Petição Pública
Pedonalização da Rua da Prata: os riscos de o fazer sem repensar a mobilidade na Baixa de Lisboa

Assinaram a petição 303 pessoas
Os abaixo subscritos vêm apresentar a V. Exas. as preocupações suscitadas pelo anúncio da intenção de fechar a Rua da Prata ao trânsito, caso tal iniciativa não seja acompanhada de alternativa para o escoamento do tráfego, que não passe pelo desvio de trânsito para a Rua da Madalena, onde as emissões poluentes e o ruído são já insustentáveis.


Se não se pensar em alternativas à circulação, em sentido Sul-Norte, que até recentemente se fazia pela Rua da Prata, o trânsito continuará a ser empurrado para as “margens” da Baixa: a Rua da Madalena e a Rua do Alecrim.

Contudo, a Rua da Madalena como via de atravessamento Sul-Norte é uma opção que contraria os objetivos positivos que poderiam ser almejados com a pedonalização (melhores condições para os peões, redução das emissões).

Com efeito, a Rua da Madalena é, justamente, a rua com menos vocação para essa responsabilidade, pelas seguintes razões:

– Pela sua orografia difícil e pelo excesso de tráfego que já hoje a atravessa, a esta é já uma das mais (senão a mais) poluídas e ruidosas da Baixa;

– Tem uma pendente acentuada, apresentando uma inclinação de 10% – subindo cerca de 25 metros entre a Rua da Alfândega e o Largo do Caldas, o equivalente a um prédio de 10 andares;

– É a que apresenta menos ventilação: não tem abertura para o rio a sul; a poente não oferece perpendiculares na maior parte da sua extensão (entre a Rua da Conceição e o Poço do Borratém); e é mais estreita que as principais ruas da Baixa;

– A sobrecarga de tráfego na Rua da Madalena tem impacto significativo nas ruas adjacentes, em particular na Rua das Pedras Negras, na Rua de Santo António à Sé e na Rua de São Mamede, ruas que não têm dimensão para suportar esse acréscimo.

Na falta de medições disponibilizadas pela Câmara ou por outras entidades credenciadas, os moradores já fizeram medições informais, em automóveis próprios, comparando o consumo verificado ao subir a Rua da Madalena com percurso paralelo através da Rua da Prata, tendo concluído . Concluímos que o consumo duplica (comparando o percurso completo) ou mesmo triplica (quando comparamos somente a primeira metade do trajeto, equivalente à subida).

O centro de Lisboa tem uma configuração particular: uma parte plana ladeada por colinas. Limitar o trânsito somente na parte plana, “empurrando-o” para as colinas adjacentes, não faz sentido do ponto de vista ambiental. Com efeito, uma decisão destas não pode ser desenhado olhando para uma planta “a 2D”; há que olhar para a “visão 3D” que resulta da topografia.

Dessa visão resultarão claras as consequências do desvio para a Rua da Madalena do trânsito da Rua da Prata: um insuportável acréscimo de poluição, como se verifica desde que, em dezembro de 2022, o coletor da rua da Prata abateu. Segundo contagens realizadas pela Junta de Freguesia de Santa Maria Maior, passaram a atravessar a Rua da Madalena cerca de 6000 carros por dia (um terço dos quais veículos pesados, como autocarros e camiões, que antes não transitavam nesta rua), notando-se já sinais de abatimento do solo em vários pontos. Esta rua não está preparada para tanto tráfego, muito menos tráfego de pesados.

Não há dúvidas de que as emissões atuais na Rua da Madalena excedem já os limites admissíveis, não podendo, em nome da saúde de quem aí vive (incluindo muitas crianças), circula e trabalha, aceitar que se agrave a situação.

Note-se ainda que, ao contrário da Rua da Prata, que tem 2 faixa de rodagem, a Rua da Madalena tem apenas 1 faixa de circulação. Desde que a Rua da Prata entrou em obras e passou a haver um acréscimo de trânsito, nomeadamente de pesados, na Rua da Madalena, a circulação de ambulâncias foi dificultada, já se tendo presenciado situações em que estas se veem impedidas de circular com a necessária emergência.


Assim, a perspetiva de fecho ao trânsito da via de circulação Sul-Norte na Baixa de Lisboa só é viável se se pensar de forma global a mobilidade da zona. É necessário efetivamente diminuir de forma significativa o número de carros que atravessam a Baixa sem que a tenham como destino (através de medidas vinculativas e com controlo efetivo, e não através de meras “recomendações”, que, como se viu recentemente, não surtem qualquer efeito) e definir alternativas para o trânsito que, antes, circulava em sentido Norte pela Rua da Prata (como, por exemplo, a Av. Mouzinho de Albuquerque). Aliás, a pedonalização de qualquer rua da Baixa (seja a da Prata seja qualquer outra), só é viável se acompanhada de uma redução séria do tráfego de não residentes e de medidas de regulação do tráfego e veículos de animação turística.

Por último, refira-se que a imagem fictícia da Rua da Prata sem carros, com pessoas a frui-la a pé, cenário à primeira vista tão agradável, se adivinha ilusória. Olhando para o caos em que a Baixa está hoje mergulhada, temos poucas razões para ser otimistas sobre a qualidade do espaço urbano que resultará de uma Rua da Prata fechada ao trânsito. Não se consegue deixar de adivinhar a Rua da Prata cheia de esplanadas incontroláveis, ao ponto de ser quase impossível circular a pé, como hoje sucede na Rua Augusta. Junto com as esplanadas vem a presença de contínuo ruído, música e "animação" de toda a espécie, incluindo com amplificadores (ilegais, mas sem qualquer fiscalização eficaz), sem qualquer qualidade identitária ou turística, a inviabilizar a serenidade em espaços habitacionais ou comerciais. Ou seja, em vez de uma nova rua para fruir a pé, será mais uma rua que - como sucede com a Rua Augusta - quem passa na Baixa diariamente faz tudo para evitar.

Enfrentar a crise da habitação em Lisboa passa também por evitar a fuga de residentes do Centro. Todos os residentes da Baixa sabem que poderiam vender as suas casas a estrangeiros rapidamente. Se têm escolhido não o fazer é com a expectativa que a qualidade de vida possa melhorar, embora o que se venha verificando nos últimos anos é uma acentuada deterioração.


Recordamos que, aquando do anúncio do projeto “ZER – Zona de Emissões Reduzidas”, no início de 2020, todas estas preocupações foram levantadas, quer pelos moradores quer pela Junta de Freguesia de Santa Maria Maior, tendo sido organizadas reuniões de moradores com o Executivo camarário para discutir essas preocupações. Do diálogo com a Câmara Municipal já tinha resultado a conclusão de que o escoamento do trânsito pela Rua da Madalena não era boa solução, tendo havido o compromisso de repensar a solução.

Esperamos que também o atual Executivo esteja recetivo a ouvir e ter em conta as preocupações dos habitantes da Baixa.

Face ao exposto, os subscritores da petição solicitam:

- A auscultação e participação dos residentes da Baixa nos processos decisórios que envolvam alterações na mobilidade, nomeadamente nas alternativas à circulação na Rua da Prata;

- A medição das emissões poluentes e do ruído na Rua da Madalena, para que a decisão possa ser tomada na posse de dados objetivos;

- A avaliação do impacto da circulação de uma média de 6 000 veículos ligeiros e pesados, por dia, na Rua da Madalena (dados obtidos por contagem da Junta de Freguesia territorialmente competente) na qualidade e segurança da infraestrutura rodoviária, no constrangimento à circulação rodoviária e pedonal, no direito ao descanso e à saúde de quem vive e circula nesta rua e na integridade do edificado;

- A avaliação de alternativas ao escoamento do trânsito da Baixa que não passem pela sobrecarga da Rua da Madalena e pela perda de qualidade de vida dos moradores;

- A efetiva diminuição do tráfego de atravessamento da Baixa, através de medidas vinculativas e eficazes;

- A aplicação de medidas de regulação do tráfego rodoviário, com particular enfoque nos veículos de animação turística e de transporte individual de passageiros (TVDE), com meios de fiscalização eficazes;

- A salvaguarda do usufruto do espaço público que venha a ser libertado pela eventual pedonalização de ruas da Baixa, evitando que estas se tornem monofuncionais, sobreocupadas e ruidosas e acautelando as legítimas necessidades de acesso dos moradores.
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