Resposta ao EDITAL N.º 21/2023 da Câmara Municipal de Coimbra
Para: Exmo Sr. Presidente da Câmara Municipal de Coimbra
Resposta ao EDITAL N.º 21/2023 da Câmara Municipal de Coimbra (CMC) - Discussão pública Alteração ao Alvará de Loteamento n.º 305, ao qual foi atribuído o processo n.º 27/2022/1 e que incide sobre os prédios localizados na Quinta de Montes Claros ou Quinta da Casa Amarela e Quinta de Montes Claros ou Quinta de Baixo, da Freguesia de Santo António dos Olivais, requerido por Valores Diferentes, Lda., na qualidade de proprietária.
Este Edital pretende a alteração à licença de operação de loteamento a seguir identificada:
1. Aumento da área total do loteamento com a integração do prédio confinante, inscrito na matriz n.º 2547 e com a área de 31858m2;
2. A constituição de mais 7 lotes (um lote destinado a comércio [lote 3] e seis lotes [lotes 4, 5, 6, 7, 8 e 9], destinados a habitação);
3. O prolongamento da Rua Virgílio Correia no âmbito da rede rodoviária distribuidora principal do Plano.
Antes de analisar constrangimentos e problemáticas que se levantam com este pedido de alteração ao alvará de loteamento, é fundamental identificar o que está em causa para a cidade de Coimbra do ponto de vista social e comportamental: identificamos assim um conjunto de vertentes relacionadas com circulação e fruição nos espaços público e privado, acessibilidades, mobilidade, segurança e áreas verdes, acrescentando-se ainda informação demográfica e uma reflexão sobre o que se pretende para as cidades no séc. XXI.
Numa zona já consolidada da cidade de Coimbra, estamos perante:
• uma explosão na densidade de pessoas,
• crescimento da volumetria do parque habitacional,
• constrangimentos adicionais na mobilidade,
• diminuição da mancha verde e crescimento dos riscos causados ao ecossistema natural.
De acordo com as plantas e informações apresentadas pela empresa Valores Diferentes, Lda, dos lotes 4 a 9 fazem parte 112 fogos, e os lotes 1 e 2 apresentam mais 40 fogos. Sendo a tipologia mínima a de T3, é plausível estarmos perante um aumento de, no mínimo, 600 pessoas. A este aumento de habitantes permanente, acresce aquele que deriva da abertura dos espaços comerciais que constam do projeto.
Numa zona já consolidada, com um trânsito intenso em zonas próximas, especialmente devido à localização do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra ou o Instituto Português de Oncologia de Coimbra, esta situação do crescimento do parque habitacional é pouco oportuna e sensata e até pouco compreensível face à diminuição da população. O Concelho de Coimbra perdeu cerca de 5 % de habitantes na última década (segundo os censos de 2021).
Acerca da reflexão sobre o que se pretende das cidades no séc. XXI, aconselha-se uma leitura atenta do artigo “Operação de Loteamento - Rua Virgílio Correia/SAO: Dúvidas do SC levam processo de novo aos serviços”, que está explanado no site do Movimento Somos Coimbra (in https://www.somoscoimbra.org/post/opera%C3%A7%C3%A3o-de-loteamento-rua-virg%C3%ADlio-correia-sao-d%C3%BAvidas-do-sc-levam-processo-de-novo-aos-servi%C3%A7os, 11 de fevereiro de 2021)
Com efeito, lendo e relendo a posição do movimento Somos Coimbra, conclui-se que a a visão sobre as cidades se mostra atual, podendo de forma muito breve salientar-se coordenadas como:
• Aposta na mobilidade mais sustentável, desincentivando o transporte individual.
• Preservação das manchas verdes e qualidade das águas escoadas e subterrâneas, e procura da minimização da interferência e novas possíveis novas vias.
Recorde-se, ainda, que o Movimento Somos Coimbra propõe que “seja reavaliada a necessidade de construção deste eixo rodoviário, em local particularmente sensível e crítico, seja em termos hídricos, seja geotécnico e ambiental.”.
Agora, o Edital 21/203 veio lançar uma maior confusão e constrangimentos a vários níveis. Com efeito, face a este pedido de alteração ao alvará, a situação é agravada pelo aumento considerável de construção requerido ao Município.
Partindo dos 3 pontos identificados no pedido de alteração à licença de operação de loteamento, gostaríamos de chamar a atenção para seis questões, algumas das quais têm vindo a suscitar alarme junto dos atuais habitantes:
1 - Existe algum estudo hidrológico que efetue a avaliação das alterações das condições de escoamento na bacia hidrográfica na qual se insere o empreendimento em análise, face à impermeabilização do solo? No processo de consulta pública não se faz qualquer alusão a esse eventual Estudo Hidrológico. Como é evidente, a intensificação da ocupação urbana da bacia, com o consequente aumento de área impermeabilizada, e a diminuição do tempo de concentração poderá aumentar de forma acentuada, principalmente para elevados períodos de retorno, o caudal de ponta das cheias naturais. Em contextos excecionais tal poderá induzir graves problemas sobretudo a jusante, nomeadamente na Circular Interna e na zona de Coselhas (relembre-se que o vale de São Domingos, onde se localiza o presente empreendimento, constitui uma “Zona Verde de Recreio e Lazer”, construída por cima de uma linha de água importante que recolhe parte das águas provenientes de Santo António dos Olivais, drenando para a ribeira do Vale Meão que por sua vez alimenta a ribeira de Coselhas).
Seguramente pela não existência de informação para se proceder, pelo menos, a um pré-dimensionamento daquelas infra-estruturas, o presente plano urbanístico é quase omisso ou muito vago em relação aos eventuais sistemas de captação e retenção de águas pluviais e de promoção da infiltração de água no solo. Alude-se a duas bacias de retenção previstas ao longo do Vale de São Domingos mas, em concreto e de forma justificada, nada se adianta.
Será que mesmo depois das recentes inundações urbanas em Lisboa e Porto, continuamos a insistir na densificação irracional da impermeabilização dos solos urbanos? Recorde-se, a este propósito, que a construção de reservatórios nas zonas altas da cidade é uma estratégia que foi abandonada no novo Plano de Drenagem de Lisboa.
2 - Como se vai tratar a estabilidade dos taludes (Rua Padre Manuel da Nóbrega) - problema sério de segurança, especialmente quando recordamos situações como o escorregamento de terras na encosta da Av. Elísio de Moura, ocorrido a 27 de dezembro de 2000.
Este ponto específico levanta várias questões que gostaríamos que fossem respondidas. As plantas do projeto revelam a existência um muro de contenção de terras, ainda mais acentuado no lote nove. Pelas plantas não se percebe qual a cota de fundação dos edifícios, pelo que não se deduz, com rigor, qual vai ser a a altura deste muro. No entanto, pelas curvas de nível junto ao muro perpendicular à Rua Virgílio Correia parece que este muro de contenção subirá da cota 80 até à cota 97, uma altura de 17 metros no seu ponto mais alto e na traseira do edifício do lote nove. Esta movimentação de terras, ainda mais sendo numa área de vale, coloca questões relativamente à estabilidade dos solos e à garantia da estabilidade estrutural dos edifícios da Rua Padre Manuel da Nóbrega, abrangendo a vertente da segurança sísmica.
Assim, gostaríamos de saber:
- Se existe alguma caracterização geológica-geotécnica e hidrogeológica dos terrenos envolvidos;
- Qual a tecnologia prevista para a escavação e qual a tipologia da contenção prevista em fase de obra e em fase definitiva;
- Se as ancoragens dos muros de contenção poderão atingir o perímetro dos nossos terrenos.
Sabe-se que a área está inserida no PDM como “áreas “suscetíveis de ocorrência de movimentos de massa. Risco moderado (amarelo) e elevado (rosa) de deslizamentos”, aplicando-se aos artigos 13º do Regulamento do PDM e 46º do RMUE. A previsão destes riscos é compatível com o projeto tal como ele agora se apresenta?
Importa recordar os artigos 14º (Cursos de água e drenagem de águas pluviais) do PDM e artigo 12º (Áreas para espaços verdes e de utilização coletiva, infraestruturas e equipamentos), artigo 14.º (Execução e gestão dos espaços verdes e de utilização coletiva) e artigo 47.º (Estudos hidrológico e hidráulico) do RMUE.
3 – Como irá fluir o trânsito em horas de ponta na pequena rotunda da Praça Fausto Correia quando a rotunda de Celas é já caótica em horas de tráfego mais intenso, gerando longas filas de trânsito na Avenida Calouste Gulbenkian, que praticamente alcançam a rotunda da Praça Fausto Correia?
Com efeito, tal como se encontra atualmente concebido, o projeto não parece responder à questão do impacto do aumento de tráfego nem nele se contempla qualquer tipo de resposta para esta questão que se afigura central na vida dos moradores.
4 - A rotunda da Praça Fausto Correia deve ser redesenhada (ou pela empresa como contrapartida, ou pela Câmara). No entanto, não se vê, por razões de espaço, como possa ser redesenhada com algum sucesso (o Rossio não cabe na Betesga!)?
O trânsito previsto para esta rotunda a isso obriga! Segundo as plantas e cálculos apresentados pela empresa Valores Diferentes, Lda o número de lugares privados vai oscilar entre 89 e 178.
5 – Como se vai permitir que esta zona seja segura caso haja incêndio urbano? Nesta altura, a questão está posta em causa na rua Padre Manuel da Nóbrega. É necessário ter em conta que a Rua Pe. Manuel da Nóbrega não tem saída e possui uma faixa de rodagem de largura reduzidíssima, em especial, exatamente na sua extremidade (onde para além da elevada densidade habitacional, se encontra localizado o novo Lar Dr. José Mendes Barros - Associação de Paralisia Cerebral de Coimbra (APCC) e a recente estrutura da Santa Casa da Misericórdia de Coimbra, nas ex-instalações do Seminário dos Dehonianos. Esta questão e seus impactos devem estar refletidos no projeto, o que manifestamente não acontece.
Perguntamos se a CMC assegura e se compromete com os moradores da Rua Padre Manuel da Nóbrega a introduzir melhorias de mobilidade e acesso, também, devidas por razões de segurança/proteção civil? Pretendemos ser agentes ativos e contribuir para uma cidadania ativa e consciente.
6 – É fundamental definir se áreas remanescentes passam ou não para o domínio público da Câmara e a quem cabe a conservação e manutenção desses espaços. Aliás, a área designada como “área remanescente” não faz sentido, devendo ser área de cedência à CMC. Neste momento, o presente projeto obriga à destruição de zonas verdes fundamentais numa zona central da cidade, prejudicando a mitigação de CO2.
Qual a área que vai ser afeta a equipamentos e infraestruturas de apoio ao recreio e lazer?
Qual o projeto de espaços exteriores, eixos pedonais, ciclovia, escala, usos e funções?
Nos espaços de enquadramento de infraestruturas viárias deve ser assegurada a continuidade da estrutura ecológica, nomeadamente pela presença e reforço da arborização urbana, desempenhando ainda, quando aplicável, as funções de estabilização de encostas, proteção contra a poluição e ruído.
Se aprovar o pedido de um aumento total da área de loteamento com a integração do prédio confinante e da constituição de mais 7 lotes destinados a construção, ocupando completamente a faixa norte disponível para construção, a Câmara Municipal de Coimbra assegura uma importante valorização do património da empresa Valores Diferentes, Lda. Faz todo o sentido que esta operação seja negociada, de modo a que as contrapartidas exigidas para esta aprovação resultem (i) na diminuição da altura dos lotes habitacionais, de forma a controlar o aumento da densidade populacional e a minimizar as perdas de valor provocadas nos apartamentos existentes nos lotes confinantes na rua Padre Manuel da Nóbrega, cuja vista para Sul será fortemente obstruída pelas novas construções, se for mantida a volumetria proposta; (ii) na clarificação e na resolução da situação difusa existente relativamente ao Vale de São Domingos. Na maior parte da sua área, o Vale de São Domingos é classificado no PDM como Zona de Recreio e Lazer, mas, sendo propriedade privada, o acesso e o usufruto deste espaço está vedado aos cidadãos da cidade de Coimbra. É fonte acrescida de preocupação para os subscritores o péssimo exemplo da situação ocorrida em agosto de 2019, em que, a pretexto de uma operação de diminuição da carga combustível para minimizar o risco de incêndio florestal, a empresa proprietária dos terrenos realizou um corte drástico de árvores de médio e grande porte, desmatando grande de parte da área do Vale de São Domingos. Para evitar a repetição de episódios deste tipo, em que uma Zona Verde de Recreio e Lazer em área urbana foi gerida pelo seu proprietário privado como se se tratasse de um terreno de produção florestal, com elevado prejuízo para o seu equilíbrio ecológico, entendem os subscritores que este é o momento de definir o que deverá ser o futuro deste espaço. A Câmara Municipal de Coimbra deve decidir no sentido de apoiar o desenvolvimento sustentável e harmonioso da cidade, o que significa que, ao conceder importantes vantagens patrimoniais a uma empresa imobiliária, deve aproveitar a ocasião para que, com as contrapartidas negociadas, fique definitivamente resolvida a situação do Vale de São Domingos como Zona de Recreio e Lazer.
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Actualização #1 Encerramento
Criado em 23 de fevereiro de 2023
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