Exmo. Senhor Diretor do Agrupamento de Escolas Martim de Freitas,
O projeto-piloto Manuais Digitais (PPMD) iniciou-se em 2021, com duas turmas de 3º ano. Os encarregados de educação (EE) foram informados de que os alunos integrariam o projeto dias antes das aulas começarem. Após quase dois anos de pandemia, com um ensino em frente a um computador, a implementação do projeto não correu bem - licenças entregues um mês após o início das aulas, fraquíssima qualidade do equipamento entregue aos alunos, fraca e insuficiente rede da escola e dos hotspots, inexistência de tomadas suficientes para carregar os computadores, entre muitos outros aspetos já abordados, em documentação enviada à escola ao longo destes 3 anos.
Alguns problemas foram atenuados, mas as dificuldades persistem. Os computadores avariam frequentemente, não são adequados a este projeto, têm um ecrã mínimo e são lentos a carregar recursos. Na escola existe apenas 1 técnico de informática, claramente insuficiente para dar resposta aos pedidos de reparação, obrigando os pais a gastar dinheiro em reparações no exterior e ficando as crianças longos períodos sem equipamento.
O transporte diário dos computadores no trajeto casa-escola-casa acarreta inúmeros riscos como partirem-se, estragarem-se ou perderem-se, sendo depois os custos de reparação, ou substituição, assegurados pelos pais.
Este ano foi pedido aos pais dos alunos do 4º ano que usassem em casa os seus equipamentos pessoais, uma vez que a escola não cedeu nenhum equipamento e retirou o que tinham anteriormente.
Noutros anos letivos, dentro da mesma turma, existem crianças com equipamentos de qualidade diferente. Por exemplo, os alunos pioneiros no projeto têm um computador inferior àqueles que foram atribuídos aos alunos que iniciaram o projeto no 6º ano. Muitos hotspots foram desativados, ficando os alunos sem acesso aos manuais. O disco do computador não tem capacidade para ter os manuais instalados, ficando assim os alunos sem acesso aos manuais, on line e off line, na escola e em casa. É o mesmo que ter alunos com livros e outros sem eles.
Por estes motivos, não está a ser garantido às crianças o direito à igualdade de oportunidades no acesso ao ensino, que constitui um princípio básico da escola pública democrática e um direito constitucional.
Outro enorme problema é a falta de filtros para conteúdos de adultos nos computadores, podendo as crianças aceder a qualquer tipo de conteúdos na internet. Crianças com 8 anos conseguem aceder a conteúdos pornográficos ou violentos. A escola não se responsabiliza, não resolve, nem garante ajuda aos pais nesta questão.
Ainda digno de nota é o peso exagerado que as crianças transportam diariamente nas mochilas. A “Mochila leve” que seria, teoricamente, uma das mais-valias deste projeto é uma utopia.
Para além das dificuldades de implementação do projeto na escola, o recurso a manuais digitais é, em si mesmo, negativo. Os países pioneiros nestes projetos já os abandonaram pelo simples motivo de não existir qualquer evidência de que a sua utilização seja vantajosa para os processos de aprendizagem, existindo muitos estudos que indicam o contrário, sendo frequentemente uma fonte de distração e dispersão para outros conteúdos não letivos.
É consensual na comunidade científica um limite de 1 a 2h por dia de utilização de ecrãs (entre os 7 e 15 anos). Ultrapassado este tempo, o uso é excessivo, apresentando inúmeros riscos para a saúde física, mental, social e desempenho escolar. É impossível, com várias aulas por dia em frente ao ecrã, trabalhos de casa e estudo, não ultrapassar esse tempo, sabendo, a priori, que o uso dos smartphones também tem de ser equacionado na contagem.
Estudos científicos demonstram que, mesmo em níveis de escolaridade mais elevados, o ensino em papel é mais eficaz para a compreensão. As crianças precisam de escrever e treinar a caligrafia, pois aumenta a conectividade cerebral e melhora a precisão ortográfica e a memória, ajudando na aprendizagem.
Consultar livros e ler em papel textos informativos e mistos, como são os textos que caracterizam o sistema educativo, requer uma exigência cognitiva, em termos estruturais e de vocabulário, que a superficialidade e rapidez do digital não permitem. Ler em papel aumenta, entre 6 a 8 vezes, a capacidade de compreensão relativamente à leitura digital, uma vez que é necessário manter o foco e a atenção numa única tarefa, em vez do multitasking do digital.
Sendo óbvia a necessidade de rentabilizar o tempo de aprendizagem, facilmente se percebe que o caminho não é o digital, que obriga os alunos a perderem demasiado tempo na realização das tarefas e fragmenta a sua atenção, atrasando assim a aprendizagem.
O tempo não volta atrás e este projeto está a prejudicar os nossos filhos na sua aprendizagem, não só em contexto escolar, mas também na vida familiar, afetada com as dificuldades do uso do computador, sendo os pais obrigados a resolver vários dos problemas que este método de ensino acarreta.
Em Portugal, no início deste ano letivo, foi noticiado que um terço das escolas abandonou o PPMD e houve uma diminuição, para quase metade, dos alunos participantes. Esta saída autónoma das escolas é reveladora de que o projeto não serve os alunos. As próprias direções tiveram consciência disso.
Infelizmente isso não aconteceu ainda na Martim de Freitas, que inclusivamente alargou o projeto a novas turmas, para grande descontentamento dos EE.
São muitos os pais que equacionam a possibilidade de mudança de estabelecimento de ensino para que os filhos saiam deste projeto que se revelou infeliz.
É urgente que a escola oiça o nosso apelo. Somos a favor do uso de recursos tecnológicos, mas contra a substituição de livros por ecrãs, agravada com todos os problemas operacionais associados ao projeto.
Solicitamos que a escola Martim de Freitas abandone de imediato o PPMD, pois é inaceitável a continuação de uma experiência que coloca em risco a aprendizagem e a saúde das crianças.
Coimbra, 30 de Outubro de 2024
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