Petição Pública
Pela suspensão dos desbastes florestais intensivos no Parque Natural Sintra-Cascais (barragem do rio da mula e encosta da Malveira)

Assinaram a petição 1.438 pessoas
Exmos Senhores
Presidência da Câmara Municipal de Cascais
Presidência do Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas e Parque Natural Sintra-Cascais

Verificaram-se durante o mês de Fevereiro de 2020 intensos desbastes florestais no PNSC em particular na zona da Barragem do Rio da Mula e encosta da Malveira. Esses desbastes não se limitaram a exemplares de espécies de acácias com forte poder invasor mas também a inúmeros exemplares de pinheiros e eucaliptos de elevado porte (e relevante valor comercial). As empresas que levaram a cabo tais acções utilizaram maquinaria pesada com natural prejuízo para exemplares jovens de espécies autóctones nomeadamente medronheiros e carvalhos. Na galeria ripícola a jusante da barragem do rio da mula (onde está assinalada a existência de espécies em regressão como o cágado-de-carapaça-estriada, anfíbios, e aves como o chapim o chamariz, o pisco-de-peito-ruivo e algumas rapinas) os danos e a devastação são visíveis nas fotos anexas (https://photos.app.goo.gl/YgQVo45y2s7r3NYF6).

Questionado o ICNF (bem como a CascaisAmbiente) sobre a forma e métodos envolvidos nestas acções foi-nos respondido que o objectivo fundamental é a recuperação da floresta autóctone bem como a remoção de exemplares de pinho bravo com indícios de problemas fitossanitários.
Considerando que no decurso da intervenção não se vislumbrou qualquer critério de selecção do coberto vegetal a remover (de pinheiro a eucaliptos a acácias, tudo foi removido), solicitaram-se eventuais relatórios fitosanitários e estudos de intervenção/recuperação; até à data(*) nenhum foi facultado.

No que diz respeito ao leito da ribeira a jusante da barragem, o próprio ICNF preconiza nos seus “Critérios para a manutenção em bom estado de conservação das galerias ripícolas” o seguinte:
[...]
4)Promover a desobstrução da linha de água, sempre que esta se encontre obstruída;
5) As áreas ripícolas com interesse florístico e/ou paisagístico, não devem ser alteradas;
6) As mobilizações de solo devem ser localizadas e realizadas manualmente
...
8)Sempre que o arvoredo apresente características consideradas satisfatórias e se pretenda utilizar a mesma espécie para a regeneração do povoamento,devem aproveitar-se os indivíduos provenientes de regeneração natural, quando existam; (fim de citação)

Contudo o que se observou in loco foi a sua quase total obstrução com terra e material vegetal, fruto da utilização de maquinaria pesada (vide fotos no link mencionado). O mesmo documento oficial providencia as seguintes recomendações que, na nossa opinião foram claramente ignoradas:

"Antes do início dos trabalhos de manutenção das galerias ripícolas, devem ser tidos em consideração,por serem determinantes da escolha das operações e métodos de intervenção, as seguintes questões:
O estado da vegetação existente, atendendo à caraterização da composição e estrutura do arvoredo, nomeadamente as faixasque se classifiquem como habitats de valor natural com interesse florístico e/ou paisagístico, que constituem galerias ripícolas a preservar, que não devem ser alteradas;
Em galerias ripícolas que requerem intervenção, o conhecimento da vegetação potencial natural é da máxima importância na escolha das espécies e dos métodos a seguir para a instalação das mesmas;
Dada a variedade genética e originalidade de muitas formações florestais ribeirinhas, o material vegetal a utilizar (sementes, estacas, plântulas) deverá,preferencialmente, ser proveniente de bandas ripícolas das imediações do local a regenerar;
As intervenções devem ter em conta a necessidade de provocar o mínimo de perturbações possível na fauna." (fim de citação)

No que diz respeito ao abate quase total de lenhosas de grande porte, quer na zona circundante à barragem, quer na encosta da malveira com o objectivo de recuperar a floresta autóctone, ela parece-nos formal e temporalmente desajustada:
1. As melhores práticas para a erradicação do acacial preconizam a manutenção de zonas de sombra (providenciada pelas árvores de maior porte e copa) que atrasem o desenvolvimento da acácia e outras invasoras; com este método tal não é de todo conseguido.
2. O método praticado de “cortes rasos” não se coaduna com práticas elementares de silvicultura onde a manutenção de espécies resinosas auxilia na instalação de espécies autóctones sucessoras.
3. O método praticado tem um dano ambiental potencialmente bem maior que o benefício do corte da invasora. A devastação de grandes parcelas diminui o efeito tamponante nas variações de temperatura, humidade, concentração de nutrientes no solo e diversidade microbiana causando desequilíbrios que se estendem aos povoamentos florestais envolventes.
4. A plantação de exemplares jovens da flora autóctone, no final do Inverno e numa era em que se registam temperaturas elevadas e baixa humidade já em Março, levará à morte da maioria desses exemplares; será uma má gestão de recursos humanos e materiais.
5. O método escolhido de desbaste total de grandes parcelas e de enorme impacto paisagístico apenas se compreende por questões financeiras; a manutenção de exemplares de maior porte com excisão do lenho exterior para progressiva secagem permitirá, a médio/longo prazo, uma maior eficiência e menor impacto visual.
6. Não deverá ser ignorado a componente lúdica e o impacto paisagístico e económico da medida num parque que se quer natural e que é uma fonte de bem-estar para as populações. A beleza e envolvência do parque natural Sintra-Cascais surgem amiúde nos media, nas redes sociais e nas campanhas de turismo sendo uma mais-valia para a região. Imagens de zonas carecas como as anexas (https://photos.app.goo.gl/YgQVo45y2s7r3NYF6) tem um dano significativo para o prestígio do turismo de natureza.
7. O tipo de intervenção em curso foi já efectuado em ocasiões anteriores frequentemente com efeitos mais nocivos que os existentes; zonas há onde a intensidade do acacial é agora mais densa que a previamente existente não se vislumbrando qualquer recuperação dos espécimes autóctones.
8. Qualquer medida que se adopte só será bem-sucedida se constantemente monitorizada por pessoal especializado e trabalho parcialmente manual. Tal será dificilmente conseguido com o recurso a sub-contratação de empresas com mão-de-obra pouco qualificada e cuja contratação possa ser irregular (fruto de limitações e imposições legais de contratos com entidades públicas).

Em face do exposto, solicitamos a suspensão e re-avaliação destas acções de desbaste para serem substituídas por outras que consigam o objectivo nobre de recuperar a floresta autóctone sem esquecer a sustentabilidade de processos e o desejável usufruto do PNSC por quem efectivamente suporta os custos destas intervenções – a sociedade!


(*) 2 de Março de 2020


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