Petição Web 2.0: sobre as narrativas de perigo deontológico
Para: Sindicato dos Jornalistas Portugueses
No passado dia 17 de Fevereiro, o Sindicato de Jornalistas tornou público, no seu website, um “alerta para o uso de redes sociais como fonte de informação”.
No citado texto, o Conselho Deontológico do citado órgão sublinha a “necessidade de contenção no uso de redes sociais como fonte de informação do jornalismo”, chamando “a atenção dos profissionais dos órgãos de comunicação social para os princípios do Código Deontológico dos jornalistas portugueses, nomeadamente no que toca à obrigação de relatar os factos com rigor e exactidão e ouvir as partes atendíveis no caso”.
A referida Recomendação, assumindo que blogues e redes sociais são “incontornáveis na profissão”, perspectiva simultaneamente tais ferramentas como “potenciadoras de atropelos dos deveres jornalísticos”.
Por essa ordem de razões, lê-se, o órgão normativo do Sindicato dos Jornalistas “recomenda um juízo deontológico e crítico na elaboração das notícias que tenham como origem blogues, redes sociais e «microblogging», sendo incontornável que estes são hoje instrumentos de trabalho indispensáveis e que o campo em que se jogam os deveres éticos e deontológicos da profissão é cada vez mais desafiante”.
Subscrevemos, e louvamos por inteiro, a preocupação deontológica do Sindicato, reconhecendo que os desafios na verificação da qualidade da informação são hoje exponenciais, atendendo à massiva produção de discurso em linha.
Contudo, não podemos deixar de observar o prejuízo sugerido por um tom excessivamente centrado nas formas tecnológicas, descentrando-as em boa medida de uma Ética humanizada e, particularmente, desassociando-as das violações normativas observáveis nas formas monomedia do Jornalismo, i.e., na Imprensa, na Rádio e na Televisão.
Um tal estreitamento da interpretação sobre as práticas em linha tende a não sublinhar que, em boa medida, tais ferramentas da denominada Web 2.0 são (ainda) usadas pelos profissionais tradicionalmente responsáveis pela produção de Informação sob outras formas tecnológicas.
O que empiricamente se evidencia é, crucialmente, um desajustamento entre as possibilidades técnicas e a apropriação social, neste caso jornalística, da tecnologia – o que alguns investigadores designam de uma literacia para os media digitais.
Se, como postula num outro comunicado dirigido às Redes Sociais – publicado a 27 de Novembro de 2009 – o Sindicato “está disponível para participar no debate público sobre os problemas que as tecnologias de informação e comunicação (TIC) colocam aos jornalistas e ao jornalismo”, deve estimular, dentro e fora de suas portas, uma interpretação crítica baseada na proposição prática – ex. formação profissional para os seus associados – daquela literacia na domesticação das tecnologias no Jornalismo, não se limitando à evidência de perigos que são comuns às demais formas técnicas do Jornalismo.
Optando por não o fazer, estará o Sindicato a promover um afastamento, um desinteresse, um certo receio epistemológico no uso tecnológico e na explicitação das razões pelas quais essas ferramentas são, no fim de contas “incontornáveis na profissão”; e, nessa medida, promovendo a manutenção de um comparativo atraso das redacções portuguesas na apropriação das novas tecnologias de informação e comunicação.
Lisboa, 19 de Fevereiro de 2010