invisibilização do papel colaborativo desempenhado por estes profissionais, é hoje requerido um esforço coletivo, no sentido de se alcançar uma estrutura e designação que, justamente, qualifique as IES e valorize e reconheça a identidade e o papel de todas e de todos no seio da comunidade académica e de inovação, sem que alguém possa ser negado, tornado invisível ou desvalorizado por sobreposição de outra categoria profissional, defendendo-se a designação de profissionais técnicos, especialistas e de gestão.
Estudos académicos e científicos têm vindo a demonstrar que, em contextos de hierarquia institucional, as disparidades e desigualdades democráticas refletem e perpetuam divisões sociais e profissionais existentes e que o uso redutor e negativo para se dirigir a “outros” profissionais, reforça a ideia de que a atividade de uns é a única central no contexto educacional, quando não é, marginalizando-se assim todos os restantes profissionais que desempenham papéis complementares e igualmente importantes no seio das instituições, acabando por contribuir para relações de trabalho assimétricas, onde o protagonismo de uns ofusca e prejudica as contribuições de outros e acabará por prejudicar as Instituições e o País, não sendo aceitável nem benéfico para a governação, gestão e funcionamento das IES, que apenas e só um corpo/grupo profissional ou esse corpo/grupo mais uns quantos convidados e/ou controlados por esse mesmo grupo profissional, sejam dotados de uma maioria para a eleição e tomada de decisão nos órgãos, passando a poder decidir sozinhos o destino das instituições de ensino superior.
Neste contexto, levantam-se diversas questões e problemáticas, todas elas muito relevantes, que versam sobre as questões de organização e democratização, de governança e gestão, de financiamento e autonomia, de qualidade, equidade, igualdade e meritocracia, de flexibilidade e sustentabilidade, de transparência e prestação de contas, mas também de valorização e reconhecimento dos profissionais técnicos, especialistas e de gestão, que devem passar a ter uma justa e legitima participação para a eleição e representação nos órgãos de governo, de gestão e de aconselhamento, designadamente técnico e especializado.
Assim, sendo justo referir que têm sido feitos alguns avanços, é também imperativo reconhecer as falhas e a persistência da desigualdade, da estratificação e da discriminação, devendo as IES afirmarem-se como organizações exemplares para a sociedade, que se requer que sejam democráticas, qualificadas, justas e de reconhecido mérito.
Estamos por isso convictos de que as nossas legitimas visões e propostas, que passamos a elencar, possam ter acolhimento junto de quem de direito e de toda a comunidade académica, de investigação e de inovação, bem como por parte dos portugueses em geral, porque acreditamos na justeza da nossa existência e na nossa relevância profissional para o cumprimento da missão das instituições de ensino superior:
MISSÃO: Tomando por base que a missão do ensino superior visa a promoção do acesso universal ao conhecimento, fomentar a investigação e a inovação, e formar cidadãos críticos, competentes e socialmente responsáveis, contribuindo para o desenvolvimento sustentável e para a democratização da sociedade, reconhecemos a relevância da celebração de protocolos de cooperação, mas discordamos da transmissão, integração ou fusão de estabelecimentos de ensino superior privados em instituições de ensino superior públicas, considerando de extrema importância que o Regime a aprovar determine reservas e obrigações a respeitar pelos estatutos das instituições e respetivas unidades orgânicas, a fim de se evitar a proliferação de instituições com modelos organizacionais muito distintos ou sem qualquer guia da missão institucional e organizacional. A par disso, a alienação do património, a existir, deve obrigar a votações, nos órgãos competentes, por maiorias qualificadas.
FLEXIBILIDADE: Colocamos reservas sobre o modelo fundacional, mas defendemos um sistema binário flexível, que sirva de guia à missão do ensino superior e dotado de autonomia e de requisitos e de recursos apropriados à realidade de cada instituição, capazes de incentivarem e estimularem a qualidade e qualificação das instituições.
DEMOCRATICIDADE: Refere-se à qualidade ou característica de algo que é democrático e ativa e democraticamente participado, ou seja, que segue os princípios da democracia. Neste contexto, defendemos que nenhum dos corpos internos, por si só ou por junção à cooptação de membros externos à instituição, poderá ser dotado de maiorias absolutas para a eleição dos órgãos uninominais (Reitor/Presidente) ou para a composição dos órgãos colegiais (Assembleias/Conselhos).
EQUIDADE: A atribuição de uma reduzida percentagem, no processo de eleição do Reitor, aos profissionais técnicos, especialistas e de gestão, revela-se desajustada e inaceitável. Não haverá instituições nem organizações de ensino superior sem o equitativo contributo e coesão de todos os corpos internos. Aliás, os requisitos propostos nesta revisão visam precisamente elevar os padrões institucionais de democratização e de qualidade, refletindo a evolução muito significativa das Instituições, não só ao nível da qualidade formativa e de investigação, mas também ao nível da qualificação e da qualidade técnica de gestão e administração, reconhecida nacional e internacionalmente.
DISPARIDADE: A desejável diversidade institucional não é compatível com a enorme e injusta disparidade representativa que tem vindo a caracterizar a estrutura de governança e gestão das IES, sendo de extrema relevância reconhecer e valorizar a global e transversal dimensão e abrangência de toda a comunidade escolar, não podendo os critérios de representatividade e democratização refletir uma invisibilidade e desqualificação dos membros internos, designadamente dos profissionais técnicos, especialistas e de gestão, que muito contribuem para a elevação da qualidade da governança e da gestão das Instituições e para o bom funcionamento e desenvolvimento das atividades de ensino, inovação e investigação, sem esquecer o tão desejável escrutínio, transparência e prestação de contas públicas.
COMUNIDADE: Embora admitamos que o envolvimento e a participação de membros externos não pertencentes à instituição, bem como os ex-estudantes, possam proporcionar contributos relevantes para as instituições, defendemos que não devem ter envolvimento direto na governança e gestão estratégica da instituição, ou tendo, que o possam fazer com uma expressão nunca superior à dos técnicos, especialistas e de gestão que nela exercem a sua atividade profissional diariamente, sendo de evitar conflitos de interesses e pressões externas desmedidas, desadequadas e eventualmente descontroladas, que possam vir a colidir com a missão das instituições e com a prossecução das políticas públicas de ensino superior.
ASSOCIATIVISMO: As instituições de ensino superior devem apoiar o associativismo estudantil, mas também o associativismo dos trabalhadores e da comunidade em conjunto, devendo proporcionar as condições para a afirmação de associações autónomas, ao abrigo de legislação especial, incumbindo igualmente às instituições de ensino superior estimular o envolvimento de toda a comunidade em atividades artísticas, culturais e científicas e promover espaços de experimentação e de apoio ao desenvolvimento de competências transversais, nomeadamente de participação coletiva e social.
PONDERAÇÃO: Pelos motivos expostos, defendemos que:
Para efeitos de candidatura e apuramento dos resultados eleitorais para cargos uninominais, devem ser observados os seguintes requisitos:
- As candidaturas para cargos uninominais devem ser subscritas por membros de todos os corpos internos, de modo a escrutinar e democratizar o processo eleitoral;
- Os votos dos professores e investigadores da instituição deverão ser ponderados em menos de 50% no resultado da eleição;
- Os votos dos estudantes da instituição deverão ser ponderados no mínimo de 20% no resultado da eleição;
- Os votos do pessoal técnico, especialista e de gestão da instituição deverão ser ponderados no mínimo de 20% no resultado da eleição. A atribuição de uma percentagem inferior a 20% no processo de eleição do Reitor/Presidente, revela-se desajustada e inaceitável quando comparada com as percentagens atribuídas aos membros externos, tendo em conta o papel central que estes profissionais representam ao nível da operacionalização e gestão diária das Instituições de Ensino Superior em Portugal. Uma percentagem de ponderação nos moldes apresentados na proposta do Governo, aliada a outros fatores, como o desajustado e injusto sistema de responsabilização e avaliação de desempenho, acabará por acentuar a desmotivação e desinteresse dos profissionais, situação que o Governo deve contrariar e não favorecer;
- Os votos dos membros externos não pertencentes à instituição poderão ser ponderados até 10% no resultado da eleição;
- O somatório dos votos dos professores e investigadores da instituição mais o somatório dos votos dos membros externos não pertencentes à instituição não poderão ser ponderados em mais de 50% no resultado da eleição.
Para efeitos de constituição dos órgãos colegiais e consultivos, devem ser observados os seguintes requisitos:
- As candidaturas devem ser subscritas por membros dos respetivos corpos internos;
- Os membros representantes do corpo de professores e investigadores da instituição poderão ser ponderados até 50% dos membros do conselho;
- Os membros representantes dos estudantes da instituição deverão ser ponderados no mínimo de 15% dos membros do órgão/conselho, devendo sempre estar garantida a representação por dois ou mais elementos;
- Os membros representantes do pessoal técnico, especialista e de gestão da instituição deverão ser ponderados no mínimo de 15% dos membros do órgão/conselho, devendo sempre estar garantida a representação por dois ou mais elementos;
- Os membros externos/cooptados não pertencentes à instituição devem representar pelo menos 15% dos membros do órgão/conselho.
Certos de que o diálogo e a negociação são essenciais para se obter soluções mais abrangentes, coesas e equitativas, capazes de garantir a qualidade e sustentabilidade do ensino superior e de que o reconhecimento e valorização da diversidade de corpos e de perfis profissionais e académicos existentes no ensino superior contribuem significativamente para a qualidade de governança, de gestão e de funcionamento das instituições, deverá a revisão do RJIES corresponder a uma verdadeira melhoria da representatividade e da democratização das instituições de ensino superior portuguesas, sendo que as elevadas expetativas que hoje se colocam ao nível do ensino superior e da investigação e inovação científica, requerem que as instituições sejam dotadas de pessoal técnico, especializado e de gestão altamente qualificado, mas também reconhecido, valorizado e participativo ao nível das estruturas organizacionais e de gestão.
Portugal, março de 2025
Autores:
Associação Nacional dos Funcionários das Instituições de Ensino Superior Portuguesas (ANFUP)
Representantes nos Conselhos Gerais das Instituições de Ensino Superior Universitárias e Politécnicas
Subscritores
Profissionais técnicos, especialistas e de gestão das Instituições de Ensino Superior Universitárias e Politécnicas