Petição Pública
Radiologia na Estomatologia, Medicina Dentária e Medicina veterinária

Assinaram a petição 4 568 pessoas
Senhor Primeiro-Ministro


Excelência,

Os profissionais que abaixo se subscrevem, integram em Portugal o vasto universo de estomatologistas e médicos dentistas presentes na Academia e no exercício profissional quotidiano, por isso sentindo absoluta necessidade de solicitar a intervenção de Vossa Excelência, Senhor Primeiro Ministro, a fim de se reparar o grande mal que, para a saúde oral, representa a vigência e a concreta aplicação que tem vindo a ser feita entre nós do Decreto-Lei n.º 108/2018, de 3 de dezembro, adiante, o decreto-lei, que procedeu à transposição para o direito interno da Diretiva 2013/59/Euratom, do Conselho, de 5 de dezembro, que fixa as normas de segurança de base relativas à proteção contra os perigos resultantes da exposição, neste caso a exposição planeada, a radiações ionizantes.

Procurando sintetizar motivos, importa dizer que este diploma contem exigências insensatas e praticamente impossíveis de cumprir por alguns dos setores profissionais aos quais se destina, desde logo pelos da Estomatologia e Medicina Dentária. Um dos seus primeiros efeitos é o de como que atirar milhares de aparelhos de radiologia para a ilegalidade ou para uma inapelável obsolescência. Aparelhos esses, a operar sem incidentes nas clínicas, nos consultórios, nos hospitais públicos, nos privados e até nos estabelecimentos do setor social.

Impõe-se, neste quadro, primeiro, equacionar uma rigorosa análise de risco, para, depois, daí se poder partir para a justa imposição de regras que, ao não serem alteradas, implicarão perda da qualidade dos cuidados de saúde prestados aos pacientes e custos incomportáveis para as estruturas prestadoras dos mesmos, que sempre se caracterizaram por ser de excelência, de molde a preservar a premissa da preservação e manutenção da saúde da população em geral e da saúde dos profissionais envolvidos.

De registar, em especial, o seguinte:

1- Desde 2 de abril de 2019, a entidade responsável pelos processos de registo (aparelhos intra-orais e ortopantomografos) e de licenciamento (Tomografia computorizada de feixe cónico / TCFC ou CBCT), passou a ser a Agência Portuguesa do Ambiente (APA), assumindo poderes de entidade fiscalizadora a Inspeção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território (IGAMAOT);

2- Sucede que estes dois organismos públicos como que esvaziaram o mercado disponível de especialistas em física médica, procedendo ao seu exaustivo recrutamento, o que torna inviável o cumprimento de uma das exigências centrais da nova lei;

3- Isto porque é determinado aos destinatários do decreto-lei, precisamente que celebrem um contrato com um especialista em física médica, sabido que, segundo o sítio na internet da ACSS, só existem 16 daqueles profissionais a atuar na área de radiologia/radiodiagnóstico, para todo o país;

4- Note-se que, quatro deles atuam nesta área, mas ligados à medicina nuclear ou à radioterapia, áreas que não confluem na saúde oral;

5- Uma entidade reguladora de qualquer atividade tem que zelar para que o mercado funcione e se diversifique na oferta dos serviços, exigindo rigor, de modo a que a lei possa ser cumprida, papel esse que, no caso, cabe à APA;

6- A APA, retior, o sistema ora introduzido pelo decreto-lei, não pode razoavelmente pretender receber informação, proveniente das empresas contratadas e pagas pelos proprietários dos equipamentos radiológicos, sobre as desconformidades detetadas aquando dos controlos de qualidade dos mesmos, nem que isto seja de imediato comunicado à entidade fiscalizadora, a IGAMAOT, daí resultando contra-ordenações e coimas avultadas;

7- A bem da verdade, isto significa pagar para ser denunciado;

8- A preocupação do legislador é também a preocupação dos profissionais da saúde oral portuguesa, que dia após dia pugnam pelas melhores práticas de segurança dos pacientes, dos seus colaboradores e, naturalmente, deles próprios;

9- De resto, quando comparados, os dados de exposição de várias clínicas de saúde oral, conclui-se que, aí, a dose equivalente acumulada é, em regra gera, meramente residual, reportada como 0,00mSv;

10- A lista de empresas certificadas pela APA, publicada no seu sítio na internet, é muitíssimo reduzida, o que deixa a lei mercantil da oferta e da procura à mercê de algo que podemos considerar como exemplo de especulação de preços na prestação dos seus serviços;

11- Serviços esses que, pela complexidade dos processos de registo/licenciamento, nos deixam reféns de valores que nos últimos meses aumentaram exponencialmente, observação factual indesmentível, mesmo para quem se queira afastar da corrente das teses de uma eventual suposta concertação de preços;

12- A Autoridade da Concorrência poderia, entretanto, com assinalável proveito público, manifestar-se sobre este ponto;

13- Deve, pois, neste contexto ser necessariamente tido em linha de conta
- que o tecido económico em que assenta a saúde oral em Portugal, é composto essencialmente por micro e PME,
- que os valores a suportar com o acompanhamento dos referidos processos administrativos, podem ascender a cerca de 10.000€, (em franco contraste com os cerca de 200€ que eram cobrados previamente à entrada em vigor do decreto-lei, i.e., 50 vezes mais, portanto), e
- que os efeitos do modelo oligopolista do atual mercado têm vindo a revelar-se negativamente em dois pontos sensíveis, no preço e na disponibilidade para aceitar a prestação dos serviços e cumpri-los em tempo razoável/legal;

14- Por outro lado, é de extrema importância garantir a adequada recolha do consentimento informado do paciente, prévio a qualquer radiografia a efetuar;

15- Mas impõe-se reconhecer a diferenciação de atuação, em função dos exames realizados, sendo suficiente um consentimento informado para os exames intraorais e um para cada um dos exames extraorais;

16- Na formação universitária dos estomatologistas e dos médicos dentistas está já presente a vertente de radiologia, incluindo a radioproteção, como não poderia deixar de ser;

17- Não se pode reconhecer ao novo regime jurídico, nem a quem o representa, competência para questionar a formação adquirida pelos atuais titulares de graus académicos em medicina e medicina dentária, validados pela Agência de Avaliação e
Acreditação do Ensino Superior, e com carteira profissional atribuída pela Ordem dos Médicos (OM) e pela Ordem dos Médicos Dentistas (OMD);

18- Os estomatologistas e os médicos dentistas estão, no entanto, recetivos à formação contínua, adequada aos seus conhecimentos e competências, num formato de atualização, com o objetivo de garantir a adequação dos exames prescritos e das técnicas usadas, a análise dos mesmos e a segurança de todas as partes envolvidas;

19- Pretende-se uma transposição da diretiva europeia justa, aplicável, e que vá de encontro à realidade do país que somos e dos meios de que dispomos;

20- Neste âmbito, recorde-se que o setor sempre foi enquadrado por entidades ligadas à área da saúde, conhecedoras da visão médica, razão por que, ao passarem essas competências para uma entidade ligada à área do ambiente, marca-se um desfasamento e cinzela-se uma inadequação, aliás insuperáveis até ao momento;

21- O que move quem subscreve a presente exposição é a vontade de cumprir e de melhorar as condições de segurança e a qualidade do ato médico da saúde oral portuguesa, em prol da saúde oral;

22- Para tanto, pedimos tempo, suspensão de coimas e contraordenações enquanto se trata dos documentos e processo de legalização e uma urgente simplificação dos procedimentos;

23- Neste momento, os consultórios e os demais estabelecimentos de saúde oral, na sua maioria estão a ser empurrados para uma semiclandestinidade e a serem alvo preferencial pela Autoridade Inspetiva;

24- Supostamente, a lei que viria aportar qualidade e segurança, só trouxe ansiedade e doença, de cada vez que estes profissionais se vêm confrontados/ameaçados com coimas incomportáveis, por situações de incumprimento involuntário, totalmente desajustadas da área médica em que atuam;

25- As clínicas de saúde oral sofrem os efeitos devastadores da pandemia por SARS-CoV-2, tendo contado com uma ajuda económica manifestamente deficiente por parte do Estado;

26- Os pequenos consultórios e clínicas acabarão por desaparecer, por não encontrarem alternativa ao encerramento definitivo;

27- Em Portugal, a saúde oral está praticamente entregue ao setor privado, que trata a maior parte dos pacientes, uma vez que o SNS não dá cobertura suficiente para esta vertente da medicina;
28- Nos últimos 15 anos, a saúde oral portuguesa tem vindo a desenvolver um trabalho intenso e frutífero para elevar o nível da saúde oral dos portugueses, passando-se do pior registo da UE para um dos cinco primeiros lugares;

29- A aniquilação dos profissionais de saúde oral é a derrota da saúde oral dos portugueses, com o que enfrentaremos um desastroso problema de saúde pública;

30- Pretende-se, em conclusão, uma transposição da diretiva europeia que seja justa, aplicável e que vá de encontro à realidade do país que somos e dos meios de que dispomos, coisa bem diferente daquilo que, neste momento, constitui a realidade do dia-a-dia dos estomatologistas e médicos dentistas;

31- Importa, nesta senda, reconhecer que constitui um pequeno passo, muito insuficiente embora mas dado na boa direção, o recente Acordo de Princípios, celebrado entre a APA e a Ordem dos Médicos Dentistas, por via do qual se procede à “adoção de um período de adaptação de 18 meses”, mediante o preenchimento de algumas condições por parte dos titulares envolvidos;

32- Trata-se de uma medida que visa, entre outras aspetos, fixar “um quadro de previsibilidade, flexibilidade e realismo”, absolutamente indispensável nesta hora, é certo;

33- Mas constitui um avanço ainda insuficiente, pouco concretizado, ao qual se deve adicionar um esforço de reavaliação e de tomada de outras medidas, mormente legislativas, sempre no sentido da simplificação.

Estas são as razões por que solicitamos a Vossa Excelência, Senhor Primeiro Ministro, que se digne conceder, com a possível brevidade, uma audiência aos subscritores desta exposição, com o único propósito de melhor se apresentar e adicionalmente esclarecer as seríssimas preocupações que nos movem e que supra se tentaram enunciar, a respeito de algumas das defeituosas soluções e inadequadas condições de aplicação do decreto-lei em apreço.

Com os mais respeitosos cumprimentos, subscrevem-se,

Lisboa, 14 de setembro de 2021

Os médicos dentistas e os estomatologistas,
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