Petição Pública
Contra a poluição de navios de cruzeiro em Lisboa - pelo direito a um ar limpo

Assinaram a petição 1 499 pessoas
Resumo dos principais objectivos da petição:

1. Que os terminais de cruzeiros em Lisboa implementem no espaço de um ano medidas que façam reduzir a poluição gerada por esses navios que afecta a cidade;
2. O escrutínio pelas autoridades de forma sistemática do cumprimento da legislação ambiental por parte dos navios de cruzeiro;
3. O impedimento da entrada de navios de cruzeiro no Tejo que não transitem para combustíveis mais limpos até 2021;
4. A adopção de um modo de gestão dos navios de cruzeiros que não lese o interesse dos cidadãos, restringindo, por exemplo, o número de navios aportados em simultâneo;
5. Instalação de estações de medição da qualidade do ar no perímetro dos terminais de cruzeiros, com disponibilização ao público dessas medições;
6. A realização de um estudo que torne claros os custos para a saúde pública da operação do Terminal de Cruzeiros.


Exmo. Sr. Presidente da Câmara Municipal de Lisboa;
Exma. Sra. Presidente da Assembleia Municipal de Lisboa;
Exmo. Sr. Vereador do Planeamento, Urbanismo, Reabilitação Urbana e Espaço Público;
Exmo. Sr. Vereador do Ambiente, Estrutura Verde, Clima e Energia;
Exma. Sra. Vereadora da Habitação e Desenvolvimento Local;
Exmo. Sr. Presidente da Administração do Porto de Lisboa;


Lisboa é a cidade europeia que mais navios de cruzeiro recebe, e a terceira em que mais tempo estão estacionados. Isto torna-a numa das cidades europeias mais poluídas por estes navios [1].

Estas embarcações, para garantir os seus gigantes consumos de energia, mantêm os motores em funcionamento enquanto estacionadas, queimando em cada escala dezenas de toneladas de combustível extremamente poluente, cujas emissões não são, na grande maioria dos casos, filtradas ou sujeitas a tratamento. Estas emissões incluem largas quantidades de dióxido de enxofre (SO2) – o combustível usado por estes navios nos portos apresenta teores de enxofre até 0,1%, ou seja,100 vezes mais do que no gasóleo e gasolina utilizados por outros meios de transporte –, de óxidos de azoto (NOx) e partículas finas e ultra-finas, entre outros poluentes, que contribuem para a forte degradação da qualidade do ar nos portos e na sua envolvente [2].

Esta poluição do ar é uma importante causa de doenças coronárias e respiratórias (incluindo infecções pulmonares e asma nas crianças), cancros do pulmão e AVCs [3]. O SO2, um poderoso irritante respiratório, é responsável por maiores índices de morbilidade e morte prematura de habitantes nas zonas em redor de portos marítimos [4]. Já as partículas PM2,5 são absorvidas pelos pulmões, podendo afectá-los cronicamente [5], entrando posteriormente na corrente sanguínea e lesando o sistema cardiovascular, podendo levar a ataques de coração [6], e o cérebro, podendo causar demência e Alzheimer [7], entre outros órgãos [8] [9]. Para além disso, esta poluição destrói importantes ecossistemas e a sua biodiversidade, incluindo a dos sistemas aquáticos por acidificação [10] e danifica edifícios e monumentos [11].

Para se ter uma noção relativa da grandeza do problema, note-se que os navios de cruzeiro enquanto atracados em Lisboa são responsáveis por cerca de 3,5 vezes mais emissões de SO2 que toda a frota de automóveis da cidade num ano inteiro, e por cerca de 10% das emissões totais nacionais de SO2 [12]. No tocante ao NOx, são responsáveis por um quinto do total das emissões geradas pela frota automóvel que circula em Lisboa [13]. Esta vasta quantidade de poluição ocorre numa área geográfica circunscrita, a do Terminal de Cruzeiros de Lisboa, e em intervalos de tempo relativamente curtos, pelo que o seu impacto nas zonas em redor é especialmente gravoso.

No tocante a outros efeitos, o turismo representa já uma significativa parte, 8%, das emissões globais de CO2. Devido à sua intensiva pegada em carbono e em recursos, e ao seu crescimento contínuo (4% ao ano), trata-se de uma actividade em colisão com os objectivos climáticos descritos no Acordo de Paris [14]. As emissões dos navios de cruzeiro contribuem significativamente para este estado de coisas, uma vez que além de CO2 incluem abundantes partículas de carbono negro, cujo contributo para o aquecimento global é determinante, bem como para o efeito de ilha de calor em cidades [15].

Em Lisboa estas plumas de poluição afectam diária e continuamente moradores e trabalhadores de Alfama, Santa Apolónia, Xabregas, Beato, Marvila, Parque das Nações, Chelas, Costa do Castelo, São Vicente, Graça, Baixa, Chiado, Cais do Sodré e Alcântara havendo nessas zonas relatos de aumento de sintomas de doenças das vias respiratórias, irritação e ardor nos olhos e garganta, tosse, bronquite asmática, entre outros efeitos não agudos que deterioram a saúde a médio e longo prazo. Embora seja esta a população mais fortemente afectada, não são despiciendos os impactos da poluição dos navios de cruzeiro em toda a cidade e arredores, uma vez que alguns destes poluentes, como o NOx, são transportados a longas distâncias [1].

Consideramos tudo isto incompatível com a criação por parte da Câmara Municipal de Lisboa (CML) de ‘trilhos verdes’ e lugares para a prática de desporto ao ar livre, com o aumento de ciclovias e o incentivo ao uso da bicicleta, pois ao mesmo tempo a CML não cuida de garantir um ar saudável como devia, uma vez que a actividade física é absolutamente desaconselhada em ambientes poluídos, em especial os com partículas mais finas. Além disso, o favorecimento por parte do município do turismo de massas desregrado em navios de cruzeiro, uma das maiores fontes de poluição da cidade, anula uma melhoria da qualidade do ar que poderia ser conseguida com o aumento da oferta de transportes públicos. Tudo isto torna ainda profundamente irónico o título atribuído à cidade de ‘Capital Verde Europeia 2020’.

Por isto, concluímos que o Terminal de Cruzeiros de Lisboa, construído recentemente à boca da cidade de Lisboa, oferece comodidade aos passageiros dos navios e lucro às empresas de turismo e a todos os negócios envolvidos, mas, nos seus moldes de gestão actual, não serve os residentes e trabalhadores da cidade de Lisboa. Consideramos que o tráfego e estacionamento de navios de cruzeiro na cidade não se coaduna com as intenções anunciadas pela CML de "implementar um modelo sustentável para a mobilidade", de tornar a cidade de Lisboa mais “amiga do ambiente”, e muito menos de promover boas práticas ambientais. A situação actual é mesmo incompatível com uma política responsável e consequente de sustentabilidade ecológica e social para a cidade de Lisboa.

Existem contudo à disposição dos terminais portuários medidas mitigadoras do problema. Uma das mais eficazes consiste no fornecimento de electricidade por parte do porto aos navios (cold ironing), permitindo que estes mantenham os seus motores desligados durante a escala, evitando assim que permaneçam em funcionamento chaminés a céu aberto que representam valores de poluição mais altos ou comparáveis aos da cidade inteira. Vários estudos indicam que esta é uma solução custo-eficaz porque traz benefícios à saúde das populações afectadas equivalentes a milhões de euros por ano, excluindo os relacionados com as emissões de CO2 evitadas; por isso, o custo do cold ironing é amortizável no espaço de cerca de dez anos, sendo portanto uma solução socio e economicamente vantajosa [16].

Outra medida consiste num modo de gestão portuária que restrinja o número de navios aportados em simultâneo, tendo em conta a capacidade desses navios, e consequentemente a pressão turística que colocam na cidade – tipicamente um navio desses transporta milhares de passageiros –, e do seu potencial impacto na qualidade do ar, impondo maiores restrições aos navios mais poluidores e dando primazia aos que, por exemplo, possuem instalados filtros de SO2 nos seus sistemas de exaustão de poluentes.

Conclusão e objectivos:

Face ao exposto, exigimos respostas e resoluções urgentes para este crime perpetuado directamente contra os que residem e trabalham na cidade de Lisboa, os seus visitantes, o Tejo, as cidades envolventes, a fauna e flora e todo o meio ambiente, e que sejam implementadas medidas sérias e consequentes para resolver a crise ambiental que vivemos.


Nós, abaixo-assinados, exigimos as seguintes medidas por parte da Administração do Porto de Lisboa (APL), e que Câmara Municipal de Lisboa (CML), na qualidade de guardiã primeira dos interesses dos seus cidadãos, proponha, garanta e fiscalize a execução das mesmas:


1. Implementação, no espaço de um ano da solução de cold-ironing, tornando-a obrigatória para todos os navios;
2. Escrutínio de forma sistemática do cumprimento da legislação ambiental por parte dos navios de cruzeiro, nomeadamente da Directiva 2005/33/EC, que exige que o combustível queimado durante o estacionamento não apresente um índice sulfuroso superior a 0,1%;
3. Estabelecimento de políticas ambientais mais rigorosas, e respectiva aplicação e fiscalização do seu cumprimento por parte dos navios de cruzeiros;
4. Aplicação de sanções e total impedimento da entrada de navios de cruzeiro no Tejo que não transitem para combustíveis mais limpos até 2021;
5. Adopção de um modo de gestão dos navios de cruzeiros que não lese o interesse dos cidadãos, restringindo, por exemplo, o número de navios aportados em simultâneo;
6. Fiscalização das práticas de reciclagem e despejo de lixo das embarcações que ali estacionam, aplicando sanções e impedindo a posterior entrada de navios de cruzeiro que não demonstrem boas práticas de tratamento do lixo;
7. Além da emissão de relatórios a respeito de estatísticas de Turismo (relativas por exemplo a número de escalas, número de passageiros e respectivas nacionalidades), que sejam também emitidos relatórios centrados no impacto do tráfego naval no meio ambiente e na saúde pública, com medições das emissões no perímetro do terminal assim como a respectiva disponibilização pública dos dados em tempo real;


Exigimos ainda à CML:


8. A instalação imediata de novas estações de medição da qualidade do ar por toda a cidade, especialmente no perímetro dos Terminais de Cruzeiros;
9. A disponibilização ao público dessas medições, que deverão incluir dados medidos de SO2, NOx, PM10, PM2,5 e partículas ultra-finas;
10. A realização de um estudo cientificamente válido que torne claros os custos para a saúde pública da operação do Terminal de Cruzeiros;
11. A definição urgente de uma estratégia clara e consequente de controle e melhoria da qualidade do ar, que vise a diminuição significativa dos valores de poluição gerada pela circulação e estacionamento de navios de cruzeiro;
12. A implementação rigorosa de medidas de contingência e emergência sempre que os valores medidos ultrapassem os limites definidos pela Organização Mundial de Saúde, estabelecendo limites consecutivamente mais baixos, numa estratégia de redução dos valores de poluição;
13. Criação de um grupo de trabalho, em articulação com as Organizações e Associações Ambientais, ouvindo os residentes assim como outras Associações e Movimentos de Moradores e Cidadãos, para estudar o impacto da actividade do Terminal de Cruzeiros no quotidiano da população da cidade de Lisboa, especialmente nas zonas envolventes e centro histórico, identificando o conjunto das suas consequências, e propondo soluções a curto e médio-prazos;

Concordamos com as premissas e boas intenções da Câmara Municipal a respeito do Ambiente, e, repetimos, "cabe-nos a todos contribuir para uma cidade ambientalmente sustentável e energeticamente eficiente" [17]. Exigimos que estas intenções passem do papel e que a CML as respeite, cumpra e faça cumprir a aplicação de medidas concretas de combate à poluição do ar.

A boa qualidade do ar é um direito fundamental da vida humana e dos ecossistemas. O direito ao ar limpo e a um ambiente saudável é um direito constitucional. Lisboa está obrigada, através de tratados, constituições e legislação, a respeitar, proteger e cumprir o direito a um meio ambiente saudável. O direito ao ar limpo está também estabelecido na Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) e no Pacto Internacional sobre Direitos Económicos, Sociais e Culturais, e totalmente consagrado nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) [18].

O Município de Lisboa e a Administração do Porto de Lisboa ao não resguardarem os seus cidadãos dos impactos da poluição do ar, particularmente resultante do tráfego de navios de cruzeiro, tem atentado contra este direito e posto seriamente em causa a saúde pública e a qualidade de vida dos cidadãos.


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Referências:

[1] Transport & Environment, 2019. URL: https://www.transportenvironment.org/sites/te/files/publications/One%20Corporation%20to%20Pollute%20Them%20All_English.pdf
[2] Wang et al., Atmospheric pollution from ships and its impact on local air quality at a port site in Shanghai, 2019. URL: https://www.atmos-chem-phys.net/19/6315/2019/
[3] Organização Mundial de Saúde. URL: https://www.who.int/airpollution/ambient/en/
[4] Corbett et al., Mortality from Ship Emissions: A Global Assessment, 2007. URL: https://pubs.acs.org/doi/pdf/10.1021/es071686z
[5] Tamagawa et al., Particulate matter exposure induces persistent lung inflammation and endothelial dysfunction, 2008. URL: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC2494798/
[6] Brook et al., Particulate Matter Air Pollution and Cardiovascular Disease, 2010, URL: https://www.ahajournals.org/circ/doi/10.1161/CIR.0b013e3181dbece1
[7] Cacciottolo, Particulate air pollutants, APOE alleles and their contributions to cognitive impairment in older women and to amyloidogenesis in experimental models, 2017. URL: https://www.nature.com/articles/tp2016280
[8] Xing et al., The impact of PM2.5 on the human respiratory system, URL: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4740125/
[9] American Lung Association. URL: https://www.lung.org/our-initiatives/healthy-air/outdoor/air-pollution/particle-pollution.html
[10] Biodiversity Information System for Europe. URL: https://biodiversity.europa.eu/topics/pollution
[11] R. N. Butlin, Effects of air pollutants on buildings and materials, 1990. URL: https://www.cambridge.org/core/journals/proceedings-of-the-royal-society-of-edinburgh-section-b-biological-sciences/article/effects-of-air-pollutants-on-buildings-and-materials/8F75F984DF1A00FBFA7A7B6E63760671
[12] A maior operadora de cruzeiros de luxo do mundo emitiu sozinha cerca de 10 vezes mais SO2 nas costas europeias do que os 260 milhões de carros existentes na Europa [1]
[13] Associação ZERO. URL: https://zero.ong/lisboa-e-portugal-em-6o-lugar-europeu-nas-emissoes-poluentes-de-navios-de-cruzeiro/
[14] Lenzen et al., The carbon footprint of global tourism, 2018. URL: https://www.nature.com/articles/s41558-018-0141-x
[15] Wang et al., Urban heat island impacted by fine particles in Nanjing, China, 2017. URL: https://www.nature.com/articles/s41598-017-11705-z
[16] Ballini and Bozzo, Air pollution from ships in ports: The socio-economic bene?t of cold-ironing technology, 2015. URL: https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S2210539515000589
[17] http://www.cm-lisboa.pt/viver/ambiente
[18] https://nacoesunidas.org/cinco-razoes-pelas-quais-voce-deve-se-preocupar-com-a-poluicao-do-ar/amp/
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