Petição Pública
É em Tornes que deve ficar

Assinaram a petição 228 pessoas
Este texto, que abaixo se assina, é a expressão pública da oposição da população de Santa Cruz do Douro e de todos os que a ela se associem, à anunciada trasladação dos restos mortais de Eça de Queiroz para o Panteão Nacional e será entregue a Sua Excelência o Senhor Presidente da Assembleia da República

Em 15 de Janeiro de 2021 a Assembleia da República aprovou a Resolução nº 55/2021 que concede “ honras de Panteão Nacional aos restos mortais de José Maria Eça de Queiroz, em reconhecimento e homenagem pela obra literária ímpar e determinante na história da literatura portuguesa” – sic. Um grupo de trabalho foi incumbido de “determinar a data e definir e orientar o programa de trasladação, em articulação com as demais entidades públicas envolvidas, bem como um representante da Fundação Eça de Queiroz.” – sic.

Descansando em paz há mais de dois anos, a “ressurreição” do tema operada por recentes intervenções públicas reabre a polémica e convoca de novo as vozes discordantes, entre as quais a da própria população de Santa Cruz do Douro, Baião, indignada com tão inexplicável e, por isso, inaceitável iniciativa.

Apesar do merecido respeito institucional pelas Entidades públicas envolvidas, designadamente a Assembleia da República e a Fundação Eça de Queiroz, não podem, os que abaixo assinam, deixar de manifestar a sua firme e fundada oposição, sufragada com entusiasmo e sabedoria nos textos que se juntam, à trasladação dos restos mortais de Eça de Queiroz de Santa Cruz do Douro para o Panteão Nacional.

Partilhando o reconhecimento da genialidade de Eça de Queiroz e da sua obra e a distinção pública que, com a dita Resolução, a Assembleia da República lhe quis conceder, com ela se não conforma a população de Santa Cruz do Douro, onde o Escritor jaz em paz “ ao lado de Sua Filha mais velha, bem perto da sua surrealística Tormes” – sic.

Sem pôr minimamente em causa a bondade do propósito que lhe subjazeu, entendem os que abaixo assinam que a Resolução que autoriza a trasladação ignorou, desde logo, a própria vontade do Escritor, intuída e sustentada por Ilustres académicos, intelectuais, escritores, cidadãos de indiscutível mérito no estudo da Sua vida e da Sua obra. Entre eles o recentemente falecido Arquitecto Campos Matos e o Professor Eugénio Lisboa, retendo-se das autorizadas e discordantes palavras deste último:
“ (…)
Sem se negar a honra que representa [o] depósito de restos mortais de personagens ilustres, nos mais diversos campos de actividade (políticos, militares, educadores, cientistas, escritores, artistas), parece-nos dever ter-se também em conta que poderá haver casos em que o [homenageado], embora merecedor dessa honra, tenha deixado indicado, ou de modo explícito ou, implicitamente, no seio dos escritos que nos legou, o desejo de ficar depositado em determinado lugar….É, flagrantemente, o caso de Eça de Queiroz que ninguém duvida de que, entre o Panteão Nacional e Tormes – terra que glosou no seu admirável romance A Cidade e as Serras – ele escolheria repousar no local onde sempre pensara passar os últimos dias da sua vida.
Se pertencer ao Panteão Nacional é uma honra, não fazer dele parte não é uma desonra…
(…)
O verdadeiro Panteão de um grande escritor é constituído pelos leitores que continuem a mantê-lo vivo depois da morte. Se a posteridade o esquecer, não há Panteão que o possa salvar. A imortalidade não é conferida pelo lugar onde se fica sepultado. É só garantida, quando a obra se mantém visitada, viva e incómoda, para além da morte física do seu criador.” – sic

A Resolução da Assembleia da República, na medida em que concede honras de Panteão Nacional sob a forma de trasladação, também afronta a vontade de um grupo expressivo de Familiares de Eça de Queiroz, entre os quais António Eça de Queiroz, cuja oposição à transferência dos restos mortais de seu Bisavô de Santa Cruz do Douro para Santa Engrácia exprime no texto que se junta.

A essencialidade da inconformada posição que ora se exprime reside na forma das honras concedidas: nos termos do artigo 2º, nº 2 do diploma que define e regula as honras do Panteão Nacional (Lei nº 28/2000, de 29 de Novembro), elas podem consistir, em alternativa à trasladação dos restos mortais do homenageado, na afixação, no local que aí lhe seja destinado, de lápide alusiva à sua vida e à sua obra. Modalidade que assegurará a intuída vontade do Escritor, a de Familiares Seus, a da população de Santa Cruz do Douro e de todos os que a esta causa se associem.

Não sem precedentes, a afixação da lápide, enquanto honra de Panteão Nacional, é a forma que deve ser adoptada para assegurar, com dignidade acrescida, a desejada homenagem a Eça de Queiroz. Homenagem que, dessa forma revestida, a população de Santa Cruz do Douro e todos os que com ela abaixo assinam acompanharão, com o orgulho e o entusiasmo que a singularidade do seu génio e o relevo nacional da sua obra merecem.

Porque “É em Tormes que Eça deve ficar”. – sic. Eugénio Lisboa.

É aqui, na magia deste lugar, que se servirá a Sua vontade e se honrará a Sua memória.


Santa Cruz do Douro, Junho de 2023
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