Petição Pública
Carta aberta por um investimento urgente em Ciência em Portugal

Assinaram a petição 8 524 pessoas
Exmo. Sr. Presidente da República Portuguesa,
Professor Doutor Marcelo Rebelo de Sousa

Exmo. Sr. Presidente da Assembleia da República,
Dr. Eduardo Ferro Rodrigues

Exmo. Sr. Primeiro-Ministro,
Dr. António Costa

Exmo. Sr. Ministro da Ciência e Tecnologia e Ensino Superior,
Professor Doutor Manuel Heitor


Na abertura do encontro Ciência 2020, o Sr. Primeiro-Ministro Dr. António Costa afirmou que “Graças à Ciência, vamos conseguir vencer seguramente esta crise”, referindo-se à difícil situação pandémica que vivemos. Em Portugal, inúmeros institutos de investigação congregaram recursos técnicos e humanos no intuito de expandir a capacidade nacional de diagnóstico da COVID-19 e iniciarem projetos de investigação sobre o SARS-CoV-2 dando uma contribuição sem precedentes para a sociedade civil. Em plena pandemia os investigadores portugueses colocaram-se ao serviço da comunidade, voluntariam-se a realizar colheitas, cederam equipamento, cederam mão-de-obra e conhecimento de técnicas de biologia molecular avançadas, desenvolveram os testes fabricados em Portugal e continuam a contribuir para resolver estes e outros problemas do nosso dia-a-dia. É importante, neste contexto, reconhecer que a celeridade da resposta portuguesa é fruto de muitos anos de treino e de considerável investimento, muitas vezes com avanços quase impercetíveis na sociedade, mas que constituem um alicerce sólido para a implementação rápida de projetos de ciência aplicada nesta crise pandémica. Em 2020 a sociedade civil consciencializou-se como nunca da importância da Ciência e da Comunidade Científica.


É, no entanto, com enorme preocupação que assistimos à subvalorização grave da Ciência e da Comunidade Científica no nosso País. Enquanto em 2017 o investimento em Ciência em Portugal foi de 1,33% do PIB, Israel investiu 4,5%, a Suécia 3,4% e a Áustria 3,2% (dados OCDE). No ano passado (2019) o investimento foi de apenas 1,41% do PIB. Desde a crise do subprime em 2007 que as dificuldades financeiras da Ciência em Portugal não têm sido superadas. Na última década verificou-se um desinvestimento grave que hoje culmina no subfinanciamento crónico bem visível.
A evidência mais recente são as taxas de aprovação baixíssimas verificadas no Concurso Estímulo ao Emprego Científico Individual (CEEC) 3ª Edição e nos Projetos de Investigação Científica e Desenvolvimento Tecnológico (IC&DT) em Todos os Domínios Científicos. Os resultados destes concursos foram de tal modo insuficientes e desanimadores que a própria Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) teve necessidade de esconder as reais taxas de aprovação (situação já identificada, discutida e explicada). Objetivamente, no CEEC foram validadas pela FCT e sujeitas a avaliação pelos pares 3648 candidaturas, mas apenas 300 (8.2%) foram financiadas; nos Projetos IC&DT foram validadas e avaliadas 5847 candidaturas e destas, financiadas apenas 312 (5.3%).

Os Projetos IC&DT deveriam ser o principal motor da investigação nacional. No entanto, no último concurso realizado há 3 anos (2017) foram financiados 1618 projetos (35.2%) enquanto este ano, 2020, apenas 312 (5.3%) foram aprovados. É urgente compreender que com taxas de 95% de reprovação será impossível manter linhas de investigação plurais e diversificadas, com a asfixia de centenas de grupos de investigação. Sem este financiamento, os grupos de investigação não conseguirão concretizar os seus trabalhos, assegurar recursos humanos e contribuir para a sociedade através de publicações, inovação e transferência de conhecimento. Contextualizando com a realidade europeia, os planos nacionais de outros países europeus possuem taxas de aprovação na ordem dos 15-25% e os financiamentos europeus extremamente competitivos (ex. ERC grants) rondam os 10-12%.

O pleno emprego científico está longe de ser atingido. Se por um lado a abertura de concursos para a carreira de investigação é inexistente, o CEEC que permite a contratação de investigadores por períodos de 6 anos evidencia a falta de integração de investigadores no sistema científico e tecnológico nacional. Veja-se o número de candidatos às 3 edições deste concurso: 4065 na 1ª Edição, 3493 na 2ª Edição, 3648 3ª Edição. Estes dados antagonizam o investimento realizado nas Bolsas de Doutoramento (1350 bolsas financiadas este ano). É de louvar a formação avançada de jovens investigadores (num país ainda abaixo dos índices europeus de número de doutorados), no entanto num País sem investimento nas carreiras de investigação e sem estímulos nem tecido empresarial capaz de absorver doutorados, antevemos o defraudar das expectativas dos que agora iniciam o seu Doutoramento e o aumento enorme do desemprego científico.


A FCT tem de ser a primeira e mais acérrima defensora de uma Ciência transparente e com princípios éticos, pautar a sua ação pela excelência científica e clareza na comunicação. No entanto verifica-se a falta de critérios claros e de grelhas de avaliação nos vários concursos, que resultam em avaliações injustas, incoerentes e desmotivantes para a comunidade científica. A imprevisibilidade do sistema de financiamento implementado pela FCT, ou seja, o incumprimento de um calendário regular de concursos e a alteração frequente dos seus regulamentos é absolutamente nefasta. Apesar da FCT ter investido em áreas específicas (Modernização Digital, Go Portugal, COVID) muito desse investimento foi desproporcional. Nos EUA, a NIH (a agência equivalente a` FCT) abre concursos três vezes por ano, sempre nas mesmas datas – 5 de Fevereiro, 5 de Junho e 5 de Outubro –, independentemente do orçamento anual para a ciência. No caso das equipas mais estabelecidas que ficaram agora sem financiamento, cada uma delas captou entre 300 mil a 1,5 milhões de euros (dependendo da área) para Portugal em concursos competitivos, publicaram em média 20 artigos científicos e formaram em média 3 estudantes de doutoramento só nos últimos anos (Dados Movimento 8%), o que evidencia o enorme mérito, produtividade e retorno económico destes investigadores.


Portugal, atualmente, não oferece condições para uma carreira científica estável. Os investigadores vão concorrendo a programas variados, a prazo, que mudam de tipologia conforme os governos, e só uma pequena percentagem consegue integrar-se na carreira docente das universidades. Sem carreira estável, muitos diretores de unidades de investigação com prestígio internacional, que lecionam, que participam na formação de alunos de mestrado e doutoramento e que captam prémios e financiamento internacional, têm contratos a prazo há mais de dez anos. Neste momento, muitos deles encontram-se até sem contrato ou com o futuro muito incerto, devido à pouca regularidade e à grande morosidade dos concursos lançaados pela tutela. Também não se estranha que esta realidade seja pouco atrativa para investigadores estrangeiros. Será inevitável a perda das gerações mais bem preparadas que este País educou e em que investiu. Sem pessoal e sem projetos financiados, será expectável uma queda acentuada da produtividade e qualidade científica nacional, da geração de valor associado à investigação, uma diminuição da relevância internacional e uma queda nos rankings universitários. Este retrocesso refletir-se-á nos índices competitivos internacionais tornando a economia pouco atrativa para investimentos no sector científico-tecnológico, numa altura em que o País tanto precisa.


Posto isto, pedimos às autoridades visadas um reforço urgente do investimento na Ciência e na Comunidade Científica em Portugal sob a forma de:
1. De imediato, aumentar o pacote financeiro para os concursos que ainda se encontram a decorrer e corrigir as baixíssimas taxas de aprovação da 3ª Edição do CEEC e do concurso de Projetos de IC&DT em todos os domínios científicos.
2. A curto prazo, aplicar um Limiar Mínimo de Estabilidade da Ciência de 15% de aprovação nos concursos para contratos individuais e projetos IC&DT a abrir brevemente, correspondente ao mínimo indispensável praticado nos países da União Europeia.
3. A médio/longo prazo, estabelecer um pacto de regime para a Ciência que permita definir uma estratégia para a ciência para a próxima década com um reforço de financiamento estrutural regular do OE, complementado com financiamento europeu e empresarial, que garanta o atingimento da meta de 3% do PIB em 2030.


Por um maior investimento em Ciência.


Pelo Movimento 8%,

João Oliveira – ICVS, Universidade do Minho
Ludgero Tavares – CIBB-CNC, Universidade de Coimbra
Mafalda Laranjo – CIBB-iCBR, Faculdade de Medicina, Universidade de Coimbra
Luísa Lopes – iMM, Faculdade de Medicina, Universidade de Lisboa
Hugo Miranda – CEDOC, NOVA Medical School, Universidade Nova de Lisboa
Federico Herrera – FCUL, Universidade de Lisboa
Teresa Summavielle – i3S, Universidade do Porto
Fábio Teixeira - ICVS, Universidade do Minho
Susete Fernandes – CENIMAT, Universidade Nova de Lisboa
Diogo Trigo – iBiMED, Universidade de Aveiro
Bruno Nunes – CESAM, Universidade de Aveiro
Fabíola Moutinho – i3S, Universidade do Porto
João Ferreira - CEDOC, Universidade Nova de Lisboa
Sílvia Lourenço – MARE, Politécnico de Leiria
Carla Cruz – CICS, Universidade da Beira Interior
Mafalda Rangel – CCMAR, Universidade do Algarve
Andreia Castro - ICVS, Universidade do Minho
Sandra Vaz – iMM, Universidade de Lisboa
Francisca Cardoso – CRIA, Universidade Nova de Lisboa
Cristiana Tejo – IHA, Universidade Nova de Lisboa
Celine Gonçalves - ICVS, Universidade do Minho
Ana Carvalho – CIDEHUS, Universidade de Évora
Ana Santiago – FMUC, Universidade de Coimbra
Andreia Barateiro - iMed.ULisboa, Universidade de Lisboa
Dário Trindade – iBiMED, Universidade de Aveiro
Ana Rodrigues - ICVS, Universidade do Minho


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