Petição Pública
O RAPPER VALETE E A VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES RESPONSABILIDADE PARTILHADA!

Assinaram a petição 760 pessoas
A violência contra as mulheres é uma pesada realidade e tradição no mundo e nós não somos a feliz exceção.

Em Portugal, até 30 de setembro de 2019, foram assassinadas 27 mulheres em contexto de violência doméstica e de género. Nos últimos 20 anos, o número de feminicídios tirou a vida a mais de 500 mulheres e deixou órfãos centenas de crianças e jovens.

Estudos científicos afirmam que, no nosso país, uma em cada três mulheres sofrem violência por serem mulheres, em contexto de intimidade, em contexto laboral, em espaços privados ou públicos, acrescendo à violência em razão do sexo, as violências e discriminação exercidas especificamente sobre mulheres de etnia não branca, mulheres lésbicas, transgéneros, pessoas com deficiência, imigrantes ou, ainda, as violências que decorrem da idade ou aparência física, entre outras.

Neste contexto, em que a violência contra as mulheres se encontra naturalizada, nenhum esforço ou ação no sentido de a erradicar é supérfluo, mas todos os atos ou acontecimentos que a banalizem têm de ser denunciados, contraditados e condenados!

É preciso clareza e atenção a denunciar e a pedir justiça, independentemente de onde venha o ataque aos direitos humanos, ao princípio da igualdade e todo e qualquer incentivo (ainda que subliminar) à violência contra as mulheres. Quem ataca uma mulher, ataca todas as mulheres.

E isto porque, para nós, o exercício de violência – física, verbal, psicológica ou sexual – sobre uma mulher atenta contra a integridade física, moral e psicológica de todas as mulheres, seja qual for a sua origem ou condição social, a sua etnia, cor da pele, nacionalidade, idade, condição física e intelectual ou orientação sexual.

FACTOS

1. O rapper Valete apresentou um vídeo e uma criação de rap, BFF, onde retrata uma mulher estereotipada como pertença de um homem com quem vive, como pessoa inútil que depende economicamente do homem com quem se relaciona, como uma falsa e traidora que merece ser castigada e ameaçada física, verbal e psicologicamente. O vídeo reproduz também uma visão estereotipada das respostas masculinas que se tornam previsíveis, compreensíveis e também, consequentemente, socialmente legítimas quando os homens se sentem ofendidos na sua "honra". Tal representação mediática tão negativamente estereotipada da mulher e das masculinidades é ilustrada por uma violência extrema que inclui a introdução do cano de uma espingarda na boca da mulher "traidora". Podia bem ser a representação gráfica de tantas histórias infelizes de mulheres mortas às mãos dos seus companheiros íntimos.

2. O rapper Valete alega que a sua arte é uma arte sem ideologia, que apenas fez um “bom filme”, e que não tem qualquer obrigação como cidadão, como homem, como influenciador das camadas mais jovens do país, em comunicar mensagens positivas de comportamento. Note-se que, por “positivo”, neste caso, se entende apenas a não reprodução acrítica de estereótipos de comportamento feminino e, pior, de resposta masculina, comprovadamente perigosos para a saúde e para a vida de crianças, mulheres e homens. No passado, o rapper Valete reclamava-se parte do "RAP consciente" e considerava que este servia causas sociais, nomeadamente a da luta pela igualdade de direitos das mulheres. Agora entende que é possível produzir um discurso artístico “sem ideologia”, o que no caso corresponde à propagação de um discurso de violência extrema e, face ao teor e linguagem objetivas da música e do vídeo, de misoginia, ou seja, de ódio à mulher.

3. O rapper Valete, desagradado por ter havido vozes críticas contra o seu vídeo BFF, ameaçou uma jornalista que, no desempenho das suas obrigações profissionais, o entrevistou e confrontou com afirmações contraditórias que havia proferido. As ameaças proferidas pelo rapper Valete são susceptíveis de condicionar e atemorizar a jornalista Fernanda Câncio, assim reproduzindo também em privado uma dimensão de masculinidade negativa e de comportamento violento. É a masculinidade que recorre à violência verbal e psicológica, à coação e à ameaça, quando é contrariada por uma mulher ou quando uma mulher a coloca em causa. E é, precisamente, o tipo de masculinidade que está na origem da violência machista que mata mais de 20 mulheres (e homens e crianças) por ano.

4. O rapper Valete, reconhecendo num vídeo auto justificativo que o rap está a viver o “momento mais misógino da sua história”, não explica de que forma se demarca dessa “tendência” que, aos olhos da lei, é uma “tendência” criminosa porque atenta contra os direitos de terceiros, nomeadamente, das mulheres vistas sob a lupa da interseccionalidade.

5. O rapper Valete, nesse mesmo seu vídeo de autovitimização, faz um discurso paternalista e patriarcal permitindo-se falar em nome das mulheres negras que vivem no nosso país e que, como todas as outras mulheres, não precisam que um homem fale por elas, apenas exigem que não sejam difundidos discursos de ódio contra si mesmas que justifiquem as violências de que todas - ainda que de diferentes origens e condições sociais - somos vítimas.

6. O rapper Valete, no referido vídeo de demagógicas justificações para um comportamento injustificável (até do ponto de vista legal), reduz a identidade de uma mulher à sua condição de “ex-namorada” de… O rapper Valete, que em tempos se afirmou feminista, não sabe que as mulheres, tal como ele, têm identidade própria nunca confundível com denominações que as apresentem como propriedade ou ex-propriedade seja de quem for, inclusivamente de um homem, seja ele pai, marido, namorado.

7. O rapper Valete não hesita em tentar dividir as mulheres que, entre si, como é óbvio, têm diferenças sociais, culturais étnicas, etc. mas que, acima de tudo, estão unidas na condenação à violência de género e fartas de ser suas vítimas.


PROPOSTA

A FEM – Feministas em Movimento apela a que todos os coletivos de intervenção feminista, às organizações de intervenção social, aos partidos políticos e a todas as pessoas, que digam não à violência e se juntem a nós subscrevendo este documento.

Exigimos uma posição clara e inequívoca das entidades governamentais, em particular do organismo da Administração Pública responsável pela área da cidadania e da igualdade de género, e da Secretaria de Estado para a Igualdade, na condenação das atitudes e declarações recentes do rapper Valete, que naturalizam a violência de género, o que é tanto mais grave quanto se conhece o estatuto do artista como influenciador das jovens gerações.

Exigimos que a indústria musical se posicione face a conteúdos sexistas e misóginos que utilizam a cultura e a arte para veicular discursos e práticas violentas que legitimam e naturalizam violência contra as mulheres e o perpetuar de discriminações de género.

Evidenciamos que não obstante a existência de guiões de boas práticas, assinaturas de Protocolos e o reforço recente de legislação nesta área, continua a aceitar-se e a emitir-se mensagens e conteúdos audiovisuais atentatórios de direitos humanos. Exige-se uma ação concreta, real, visível, concordante e posicionamento a todo o tempo e sobre todo e qualquer conteúdo atentatório de direitos humanos.

OS FEMINISMOS, NA SUA DIVERSIDADE, NÃO DIVERGEM NAS SUAS PREMISSAS BASE: O FIM DE TODA E QUALQUER FORMA DE DESIGUALDADE, DISCRIMINAÇÃO E VIOLÊNCIA; A VIVÊNCIA PLENA EM IGUALDADE E CIDADANIA DE TODAS AS MULHERES, A DEFESA INTRANSIGENTE DOS SEUS DIREITOS HUMANOS, OS DIREITOS HUMANOS DE TODAS A PESSOAS!

A FEM - Feministas em Movimento, PCN 515591505, apela à subscrição do presente texto e à sua divulgação.

Lisboa, 30 de setembro de 2019
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