Petição/ abaixo assinado pelo fim imediato do projeto-piloto Manuais Digitais do ME nas escolas integrantes do projeto e pela continuidade dos manuais em papel em todas as escolas portuguesas. Por uma educação de qualidade, com os recursos comprovadamente mais saudáveis e eficazes para todas as crianças.
O excesso de tempo que as crianças e adolescentes passam em frente a ecrãs é uma realidade preocupante nos países desenvolvidos. A um aumento exponencial dos problemas de visão, sobretudo da miopia, que está a aparecer em idades cada vez mais jovens, juntam-se vários outros problemas de saúde (como a obesidade), relacionados com a falta de atividade física, essencial ao desenvolvimento e crescimento saudável.
Ao contrário do que se chegou a pensar, a profusão de ecrãs (smartphones, tablets, computadores) está longe de melhorar as aptidões das novas gerações. Verifica-se precisamente o oposto: além das pesadas consequências ao nível da saúde física, também a saúde mental é seriamente afetada. Temos atualmente crianças e adolescentes menos empáticos, com pouca tolerância à frustração, mais agressivos, havendo também um aumento da sua sensação de mal-estar, a fazer disparar a prevalência de casos de ansiedade e depressão.
Argumentos muito utilizados de que os ecrãs são recursos que crianças e adolescentes vão precisar para progredir, para não ficarem para trás na sociedade atual são falaciosos, pois a infância e adolescência são etapas de desenvolvimento em que são muito mais importantes as oportunidades de desenvolver os próprios recursos, que os recursos externos.
Está atualmente em curso o projeto-piloto Manuais Digitais do ME, que visa a substituição dos manuais escolares (suporte papel) por computadores e tablets (suporte digital). Este projeto foi imposto a crianças já altamente penalizadas devido à pandemia e confinamentos, em que o ensino à distância deixou manifestamente profundas lacunas nas aprendizagens. Professores, pais e alunos do 3º ao 12º ano, de 160 escolas-piloto, sem nunca terem sido auscultados, veem-se dentro de um projeto que a ciência unanimemente indica apresentar mais desvantagens do que vantagens, nomeadamente:
1) Todos os estudos científicos convergem na evidência da superioridade do papel e da escrita nas aprendizagens e advertem para as consequências como a menor capacidade de leitura desenvolvida e retenção de conhecimento adquirido/memorização através dos ecrãs;
2) As crianças pequenas são as mais penalizadas. Nos primeiros anos de aprendizagem precisam de treinar a caligrafia e a motricidade fina. O uso excessivo do digital pode interferir no desenvolvimento cerebral normal, afetando a atenção, a memória, assim como as suas capacidades de comunicação. A hiperestimulação dos ecrãs prejudica a concentração quando esta é requerida em atividades mais exigentes;
3) O suporte digital favorece a distração, que é inimiga da aprendizagem. O dispositivo onde as crianças têm os livros por onde devem estudar é o mesmo onde estão os jogos e redes sociais, que comprovadamente causam dependência. Não podemos esperar das crianças uma autorregulação e disciplina que as afaste da óbvia e inevitável distração, sobretudo em casa;
4) O uso do digital potencia a navegação online sem supervisão, expondo crianças a conteúdos e sites inapropriados para a sua idade e colocando-as em risco nas redes digitais. Com este projeto-piloto, o acesso à internet deixa de ser uma opção dos pais e passa a ser obrigatório em crianças logo a partir dos 7/8 anos;
5) A Suécia, e não só, com base em inúmeros estudos decidiu, de forma veemente, que a escola deveria voltar ao suporte papel, em detrimento do suporte digital que funcionava, há vários anos, em exclusividade. A razão de tal inversão ficou a dever-se ao facto de se registar um défice expressivo na leitura e na escrita dos alunos. Em 2023, o governo sueco, reprovando a atitude acrítica que tende a aceitar a tecnologia de forma benevolente e positiva, independentemente do conteúdo e das suas implicações, reintroduziu livros em papel em todo o sistema de ensino.
Os maus resultados na Suécia, obtidos após 15 anos de experiência no digital não foram suficientes para travar o projeto-piloto português, que continua a ter como cobaias 21 260 alunos. Muitas crianças, embora desconheçam as consequências nefastas desta experiência no seu futuro, curiosamente revelam desagrado com o abandono dos livros, tal como os seus encarregados de educação.
A operacionalização deste projeto na Escola Pública portuguesa revela-se difícil. O equipamento utlizado (computadores, hotspots) não corresponde à exigência do projeto, frequentemente não se consegue aceder à net, a velocidade de ligação é lenta, os recursos não funcionam, o que é feito online não fica gravado, etc. Por conseguinte, perde-se demasiado tempo com estas situações e o tempo de aula não é aproveitado devidamente.
Quando há problemas nos computadores das crianças, são poucos os técnicos de informática nas escolas para os resolver, o que faz com que o aluno possa estar meses sem computador. A empresa que fornece os computadores não presta qualquer apoio técnico, as escolas não têm verbas para os reparar e os custos acabam por ser cobrados aos pais.
Os encarregados de educação e os alunos foram chamados a avaliar o projeto-piloto através de questionários no final dos vários anos letivos em que a “experiência” já decorreu, mas até hoje esses resultados nunca foram divulgados.
Com base nos aspetos referidos, e não encontrando motivos pedagógicos nem de saúde, nem ecológicos (basta comparar a percentagem de material reciclável que existe num livro e num portátil ou a pegada ecológica de cada um) para esta mudança, questionamos o porquê destas medidas de transição digital, sem qualquer base científica que as valide.
Neurocientistas, oftalmologistas, psicólogos e professores recomendam a redução do tempo de exposição a ecrãs, mas a Escola está a aumentá-lo exponencialmente com a “transição digital”. A Unesco fez o alerta que o impacto de aprender no digital pode ter mais malefícios que benefícios, defendendo que "nem todas as mudanças são sinónimo de progresso" e que "o impacto positivo de aprender no digital pode ter sido exagerado", não havendo evidência de que a tecnologia nas salas de aula acrescente valor à aprendizagem. Afirma ainda que a maior parte dos estudos que apontam nesse sentido são financiados por empresas privadas de educação a tentar vender produtos digitais, o que "gera preocupação". A Escola Pública, permeável a lobbies da indústria tecnológica e aos interesses económicos de influentes editoras (para as quais é mais lucrativo produzir manuais digitais do que livros impressos) segue o caminho da imposição dos ecrãs, ignorando todos os apelos.
Segundo o artigo 74º da nossa Constituição "Todos têm direito ao ensino com garantia do direito à igualdade de oportunidades de acesso e êxito escolar". Este projeto-piloto cria profundas desigualdades nas aprendizagens, o que viola esse direito. Em particular o Presidente da República, nos termos do juramento que presta no seu ato de posse de "defender, cumprir e fazer cumprir a Constituição da República Portuguesa" não pode ficar indiferente a esta questão.
Em conclusão:
Milhares de crianças já desde o 1º ciclo estão a ser privadas de manuais em papel, substituindo-os por versão digital. Médicos advertem que a esmagadora maioria das crianças e jovens já passa demasiado tempo à frente de ecrãs com as inerentes consequências no comportamento e saúde. Esta alteração agrava este problema. Não há estudos que demonstrem as vantagens desta alteração para o digital, mas avançou-se para esta “experiência”, com os nossos filhos como cobaias. Países com experiência de longos anos no digital recuaram e reintroduziram os livros em papel em todo o sistema de ensino.
Os cidadãos abaixo assinados consideram inaceitável a continuação do projeto-piloto Manuais Digitais do ME e solicitam, com urgência, o seu término, de forma a minimizar os danos nas aprendizagens das crianças abrangidas, não comprometendo o futuro de uma geração de alunos e cidadãos.
Consideramos que os recursos tecnológicos devem ser usados em espaço de aprendizagem específico, e.g. a disciplina de TIC e OD, ou como complemento à aprendizagem nas restantes disciplinas. Somos a favor do progresso mas contra o retrocesso intelectual e de saúde provocado pelo uso excessivo da tecnologia.
REFERÊNCIAS:
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Carvalho Pereira, R. (2023/07/26). Unesco pede que telemóveis sejam banidos nas escolas. TSF.
Cortez, A.C. (2023/04/16). O digital no ensino: uma fábrica de cretinos. Diário de Notícias.
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Inácio, A. (2023/11/7). Escolas sem verbas para reparar portáteis avariados. Jornal de Notícias.
Lusa/DN (2020/09/15). Alunos continuam a preferir manuais em papel. Diário de Notícias.
Laranjo, F. (2023/06/19). Regresso ao futuro da escola: dos ecrãs aos livros. Público.
Mendes, M. (2023/09/23). As portas que se fecham, quando os ecrãs são a única janela. Diário as beiras.
Nunes, L.P. (2023/09/29). Pseudopornografia e órfãos digitais. Expresso
Pestana, A. (2023/08/24). O futuro da Escola Pública depende de todos nós. Público
Soares, C. (2023/09/24). Foi um erro dar tecnologia às crianças em idade precoces e, mais tarde, deixá-la entrar na sala de aula sem perguntar à indústria se essas ferramentas fazem sentido e se têm efeitos colaterais. Revista Visão.
UNESCO (2023/07/26) Smartphones in school? Only when they clearly support learning.
Valente, C. (2023/09/19). Professores e alunos querem recuo nos manuais digitais. Diário de Notícias.
Vieira, M. C. (2023/10/17). Escolas, papel e digital: a triste sina das más imitações portuguesas. Público.
Villar, F. (2023). Como las pantallas devoran a nuestros hijos. Herder Editorial. 152 pp.
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