Carta aberta à RTP pelo fim da organização de Montarias (uso de cães para caçar outros animais)
Para: Conselho Administrativo da RTP - Rádio e Televisão Portuguesa
Tivemos conhecimento que, no passado o dia 4 de fevereiro de 2023 teve lugar a 17ª Montaria da Casa do Pessoal da RTP, em Penamacor.
Soubemos também que, a organização desta iniciativa esteve a cargo da Casa do Pessoal da RTP, do Município de Penamacor, da Junta de Freguesia de Penamacor e o Clube de Caça e Pesca de Penamacor, sendo que, no final do evento, houve ainda lugar ao sorteio de uma espingarda entre os participantes (desconhecemos os contornos legais deste sorteio).
Repudiamos toda a violência contra animais, onde naturalmente se inserem as montarias.
Para nós ver o nome da RTP, um órgão de comunicação social de serviço público, associado a um evento deste calibre é algo que não só repudiamos e condenamos, mas que simplesmente não podemos aceitar.
As montarias são eventos de caça com uso de cães. Nas montarias, os javalis são perseguidos, trucidados pelos cães e mortos a tiro pelos caçadores. Contudo, nem sempre o javali é morto: por vezes este consegue escapar, mas não sem ficar ferido, a sofrer, após um episódio de extremo pânico e agonia. Uma montaria nada mais é do que uma demonstração gratuita de sofrimento e morte, para bel-prazer do ser humano que se diverte em perseguir, torturar e matar um outro alguém.
Também os cães ficam muitas vezes feridos, ensanguentados ou nalguns casos morrem nestas atividades cruentas. Não é aceitável ver o nome da RTP associado a uma crueldade desta magnitude.
Após termos tido conhecimento que esta Montaria iria acontecer, fizemos um apelo nas nossas redes sociais e centenas de pessoas manifestaram-se através de e-mails e chamadas telefónicas, mostrando o seu repúdio e indignação perante esta Montaria, e relembrando o princípio da ética a todas as entidades envolvidas, nomeadamente à RTP.
O Vila do Conde Animal Save entrou também em contacto com o número de telefone anunciado para reservar a presença nesta Montaria e conseguiu falar com uma funcionária da RTP e membro da Direção da Casa do Pessoal da RTP. Após ter demonstrado alguma indignação pelo facto de estarem a ser alvo de críticas, educadamente nos disse que a Montaria iria acontecer independentemente da manifestação pública contra a mesma e informou que ela própria irá estar presente no dia no local, pelo facto de pertencer à direção. Por fim, disse-nos concordar com alguns pontos de vista que lhe transmitimos mas afirmou que, “se fosse mais jovem, talvez conseguisse ter outra mentalidade para conseguir entender”, e que o facto de ter alguma idade a fazia pensar “à antiga”.
É, de facto, “à antiga” este tipo de eventos continuarem a acontecer em pleno séc. XXI, no ano de 2023, onde a sobranceria humana prevalece sobre todos os outros seres. É, de facto, arcaico continuarmos a perpetuar práticas e costumes cruéis que em nada enaltecem a nossa sociedade, que se esperava que tivesse evoluído com o passar do tempo. É, por isso, vergonhoso vermos o nome da RTP associado a tal evento.
Paralelamente a este contacto, enviámos mensagem à RTP e a única resposta que obtivemos por parte da mesma foi de Ana Sousa Dias, Provedora do Espetador, dizendo que:
“Compreendo bem a sua indignação mas não está nas atribuições da Provedora dos Telespectadores intervir nas atividades da Casa de Pessoal da RTP, inteiramente da responsabilidade desta associação. A iniciativa não será transmitida pela RTP.”
A Provedora do Espetador diz compreender a nossa indignação, mas nós não compreendemos este “lavar de mãos” por parte da RTP.
O Estado atribui à RTP o papel de órgão de comunicação social de serviço público, e presume-se que este serviço deva cumprir determinados requisitos éticos e nobres junto dos cidadãos/ãs contribuintes. Questionamos assim a RTP sobre a imoralidade, ignobilidade e crueldade gritante deste evento, e frisamos que é absolutamente inaceitável que uma entidade como a RTP, que sendo pública e prestando um serviço público, tenha o seu nome associado a um evento tão arcaico e hediondo como este.
O Vila do Conde Animal Save organizou uma vigília noturna em frente à RTP em Vila Nova de Gaia, no passado dia 2 de fevereiro. Foram perto de 50 pessoas as que estiveram presentes no local, para relembrar que “os animais merecem respeito”, repudiando o nome da RTP estar associado a um evento cruel, macabro e desumano - e pedindo à RTP que ponha um fim na organização de montarias. Nesta vigília noturna contámos também com a presença de Bebiana Cunha, Dirigente do PAN no distrito do Porto, que deixou várias questões à RTP:
há financiamento público (direta ou indiretamente) para uma prática tão bárbara como a de caçar javalis com matilhas de cães?
Entende a administração que a televisão pública, que todos apoiamos, deve publicitar - como fez - uma atividade promotora de violência que usa animais para caçar outros animais e ainda promove o leilão de uma espingarda no final?
Estas questões merecem uma reflexão por parte da administração da RTP e nós, cidadãos e cidadãs, espetadores e espetadoras, merecemos uma resposta.
Apelamos assim à RTP que se demarque destas iniciativas vis e que sensibilize o Pessoal da Casa da RTP que as organiza para que não manche o nome da televisão pública com atividades cruentas. Relembramos a Lei n.º 92/95, de 12 de setembro: Proteção aos Animais, Artigo 1º:
“São proibidas todas as violências injustificadas contra animais, considerando-se como tais os atos consistentes em, sem necessidade, se infligir a morte, o sofrimento cruel e prolongado ou graves lesões a um animal”.
É profundamente lamentável que a nossa televisão pública tenha o seu nome associado a atos hediondos, arcaicos e cruéis como este.
RTP, não só sentimos repulsa por sabermos da realização desta 17ª Montaria da Casa do Pessoal da RTP, como sentimos uma profunda desilusão pela postura tomada.
Apelamos à RTP que após ter recebido centenas de e-mails e chamadas telefónicas de protesto, ter tido uma manifestação em frente às suas instalações em Vila Nova de Gaia, se digne a repensar a sua posição nesta matéria e a pugnar por uma sociedade progressista com princípios éticos baseados na compaixão e respeito por todos os seres.