EM DEFESA DA VERDADE E DOS OFICIAIS DE JUSTIÇA
Para: Presidente da República, Assembleia da República, Governo, Primeiro-Ministro, Ministra da Justiça, Operadores Judiciários, cidadãos
Os abaixo-assinados, indignados com a forma como os Oficiais de Justiça têm sido (mal)tratados há mais de 25 anos pelos sucessivos governos, vêm demonstrar o seu profundo repúdio pela campanha de desinformação gerada pela máquina de propaganda do XXIV Governo Constitucional.
A Justiça, enquanto pilar de uma sociedade livre, democrática e que prossegue melhores condições de vida para todos os cidadãos, encontra-se muito debilitada e mesmo em crise profunda, carecendo, com a máxima urgência de ser tratada e defendida.
Morosidade, deficiências no funcionamento e mesmo dificuldades no seu acesso, são alguns dos sérios problemas que afetam a Justiça.
O colapso cada vez mais acentuado da Justiça, o qual fere gravemente a sociedade no seu todo, lesando o cidadão, as famílias, o tecido empresarial e o desenvolvimento económico-social do país, tem sido reiteradamente alertado aos sucessivos governos pelos Oficiais de Justiça e outros profissionais do sistema de justiça, de entre os quais Magistrados Judiciais e do Ministério Público, advogados, solicitadores e agentes de execução.
Estes trabalhadores têm-se debatido com graves problemas no bom desempenho das suas funções. Não obstante, nunca deixaram de desempenhar as mesmas com brio e com um grande sentido de responsabilidade e espírito de sacrifício, mas encontram-se cansados de levar a “justiça às costas”.
Assim, os Oficiais de Justiça rejeitam veementemente qualquer tentativa de imputação de culpa pelo estado da Justiça a estes profissionais, devendo a mesma ser atribuída ao único responsável:
O ESTADO, representado pelos sucessivos governos, os quais sempre olharam com desprezo para os Oficiais de Justiça e para a Justiça, continuando a fazê-lo.
PELA VERDADE, importa esclarecer e informar:
1. Os Oficiais de Justiça, são profissionais cruciais na engrenagem da “máquina da Justiça”. Nos tribunais e serviços do Ministério Público, coadjuvam os Magistrados Judiciais e Magistrados do Ministério Público na tramitação processual, desempenham, no âmbito do inquérito, as funções de órgãos de polícia criminal, realizam inquirições, interrogatórios, acareações, desempenham funções de Agente de Execução, serviço externo (penhoras, arrestos, arrolamentos, restituição da posse de imóveis, etc.), entre muitas outras e são regidos por um Estatuto próprio - DL n.º 343/99, de 26 de Agosto ;
Salário
2. O salário de ingresso de um Oficial de Justiça é, atualmente, de 915,47€ brutos , sendo que os mesmos auferem, a título de suplemento de recuperação processual, um suplemento de 13,50% do seu salário, atualizado apenas desde o corrente mês com efeitos retroativos a junho de 2024 (tema essa que iremos aprofundar infra);
3. Importa esclarecer que, ao contrário do que é veiculado na comunicação social, pela tutela ou até por superiores hierárquicos, o suplemento auferido pelos Oficiais de Justiça não tem carácter compensatório por horas extraordinárias. O aludido suplemento nasceu da alegada impossibilidade de, à data da sua atribuição, o XIV Governo Constitucional aumentar a remuneração destes profissionais e de outras carreiras, tendo, então, criado tal suplemento;
4. Ainda que assim não se entenda, o art.º 1.º do Decreto-Lei n.º 485/99, de 10 de novembro determina que o mesmo contempla a “ (…) compensação do trabalho de recuperação dos atrasos processuais (..)”. Ora, sendo que grande parte das horas extraordinárias realizadas em processos de carácter urgente, ou em processos em face embrionária e em que urge a aplicação de medidas de coação (e que por isso mesmo, não estão atrasados, encontrando-se a sua tramitação regularizada até pela sua urgência e, ou, complexidade), isto mais não é que uma forma de o Estado se furtar ao pagamento de milhares e milhares de horas extraordinárias realizadas ao longo do ano pelos Oficiais de Justiça, constituindo um autêntico atropelo às leis gerais do trabalho e até da Constituição da República (retribuição do trabalho e direito ao descanso);
Recursos humanos
5. Recentemente, no seu relatório, a Comissão Europeia recomendou, no que tange à Justiça, que o Governo português aumente o número dos seus recursos humanos e continue a “melhorar a eficácia, particularmente dos tribunais administrativos”;
6. Estima-se que atualmente faltem cerca de 2000 Oficiais de Justiça, número esse que poderá ser superior, face à aposentação de 358 Oficiais de Justiça até ao fim do corrente ano;
7. Grande parte deste défice deve-se à falta da atratividade da carreira: regida por um Estatuto que não é revisto há cerca de 25 anos, com um elevado grau de exigência, complexidade e responsabilidade, onde um Oficial de Justiça deve ter conhecimentos profundos em todas as áreas do Direito, valências em informática, dever de facto de exclusividade e disponibilidade permanente, dever de residência, o qual obriga os Oficiais de Justiça a residir na localidade onde se encontra instalado o tribunal, tendo inclusivamente de, no início da carreira, pagar para trabalhar!
8. Sim, pagar para trabalhar! A colocação dos Oficiais de Justiça, fundamentalmente no início da sua carreira, passa por tribunais e Serviços do Ministério onde o custo de vida é bastante elevado, em virtude das rendas inflacionadas, nomeadamente Grande Lisboa, Algarve, Área Metropolitana do Porto e Coimbra.
Com um salário de ingresso de 915,47 € brutos, sujeitos a grandes cargas de desgaste e pressão, os Oficiais de Justiça ainda chegam ao fim do mês e constatam que, literalmente, têm de pagar para trabalhar;
9. A falta de atratividade da carreira dos Oficiais de Justiça é um dos fatores que ameaça a Justiça;
Condições de trabalho
10. Tem sido fortemente veiculado na comunicação social o estado de vários edifícios dos Tribunais Portugueses: velhos, muitos deles sem os devidos acessos a pessoas com mobilidade reduzida, desprovidos de aquecimento ou ar-condicionado, sem salas de espera ou de testemunhas, muitos sem salas para crianças nos juízos de família e menores, e até sem gabinetes para diligências de interrogatórios, inquirições e declarações;
11. Se já não bastassem estes problemas, muitos Oficiais de Justiça trabalham diariamente com equipamentos obsoletos, redes com inúmeras falhas de funcionamento, carência surreal de telefones nas suas secretárias, recorrente falta de material, até de papel (o que impede o cumprimento de despachos e a expedição de notificações), tendo em muitas situações de fazer uso do seu próprio material e equipamento, que compram para poderem trabalhar com o mínimo de condições;
Greves
12. O Direito à greve é um direito consagrado na nossa Constituição da República Portuguesa, no seu 57.º artigo;
13. A greve é um mecanismo essencial e de certa forma único (infelizmente) dos Oficiais de Justiça chamarem à atenção da tutela e da sociedade para os graves problemas que assolam o setor da justiça;
14. Os Oficiais de Justiça estão cientes dos danos que as sucessivas greves têm causado a todos os cidadãos, bem como que as mesmas contribuem para o atraso de muitos processos. Contudo, os Oficiais de Justiça só recorrem a este meio uma vez que foram esgotados todos os outros recursos possíveis, tendo sempre a tutela ignorado as reivindicações destes profissionais;
15. Por isso, todas as consequências que as sucessivas greves dos Oficiais de Justiça poderão causar têm como único culpado, o ESTADO (!), representado pelo Governo;
16. O Governo está ciente das condições a que estes profissionais estão sujeitos diariamente, dos seus parcos salários, bem como do estado da Justiça em Portugal, mas nunca, até à data, adotou medidas para resolver de forma séria e justa as suas necessidades;
Acordo obtido com o Governo
17. Através da sua página oficial, o XXIV Governo Constitucional, no dia 05-06-2024, anunciou um acordo com o Sindicato dos Funcionários Judicias , em que refere que o mesmo “põe fim a várias greves na Justiça”;
Ora, isto constitui uma falsidade, até porque o acordo foi apenas concretizado com um dos sindicatos da classe (SFJ), mantendo-se as greves na Justiça, tendo mesmo sido marcada mais uma greve depois do acordo, sendo recorrente haver detidos libertados sem serem ouvidos por um juiz devido às greves dos Oficiais de Justiça (até suspeitos da prática de crimes de homicídio, violência doméstica, roubo e tráfico de estupefacientes, e ainda os internados compulsivamente que representam perigo social), bem como atos processuais urgentes que não seguiram o seu termo, designadamente validações de escutas e outro expediente urgente de prova criminal;
Saliente-se que se encontram greves ativas e disponíveis diariamente para todos os Oficiais de Justiça:
a) Desde 10-01-2023 (decretada pelo SOJ): greve de todas as tardes após as 13H30 até às 24H00, por tempo indeterminado, SEM serviços mínimos e para todos os dias da semana, mesmo nos turnos dos sábados
b) Desde 08-01-2024 (decretada pelo SFJ): greve ao trabalho fora das horas de expediente das secretarias (almoço e após as 17h), por tempo indeterminado e SEM serviços mínimos;
c) Desde 28-06-2024 (decretada pelo SOJ): greve das manhãs das quartas e das sextas-feiras, das 09H00 às 12H30, por tempo indeterminado e SEM serviços mínimos;
18. O acordo firmado com um dos sindicatos da classe, o Sindicatos dos Funcionários Judiciais, traduziu-se nos seguintes termos:
O Suplemento de Recuperação Processual aumenta de 10% para 13,5% da retribuição base;
O pagamento estende-se dos atuais 11 meses para 12 meses;
Este regime passa a ser aplicado a trabalhadores em fase inicial desta carreira e para todos os trabalhadores que têm avaliação de desempenho positiva (suficiente ou superior);
Passa também a ser considerado para apuramento da retribuição em situação de doença, (com efeitos a 1 de julho de 2024);
As restantes alterações desta proposta produzem efeitos desde 1 junho de 2024.
19. Ao contrário do veiculado na comunicação social, repetidamente no canal de notícias CNN Portugal, o acordo não se traduziu na atribuição de um suplemento de 13,5% para os Oficias de Justiça, mas sim um aumento do suplemento de 10% para 13,5% - note-se bem: de 3,5% num suplemento de 10% e não no vencimento;
20. Para se ter uma ideia, num Técnico de Justiça Auxiliar ou Escrivão Auxiliar, categorias de ingresso e no início e carreira, tal acordo resulta num aumento de 39,30 € brutos, isto é, ilíquidos, ainda sujeitos aos descontos (impostos e contribuições obrigatórias)!
21. Ora, tal acordo que o Governo tanto se congratula de ter obtido em nada vai resolver os problemas da Justiça! Não trouxe nem irá trazer pacificação aos tribunais, não irá tornar a carreira mais atrativa e só irá causar mais revolta nestes profissionais quando, comparando os aumentos que obtiveram outras carreiras como a PJ, GNR, PSP ou militares, em que os aumentos obtidos variam entre os 300€ e 1000€ mensais!
22. O acordo é de tal forma insatisfatório que 3260 Oficiais de Justiça (num universo de cerca de 7000) assinaram um protesto contra o mesmo, não obstante o facto de o sindicato da classe que o assinou, o SFJ, alegadamente, representar “87% dos profissionais que exercem funções nas Secretarias Judiciais e do Ministério Público” (segundo comunicado do Governo, datado de 2024-06-05) ;
23. Convém ainda referir que, além de ter estado consagrado no Orçamento de Estado , a integração do suplemento de recuperação processual no vencimento dos Oficiais de Justiça (sem nunca ter sido cumprido), por diversas vezes houve reparos mesmo do atual Ministro da Finanças, quando fazia parte da oposição, apresentando propostas na anterior legislatura no âmbito do regime especial de aposentação e do pagamento do suplemento de recuperação processual a 14 meses, sem perda de retribuição. Mesmo o partido do PS apresentou, enquanto governo, no anterior projeto de revisão de Estatuto, o valor de 20% do suplemento de recuperação processual, tendo, recentemente, dado a justificação que não havia cabimento orçamental.
Noutras carreiras especiais houve aumentos de 600 € e 300 € mensais nos suplementos, sendo que algumas dessas carreiras estão sob a tutela do mesmo Ministério da Justiça! (carreira de investigação criminal da PJ e Guardas Prisionais);
Má-fé do Governo, seu desprezo pelos Oficiais de Justiça e graves problemas a breve prazo
24. No dia 22 de agosto de 2024, após reunião do Conselho de Ministros, o Ministro da Presidência, António Leitão Amaro, anunciou que o Governo iria passar a atribuir um subsídio de deslocação aos professores. O mesmo varia entre 70 a 300 € mensais, ou seja, um docente colocado numa escola localizada a 70 quilómetros de distância do seu domicílio fiscal, terá direito a um apoio de 70 euros. Caso a distância seja de 300 quilómetros o subsídio será de 300 euros;
25. Ora, confrontada com igual possibilidade para combater a falta da atratividade dos últimos concursos lançados, onde de 108 vagas para a carreira de Oficiais de Justiça apenas 5(!) candidatos foram admitidos e 3 já manifestaram a sua dúvida em aceitar ingressar em tal carreira, o gabinete da Ministra da Justiça, questionado pela Lusa, referiu que “para já não está previsto” qualquer incentivo para fixação de profissionais nas zonas mais pressionadas e com um custo de vida mais elevado;
26. Se dúvidas houvesse, a Justiça não é decididamente prioridade deste Governo nem o foi dos anteriores, sendo que o caos nos tribunais estranhamente parece interessar aos governos, o desprezo e indiferença com que os Oficiais de Justiça são tratados é assustador e incompreensível;
27. Se tivesse vontade, O Governo, tal como fez com outros, dispôs de tempo e recursos suficientes para fazer face às legítimas reivindicações dos Oficiais de Justiça;
28. A carreira dos Oficiais de Justiça é uma das mais envelhecidas da função pública. A média de idades é alta, falta de recursos humanos, grande parte está perto da idade da reforma e com baixas médicas por situações de burnout.
Isto representa uma verdadeira bomba atómica com que a Justiça e a sociedade se irão deparar num futuro próximo, se nada for feito.
Os Oficiais de Justiça não querem:
Ser parte do problema, mas sim da solução!
Que detidos, incluindo suspeitos da prática de crimes graves, tenham de ser restituídos à liberdade sem serem presentes a um Juiz devido às suas greves!
Que dezenas de cidadãos perigosos por perturbações mentais sejam internados compulsivamente e sejam imediatamente postos na rua porque nenhum juiz teve oportunidade de apreciar essa privação de liberdade, devido às greves.
Que as famílias dos cidadãos falecidos estejam vários dias à espera da comunicação da realização ou dispensa da autópsia!
Que um cidadão seja sujeito a um julgamento ou preste testemunho 4, 5 ou mais anos após os factos terem ocorrido!
Prescrições, atrasos ou incontáveis chamadas telefónicas não atendidas!
Os Oficiais de Justiça:
Não fazem greves de ânimo leve, bem pelo contrário, fazem-nas por toda a sociedade, pela Justiça e por terem chegado ao limite das suas forças!
Os Oficiais de Justiça não são invisíveis, não os obriguem a exercer os seus direitos, apenas os reconheçam!
Por uma Justiça dotada de todos os meios necessários para fazer face às suas necessidades;
Por uma Justiça célere, pois não o sendo nunca será uma justiça justa!
Por um futuro….
"Qual o valor de viver, se não for lutar por causas nobres e tornar este mundo confuso um lugar melhor para aqueles que viverão nele depois de termos partido?” – Winston Churchill
Fontes:
https://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=28&tabela=leis.
https://www.dgaep.gov.pt/upload/catalogo/SRAP_2024_V1.pdf.
https://www.portugal.gov.pt/pt/gc24/comunicacao/comunicado?i=governo-assina-acordo-com-sindicato-dos-funcionarios-judiciais.
https://www.publico.pt/2024/07/12/sociedade/noticia/3260-oficiais-justica-assinam-protesto-acordo-governo-2097420.
A Lei 2/2020 de 31MAR (LOE2020), previu, no seu artigo 38º o seguinte:
«1 - A revisão do Estatuto dos Funcionários de Justiça, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 343/99, de 26 de agosto, deve estar concluída com a sua publicação no Diário da República até ao final do mês de julho de 2020.
2 - No âmbito da revisão referida no número anterior, deve ser concretizada a integração, sem perda salarial, do suplemento de recuperação processual, previsto no Decreto-Lei n.º 485/99, de 10 de novembro, no vencimento dos oficiais de justiça.
3 - No âmbito da revisão referida no n.º 1 deve ainda ser equacionado um mecanismo de compensação para os oficiais de justiça pelo dever de disponibilidade permanente, designadamente a atribuição de um regime de aposentação diferenciado.»
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