Moratória à mineração no mar dos Açores
Para: Presidente da Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores, Luís Garcia
Exmo. Sr. Presidente da Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores,
Luís Garcia,
A Região Autónoma dos Açores é internacionalmente reconhecida como um oásis para a vida marinha, sendo inclusivamente casa ou ponto de passagem de grandes migradores oceânicos, muitos deles classificados, segundo a Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas da União Internacional Para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais (IUCN), como em perigo ou ameaçados. A biodiversidade marinha é absolutamente fundamental para a prosperidade das populações, que dependem directa ou indirectamente do bom estado ambiental das suas águas, e pilar da economia local.
A região tem sido visionária e progressista no que toca à conservação marinha, tendo já compreendido o valor intrínseco de manter os seus mares prístinos e protegidos de ameaças externas.
A mineração em mar profundo é uma atividade que está em vertiginoso desenvolvimento tecnológico, uma rapidez apenas ultrapassada pela das movimentações de diversos países e empresas ao exercer pressão sobre o organismo que regulamenta a atividade em águas internacionais - a Autoridade Internacional para os Fundos Marinhos (ISA, na sigla em inglês) - para que desenvolva o Código Mineiro.
É consensual entre a comunidade científica que ainda não dispomos ainda de informação suficiente que permita iniciar a atividade de forma minimamente segura e dentro de limites bem definidos [1]. Tratam-se de impactos amplos, irreversíveis à escala humana, como a alteração da capacidade do oceano de reter carbono, destruição de habitats, dispersão de plumas de sedimentos e metais tóxicos, disrupção de cadeias tróficas, poluição sonora e luminosa e extinção de populações e espécies (muitas delas ainda desconhecidas para a Ciência), para enumerar alguns.
Um grupo de investigadores da Universidade dos Açores publicou recentemente um estudo [2] que demonstra, através de modelos preditivos, que a mineração em mar profundo tem capacidade de produzir plumas de sedimentos que poderão cobrir uma área até 150 km quadrados e estender-se verticalmente até 1000 m na coluna de água, prevendo-se grande sobreposição geográfica entre as plumas de sedimentos e as atividades pesqueiras existentes. Similarmente, foi também publicado em julho um estudo na revista Science [3] que conclui que o som resultante de uma única exploração mineira no mar pode viajar até 500 km em condições normais. Concomitantemente, o ruído poderá ter impactos imprevisíveis num sector pivotal da economia regional, nomeadamente a atividade de observação de cetáceos.
Sabemos hoje que os impactos podem ser irreversíveis, especialmente numa região como os Açores. Apesar do vislumbre económico que desperta, é de notar que este método de exploração encontra-se ainda numa fase altamente especulativa e experimental.
Mas o interesse na região não é novo. Já em 2008 [4], a empresa Nautilus Minerals Inc. apresentou ao Governo Regional um pedido de prospeção e pesquisa de minerais em seis pontos do mar dos Açores, tendo este caducado “face à legislação aplicável e à regulamentação existente” [5]. A empresa acabou por entrar em falência em 2019, mas os seus ativos foram passados para a Deep Sea Mining Finance Ltd, uma empresa que continua a trabalhar no ramo, podendo inclusivamente renovar o seu interesse pelo mar açoriano.
Atualmente, estamos a pouco mais de metade do prazo de dois anos, previsto pela Convenção das Nações Unidas para o Direito do Mar, depois de tal regra ter sido desencadeada no âmbito da ISA por um dos estados membros [6]. Esta provisão da lei permite que, a partir de junho de 2023, sejam emitidas licenças provisórias de exploração na Área (águas internacionais), o que poderá abrir o precedente e incentivar investidores a procurar as águas portuguesas para iniciar também a exploração mineira.
A mensagem é clara: o interesse em iniciar esta atividade existe e o investimento financeiro necessário também. Não parece igualmente haver dúvidas de que, a iniciar-se esta atividade em Portugal, o local preferencial alvo de exploração será os Açores. A precipitação de todos estes desenvolvimentos não deixam margem para dúvida: temos que proteger os mares açorianos agora e a moratória é um instrumento legal fundamental.
Se Portugal depende de outros Estados para a implementação de uma moratória a nível europeu ou global, o mesmo não é verdade para as águas sob a sua jurisdição. Enquanto o Governo da República tarda em posicionar-se relativamente a este assunto, os Açores devem antecipar-se e implementar uma moratória regional para, assim, proteger os seus mares.
Uma moratória regional assegura que se dispõe de uma maior janela temporal para que mais estudos sejam concluídos e para se perceber com maior detalhe e certeza quais os impactos decorrentes desta atividade que, depois de iniciada, dificilmente parará. É urgente que os Açores clarifiquem que não querem ultrapassar este ponto de não retorno, mas sim permitir às gerações futuras a possibilidade de usufruir de mares saudáveis e livres de impactos tão perversos.
É imprescindível que os Açores se posicionem como região modelo e enviem um sinal forte e positivo ao continente e ao resto do mundo de que não estão dispostos a hipotecar o presente e, sobretudo, o futuro de gerações de açorianos por lucros inconsequentes e imediatos que pouca ou nenhuma riqueza trarão para a região.
Desta forma, este grupo de cidadãos pede que seja colocado em prática o princípio da precaução e seja aprovada imediatamente uma moratória à atividade de mineração marinha nos mares dos Açores. Pede-se igualmente que a Região Autónoma defenda o mesmo princípio e proponha a implementação de uma moratória nacional junto do Governo da República.
REFERÊNCIAS
[1] https://www.dnoticias.pt/2022/9/14/327970-investigadores-alertam-para-impactos-adversos-da-mineracao-no-mar-dos-acores/
[2] https://www.frontiersin.org/articles/10.3389/fmars.2022.910940/full
[3] https://www.science.org/doi/10.1126/science.abo2804
[4] https://www.publico.pt/2016/09/18/economia/noticia/governo-quer-acelerar-mineracao-no-fundo-do-mar-dos-acores-1744381
[5] https://www.publico.pt/2016/09/20/economia/noticia/pedidos-de-prospeccao-mineira-caducaram-com-classificacao-do-parque-marinho-dos-acores-1744603
[6] https://www.isa.org.jm/news/nauru-requests-president-isa-council-complete-adoption-rules-regulations-and-procedures
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