CONTRA A DESAFETAÇÃO DE DOMÍNIO PÚBLICO E DESTRUIÇÃO DE ESPAÇOS VERDES NO CENTRO HISTÓRICO DO PORTO
Para: Exmo. Senhor Presidente da Câmara Municipal do Porto
Os abaixo-assinados, cidadãos e cidadãs preocupados com o presente e o futuro da cidade do Porto, vêm por este meio manifestar a sua profunda oposição à intenção da Câmara Municipal do Porto de desafetar do domínio público uma área com cerca de 17.748 m², conforme anunciado no Edital N.º NUD/349997/2025/CMP, localizada na Avenida de D. Afonso Henriques, em pleno centro histórico, classificado como Património Mundial da Humanidade pela UNESCO desde 1996.
Este processo, divulgado de forma altamente discreta e com deficiente comunicação pública, prevê a privatização de um terreno público, o abate de cerca de 55 árvores e o desaparecimento de espaços verdes de grande relevância para a população local, a biodiversidade urbana e a qualidade ambiental da cidade.
A concretização deste plano não só compromete irreversivelmente o património histórico, cultural e ambiental da cidade, como também contraria os princípios constitucionais e legais do Estado português, nomeadamente:
- O Artigo 66.º da Constituição da República Portuguesa, que garante a todos o direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado, incluindo a preservação de espaços verdes urbanos;
- A Lei de Bases do Ambiente (Lei n.º 19/2014, de 14 de abril):
- Artigo 2.º: consagra o direito fundamental a um ambiente equilibrado e saudável, promovendo o desenvolvimento sustentável e a proteção do património natural e cultural;
- Artigo 12.º: garante a participação pública efetiva e informada em decisões ambientais, exigindo transparência, acesso à informação e envolvimento da comunidade.
- O próprio Plano Diretor Municipal (PDM) do Porto, em vigor desde 2021, que visa:
- O reforço da quantidade e qualidade dos espaços verdes;
- A valorização da biodiversidade urbana e do património natural;
- A preservação da identidade cultural, arquitetônica e paisagística do Porto;
- O Regulamento Municipal de Urbanização e Edificação (RMUE), que no seu Artigo 47.º determina princípios rigorosos para a proteção de espaços verdes com valor patrimonial, exigindo estudos e fundamentação científica, bem como a aprovação prévia dos serviços competentes da autarquia.
É inaceitável que, num momento em que cidades por toda a Europa estão a expandir as suas áreas verdes como resposta às alterações climáticas, à degradação ambiental e à crise de saúde mental, o executivo municipal do Porto opte por eliminar espaço verde e arborizado em nome de uma alegada “reestruturação urbana”, ignorando o impacto ecológico e social desta decisão.
Apesar do argumento de que a operação visa responder à crise habitacional, o que se antevê é a construção de edifícios assinados por um conceituado arquiteto (Siza Vieira), cujo valor de mercado está fora do alcance da esmagadora maioria da população. Isto não resolverá a crise da habitação, apenas contribuirá para a gentrificação e exclusão social no coração da cidade. Os mais afetados pela crise habitacional são precisamente os que serão excluídos destes projetos.
Além disso, a concretização deste plano de edificação implicará forçosamente a remoção do Memorial dos Mártires do Movimento da Língua Materna de 21 de fevereiro de 1952, um monumento de profundo significado histórico e cultural, especialmente para a comunidade do Bangladesh residente no centro histórico do Porto. Este memorial, que assinala o Dia Internacional da Língua Materna, é regularmente visitado e honrado com flores por esta comunidade. É inaceitável a inexistência de qualquer consulta ou informação prévia à comunidade diretamente afetada, pondo em risco não só um símbolo da diversidade cultural do Porto, mas também a dignidade de quem nele encontrou um lugar de pertença.
É especialmente grave que esta proposta seja avançada de forma apressada e silenciosa, pouco antes das eleições autárquicas de 2025, sem um debate público sério, transparente e participativo, como exige a lei e a democracia.
Exigimos, por isso:
1. A imediata suspensão do processo de desafetação da parcela em questão;
2. A realização de uma consulta pública alargada, com envolvimento efetivo da população e de entidades de proteção do património e ambiente;
3. A manutenção da área como domínio público, com a preservação dos espaços verdes existentes e do Memorial dos Mártires do Movimento da Língua Materna;
4. A criação de alternativas sustentáveis e verdadeiramente acessíveis para responder à crise habitacional, sem sacrificar o património ambiental e cultural.
Em defesa da cidade, do ambiente, do património e da justiça social, apelamos à cidadania ativa de todos e todas. O prazo para a apresentação de reclamações imposto pelo Edital é já no dia 4 de julho de 2025. Assine este abaixo-assinado e faça ouvir a sua voz!