Petição Pública
Queremos justiça, transparência e decência na política educativa e da ciência em Portugal

Assinaram a petição 1.938 pessoas
A imprensa portuguesa noticiou nos últimos dias a nomeação de Pedro Passos Coelho, antigo primeiro-ministro de Portugal, e licenciado em Economia pela Universidade Lusíada, para o cargo de professor catedrático convidado no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa (ISCSP), e mais duas instituições de ensino privado. A proposta de nomeação, que entretanto mereceu o voto positivo do Conselho Científico do ISCSP, terá sido da responsabilidade da presidência da instituição, ocupada por Manuel Meirinho, ex-deputado eleito como independente nas listas do PSD nas eleições legislativas de 2011. Segundo o Jornal de Negócios, o argumento invocado pelo presidente do ISCSP para a nomeação é o de que “o antigo líder do PSD vai permitir diversificar e melhorar a sua oferta educativa”, devido à “experiência de Passos como primeiro-ministro, boa parte da mesma durante o período da intervenção externa”.

Os abaixo-assinados, docentes e investigadores em instituições de ensino superior portuguesas e estrangeiras – e não poucos dos quais com vínculos precários ou inexistentes à carreira para a qual contribuem com o seu trabalho científico e pedagógico – e outros cidadãos que se juntam em solidariedade: consideram que, muito embora não constitua uma ilegalidade, a referida nomeação configura em si mesma uma ofensa à dignidade dos profissionais da ciência e do ensino em Portugal, particularmente no atual momento em que vivemos: há doutorados a dar aulas sem remuneração e uma precariedade gritante na investigação, que está longe de encontrar o fim.

A atribuição do grau de catedrático a Pedro Passos Coelho, mesmo sem cadeira designada, constitui um atropelo flagrante ao estatuto da carreira docente universitária em Portugal. O estatuto estabelece, no seu Artigo 8.º, que os “professores convidados desempenham as funções correspondentes às de categoria a que foram equiparados por via contratual”, sendo que para a categoria de professor catedrático as funções estabelecidas são “de coordenação da orientação pedagógica e científica de uma disciplina, de um grupo de disciplinas ou de um departamento” (Artigo 5.º). Ora, a experiência relevante do ex-Primeiro Ministro em funções governativas não evidencia formação científica ou pedagógica que o habilite para a coordenação científica e coordenação pedagógica exigida a um professor catedrático, ou equiparado. Aliás, o ECDU concretiza no seu articulado um conjunto de funções particulares em que se enfatizam funções de regência, coordenação, direção de disciplinas, programas de estudos inteiros e mesmo programas de investigação, ao ponto de estar habilitado a “substituir, nas suas faltas ou impedimentos, os restantes professores catedráticos do seu grupo.” (alínea e, Art 5.º)

Se é verdade que a experiência governativa tem sido bem invocada frequentemente, e em vários países, para justificar convites a personalidades públicas para postos académicos, e em particular na área da Administração Pública, e se é consensual que a exposição do corpo discente ao magistério exercido por personalidades com este perfil pode ser benéfica para a sua formação, já é incompreensível e inaceitável a nomeação presente à luz do estatuído pelo ECDU e dos melhores princípios da ética pública.

É de perguntar que funções estabelecidas no ECDU para professor catedrático serão exigidas a Pedro Passos Coelho e sobre que fundamento curricular. Mas, acima de tudo, o que perguntamos é porque acontece uma contratação que achincalha de forma inaceitável tantos que, no curso de muitos anos de qualificação e trabalho científico imprescindível para as instituições universitárias portuguesas, buscam acesso às carreiras docente universitária e de investigação e, no entanto, vêem as suas justas aspirações defraudadas, ainda agora com todo o desapego, por reitores reunidos em CRUP.

Os abaixo-assinados consideram a presente nomeação duplamente ofensiva num momento em que milhares de investigadores e docentes com vínculo precário, cujo trabalho sustenta o regular funcionamento de tantas universidades em Portugal, se manifestam para que a mais elementar justiça seja observada no programa de regularização de precários no Estado (PREVPAP), e sublinham que o que está em causa não é uma reação corporativa face à glorificação de alguém “externo”, mas sim a luta pela preservação da transparência, da decência e da equanimidade na política educativa e da ciência em Portugal.

Ademais, e no rescaldo de um chocante comunicado do CRUP recentemente divulgado, os abaixo-assinados expressam o seu repúdio pela política do facto consumado que pretende eternizar o precariado à luz de princípios lesivos dos interesses nacionais, e de um equívoco valor de “mérito” que promove contratações extemporâneas e de contornos opacos enquanto se serve do trabalho quotidiano de tantos investigadores e docentes em situação precária, nunca reconhecendo o seu direito a uma carreira. Por fim, os abaixo-assinados manifestam a sua preocupação pela campanha de desinformação e vilipêndio promovida por vários órgãos da imprensa contra os que têm manifestado publicamente a sua consternação perante a decisão do ISCSP, e exigem por este meio o total respeito pela liberdade de expressão consagrada na Constituição da República Portuguesa.

Por estas razões, apelam à solidariedade de todos os docentes universitários e investigadores de carreira, bem como da sociedade portuguesa em geral, e exigem um esclarecimento público sobre o sucedido ao conselho científico do ISCSP, ao reitor da Universidade de Lisboa, ao atual Primeiro-Ministro e aos Ministros da Educação e da Ciência, bem como às forças da esquerda parlamentar que apoiam a atual solução governativa e, finalmente, ao Presidente da República.

Ana Margarida Dias Martins, Senior Lecturer in Portuguese, University of Exeter, Reino Unido/Membro do ILC, Universidade do Porto
Ana Petronilho, Investigadora FCT, Universidade Nova de Lisboa
André Barata, Filósofo, Professor da UBI/Investigador do LabCom.IFP
Bruno Góis, Bolseiro de Investigação, ICS-ULisboa
Elsa Peralta, Antropóloga, Investigadora FCT, CEC, FLUL-ULisboa
Francesco Vacchiano, Psicólogo e Antropólogo, Investigador FCT, ICS-ULisboa
Hélder Alves, Psicólogo Social, CIS-IUL
Isabel Ferreira Gould, Independent Scholar, USA/Investigadora Colaboradora do CEC, FLUL-ULisboa
Joacine Katar Moreira, Assistente de investigação, CEI, ISCTE-IUL
José Manuel Lopes Cordeiro, Historiador, Professor na Universidade do Minho, CICS.Nova.UMinho
José Neves, Professor Auxiliar, FCSH/Universidade Nova de Lisboa
Margarida Rendeiro, Professora Auxiliar Universidade Lusíada de Lisboa/Investigadora Integrada CHAM, Universidade Nova de Lisboa
Maria do Carmo Piçarra, Bolseira de investigação, CECS-UMinho/CFAC U-Reading
Maria Helena Santos, Psicóloga Social, CIS-IUL
Maria João Cantinho, Universidade Nova de Lisboa/Investigadora Integrada CFUL
Maria Paula Meneses, Investigadora, Centro de Estudos Sociais, U. Coimbra
Miguel Vale de Almeida, Antropólogo, Professor Associado com Agregação, ISCTE-IUL
Patrícia Martins Marcos, Ph.D. Candidate/Teaching Assistant, History & Science Studies, University of California, San Diego. Investigadora Integrada, IHC-UNL
Paula Godinho, Antropóloga, Professora na FCSH - Universidade Nova de Lisboa
Paulo Granjo, Antropólogo, Investigador Auxiliar, ICS-ULisboa
Paulo Jorge de Sousa Pinto, Investigador Integrado CHAM, Universidade Nova de Lisboa
Pedro Schacht Pereira, Professor Associado, The Ohio State University, EUA/Investigador associado do CEC, FLUL
Rafael Esteves Martins, Leitor, University of Oxford/Investigador Colaborador do CEC, FLUL-ULisboa
Raquel Ribeiro, Lecturer in Portuguese, University of Edinburgh, Reino Unido/Colaboradora do CEC, FLUL-ULisboa
Rui Bebiano, Historiador, Professor da FLUC/Investigador do CES
Rui Gomes Coelho, Postdoctoral Associate, Department of Art History, Rutgers University, EUA
Rui M. Pereira, Professor Auxiliar, FCSH/Universidade Nova de Lisboa
Susana Araújo, Investigadora FCT, Est. Literários, CEC, FLUL-ULisboa
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