O Paço de Curutelo, caso paradigmático de violência sobre património: responsabilizar, mitigar e prevenir
Para: Ex.mo Senhor Director do Património Cultural I.P.; Ex.mo Senhor Presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte; Ex.mo Senhor Presidente da Câmara Municipal de Ponte de Lima
No dia 5 de outubro de 2024 seis personalidades com ligação ao concelho de Ponte de Lima, nomeadamente historiadores, arquitetos e outros profissionais, subscreveram uma denúncia pública das obras então em curso no Paço de Curutelo (Freixo, Ponte de Lima) com vista à sua transformação num equipamento do grupo hoteleiro Vila Galé: “Paço de Curutelo: um acto de violência sobre património medieval” [ver ligação abaixo].
Nesse texto, os autores sublinharam o enorme valor patrimonial consubstanciado pelo monumento, classificado desde 1977 como imóvel de interesse público — compreendendo uma torre medieval de origens românicas, reconfigurada no século XIV, um paço quinhentista, uma capela e infraestrutura de apoio agrícola — mas também pela paisagem cultural que o completa, exemplo raro dum ecossistema fundiário de origens medievais moldado ao longo de séculos. Exercendo as prerrogativas da sua cidadania, alertaram para a descaraterização de boa parte do edificado, para a sua opressão por construção nova de grande volumetria, para a patente substituição de estruturas antigas, muros e outros elementos de valor patrimonial, bem como para a profunda transformação da paisagem circundante; manifestaram a sua perplexidade e indignação pelo brutal impacto desta intervenção sobre o bem classificado, o seu perímetro protegido e a sua relação com o meio envolvente, e solicitaram explicações às entidades responsáveis pela aprovação e fiscalização da obra, nomeadamente a anterior tutela do património cultural — Direcção Geral do Património Cultural — a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte e o Município de Ponte de Lima (que, além de ser a entidade licenciadora, agraciou o empreendimento com uma declaração de Interesse Municipal).
O texto e as imagens tiveram instantaneamente um fortíssimo impacto público, nomeadamente nas redes sociais, e surtiram a rápida mobilização de várias pessoas e entidades — nomeadamente da ASPA - Associação para a Defesa, Estudo e Divulgação do Património Cultural e Natural, que contribuiu fortemente para a sua difusão e passou a acompanhar o caso de perto.
A 7 de outubro o grupo parlamentar do Bloco de Esquerda submeteu à Assembleia da República uma série de questões sobre o caso, ecoando esta preocupação, facto noticiado ao longo dos dias seguintes por grande número de jornais de âmbito regional e nacional, e que contribuiu para a inserção do mesmo num debate público alargado.
A 8 de outubro o Património Cultural, I.P., emitiu um Esclarecimento acerca da tramitação do processo pela entidade então responsável, a Direcção Regional de Cultura do Norte, admitindo que o regime de proteção vigente “não foi suficiente para uma devida salvaguarda paisagística e patrimonial”, e reconhecendo “o impacto irreversível da operação urbanística […] sobre o bem classificado e a área envolvente”. Em face disto, assumiu o compromisso de empreender “uma profunda revisão das zonas de proteção” dos monumentos classificados.
A 10 de outubro a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte emitiu um Comunicado na sequência de uma vistoria à obra considerando “haver incumprimento do projeto aprovado pela tutela do Património Cultural (então, Direção Geral do Património Cultural) em 2023, em particular desconformidades da intervenção no imóvel classificado”. Sem prejuízo de uma “avaliação que está a ser detalhada”, propôs ao Município de Ponte de Lima que, enquanto entidade licenciadora da operação urbanística, procedesse ao seu embargo. No mesmo dia foi noticiado um embargo parcial da obra, cingido ao bem classificado.
A 17 de outubro foram submetidas novas questões ao Governo, desta vez pelo grupo parlamentar do Partido Comunista Português, acerca do acompanhamento, apuramento de responsabilidades e soluções previstas para o Paço de Curutelo, em função dos problemas reconhecidos e dos embargos decretados.
A 24 de outubro foi noticiado o embargo total da obra, em resultado de um despacho emitido pela Secretaria de Estado da Cultura que, no entanto, veio a ser levantado no tocante à construção nova exterior à Zona de Proteção, logo a 25 de outubro; regressou-se assim ao regime de embargo parcial vigente desde 10 de outubro.
A 26 de outubro, no decurso do Fórum do Património 2024, realizado em Braga, a intervenção realizada no Paço de Curutelo foi apontada e debatida como emblemática da falência da salvaguarda patrimonial devida a um monumento classificado; foi ainda objeto de uma Moção – “Castelo de Curutelo. Vítima de uma operação urbanística para construção do Hotel Vila Galé Paço de Curutelo” —, votada e aprovada pelos participantes, censurando a obra, pedindo o apuramento de responsabilidades pela sua viabilização junto das anteriores tutelas do património e autarquia, solicitando a adoção de medidas preventivas para casos futuros e o equacionamento de sanções para o promotor do empreendimento.
Paralelamente às questões de salvaguarda patrimonial, foram-se impondo questões acerca da regularidade do próprio processo de licenciamento subjacente, tendo-se tornado claro, por exemplo, que a declaração de Interesse Municipal emitida pela autarquia em 2018 a pedido dos anteriores proprietários do Paço de Curutelo, na qual se estribam as subsequentes declarações de Interesse Público (Despacho nº 2017/2023, DR 10 fevereiro) e a possibilidade de construção nova na propriedade, incidiu sobre um projeto inteiramente diferente (tanto do ponto de vista arquitetónico como do volume de investimento e modelo turístico) daquele efetivamente realizado pelo Grupo Vila Galé.
Sendo a defesa e fruição do património um interesse de todos os cidadãos, e tendo presentes os princípios da Carta de Direitos do Património Cultural Português subscrita pelo movimento associativo do sector, a primeira vítima de uma situação com estas características é a sociedade portuguesa, regional e nacional. Consideramos portanto essencial, por parte das entidades competentes — Património Cultural I.P., Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte e Município de Ponte de Lima —, a adoção de uma política de proatividade e transparência para com os cidadãos relativamente a este grave caso. Nomeadamente:
1) o assumir de um compromisso claro relativamente ao apuramento de responsabilidades pelo sucedido no Paço de Curutelo, tanto no que toca à falência dos mecanismos de defesa previstos por lei para a salvaguarda do património classificado como no que toca a outras eventuais irregularidades no licenciamento;
2) a garantia de que quaisquer irregularidades detetadas serão participadas a entidade competente para a sua investigação em foro próprio;
3) o apuramento claro e detalhado, e com informação pública, das desconformidades existentes entre a obra em curso no Paço de Curutelo e o projeto aprovado, nomeadamente no que toca ao bem classificado, à infraestrutura agrícola, antigas casas de caseiro, capela, espigueiro, muros e envolvente paisagística;
4) o apuramento e informação pública dos trabalhos de acompanhamento arqueológico realizados, caso tenham existido;
5) a definição de medidas concretas com vista à contenção de danos e mitigação do mal irreversível já sofrido por este património;
6) a formulação duma estratégia clara e rigorosa com vista à prevenção de casos semelhantes em outros imóveis classificados, no Município de Ponte de Lima e em todo o país.
Primeiros 50 subscritores (por ordem alfabética):
Alexandra Curvelo, historiadora da arte e professora universitária;
Alexandre Alves Costa, arquiteto;
Alice Tavares, arquiteta, Presidente da APRUPP - Associação Portuguesa para a Reabilitação Urbana e Proteção do Património;
Álvaro Domingues, geógrafo, professor Associado da Faculdade de Arquitetura da Universidade do Porto;
Amélia Aguiar Andrade, medievalista, Professora Catedrática da NOVA FCSH;
Anabela Carvalho, Professora Associada do Departamento de Ciências da Comunicação da Universidade do Minho;
Antero Ferreira, professor, Presidente da Direção da Sociedade Martins Sarmento;
Antero Leite, aposentado, Presidente da ACER - Associação Cultural de Estudos Regionais;
António Maranhão Peixoto, arquivista;
António Maria de Mello (Conde de Sabugosa), engenheiro, Presidente da APCH - Associação Portuguesa das Casas Históricas;
Armando Malheiro da Silva, historiador, Professor Associado da Faculdade de Letras da Universidade do Porto;
Aurora Carapinha, arquiteta paisagista;
Eduardo Pires de Oliveira, historiador de arte;
Fernando Cerqueira Barros, arquiteto;
Fernando Pinho, engenheiro civil, Presidente do GECoRPA - Grémio do Património;
Filipe Ferreira, engenheiro civil, membro da Direcção do GECoRPA - Grémio do Património;
Francisco Lemos, arqueólogo;
Francisco Reimão Queiroga, arqueólogo, Professor Auxiliar da Faculdade de Letras da Universidade do Porto;
Gonçalo Vidal Palmeira, historiador;
Henrique Barreto Nunes, bibliotecário, sócio fundador e antigo dirigente da ASPA - Associação para a Defesa, Estudo e Divulgação do Património Cultural e Natural;
João Gouveia Monteiro, historiador, Professor da Universidade de Coimbra;
Jorge Correia, arquiteto, Professor Associado da Escola de Arquitetura, Arte e Design da Universidade do Minho;
José Aguiar, arquitecto, Professor Catedrático da Faculdade de Arquitetura da Universidade de Lisboa;
José António Bandeirinha, arquiteto e professor universitário;
José António Cruz Maia Pereira, biólogo, Presidente da Palombar - Conservação da Natureza e do Património Rural;
José Augusto de Sottomayor-Pizarro, historiador, Professor Catedrático da Faculdade de Letras da Universidade do Porto;
José Franqueira Baganha, arquiteto;
José Gameiro, museólogo;
José Manuel Lopes Cordeiro, historiador, Professor Aposentado do Ensino Superior Público;
Leonor Medeiros, arqueóloga, docente universitária, Presidente da APAI - Associação Portuguesa de Arqueologia Industrial;
Luciano Vilas Boas, arqueólogo;
Luís M. Mateus, arquiteto;
Luís Raposo, arqueólogo;
Luísa Trindade, historiadora de arte, Professora Associada da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra;
Manuel Sarmento, Professor Universitário na Universidade do Minho, Presidente da ASPA - Associação para a Defesa, Estudo e Divulgação do Património Cultural e Natural;
Manuela Barreto Nunes, bibliotecária, Município de Vila Verde;
Margarida Valla, arquiteta, Presidente da APAC - Associação Portuguesa de Amigos dos Castelos;
Maria Manuel Oliveira, arquiteta, docente na Escola de Arquitetura, Arte e Design da Universidade do Minho;
Mário Barroca, arqueólogo, Professor Catedrático da Faculdade de Letras da Universidade do Porto;
Marta Maria Peters Arriscado Oliveira, arquiteta, Professora Jubilada da Faculdade de Arquitetura da Universidade do Porto;
Miguel Ayres de Campos Tovar, historiador;
Paulo Ferrero, economista, Presidente do Fórum Cidadania Lx - Associação;
Paulo Providência, arquiteto, Professor Associado em Arquitetura na Universidade de Coimbra;
Raimundo Mendes da Silva, engenheiro civil, Professor Associado da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra;
Raquel Henriques da Silva, Investigadora do Instituto de História da Arte da Universidade Nova de Lisboa;
Rui Pinto, arquiteto, Professor Auxiliar Convidado da Faculdade de Arquitetura da Universidade de Lisboa, CAA - Centro de Arqueologia de Almada;
Rui Vítor Costa, professor, Presidente da Muralha - Associação de Guimarães para a Defesa do Património;
Vítor Cóias, engenheiro civil;
Vítor Oliveira Jorge, arqueólogo, Professor Aposentado da Faculdade de Letras da Universidade do Porto;
Vítor Serrão, historiador de arte, Professor Catedrático Jubilado da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa;
Walter Rossa, arquiteto, Professor Catedrático da Universidade de Coimbra e Titular da Cátedra UNESCO em Diálogo Intercultural em Patrimónios de Influência Portuguesa.
Hiperligações:
1) Denúncia “Paço de Curutelo: um acto de violência sobre património medieval”, publicado a 05/10/2024 na página “Repensando a Idade Média”: https://www.facebook.com/story.php?story_fbid=537703192000412&id=100072822075986&rdid=6Dk2yiGzwQd6JuER
2) Ficha do bem classificado no site Património Cultural: https://servicos.dgpc.gov.pt/pesquisapatrimonioimovel/detalhes.php?code=74906
3) Texto “Paço de Curutelo: como foi possível descaracterizar um Monumento de Interesse Público com origem no século XII?”, publicado no blogue da ASPA a 06/10/2024: https://aspa35anos.blogspot.com/2024/10/paco-de-curutelo-como-foi-possivel.html
4) Pergunta 618/XVI/1 submetida à Assembleia da República pelo grupo parlamentar do Bloco de Esquerda a 08/10/2024: https://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalhePerguntaRequerimento.aspx?BID=166572
5) Esclarecimento publicado a 08/10/2024 pelo Património Cultural, I.P.: https://www.patrimoniocultural.gov.pt/wp-content/uploads/2024/10/2024-10-08-Esclarecimento-Paco-de-Curutelo.pdf
6) Comunicado emitido a 10/10/2024 pela CCDR-N: https://www.ccdr-n.pt/noticia/home/comunicado-obra-no-castelo-de-curutelo
7) Despacho emitido a 10/02/2023 pelos Gabinetes da Ministra da Agricultura e da Alimentação e do Secretário de Estado do Turismo, Comércio e Serviços: https://diariodarepublica.pt/dr/detalhe/despacho/2017-2023-207293302
8) Pergunta 672/XVI/1 submetida à Assembleia da República pelo grupo parlamentar do PCP a 17/10/2024: https://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalhePerguntaRequerimento.aspx?BID=166630
9) Texto da moção “Castelo de Curutelo. Vítima de uma operação urbanística para construção do Hotel Vila Galé Paço de Curutelo” aprovada a 26/10/2024 no Fórum do Património 2024: https://c7a51d2a2a.clvaw-cdnwnd.com/dddba44760589d1102f36b6aa495f7dd/200001599-eb4e7eb4ea/MOÇÃO CASTELO DE CURUTELO.pdf?ph=c7a51d2a2a
Imagens adicionais da intervenção em curso: https://url.uk.m.mimecastprotect.com/s/lWHXCkRXXIOR034H2f8HGd5I_?domain=c7a51d2a2a.clvaw-cdnwnd.com
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