Apoio aos Princípios e Orientações para a Revisão da Lei de Bases da Saúde
Para: População portuguesa
Enquadramento geral
A principal referência da Lei de Bases da Saúde é a Constituição da República e, em particular, o seu artigo 64º.
Uma Lei de Bases da Saúde visa estabelecer e enquadrar os princípios gerais que devem presidir à política de saúde e à organização do sistema de saúde, em particular do Serviço Nacional de Saúde.
Por ser uma Lei com a legitimidade que lhe é conferida pela Assembleia da República, deve representar a principal referência política a que devem ficar obrigados os programas dos governos nesta matéria. Numa área tão sensível como a Saúde, as oscilações conjunturais de políticas com as decorrentes mudanças de orientações sobre o funcionamento dos serviços acabam por ter um impacto negativo sobre os cuidados a prestar às populações e sobre o seu estado de saúde. É para prevenir estas situações e fixar estratégias de continuidade, actualização, ajuste e melhoria contínua da política de saúde que o acordo alcançado em sede da Assembleia da República sobre a revisão deste diploma deve servir.
A Lei de Bases da Saúde, actualmente em vigor, teve em vista, sobretudo, abrir ao sector empresarial o mercado dos cuidados de saúde. É por essa razão que este diploma, mais do que um quadro conceptual da política de saúde, é uma lei da organização do sistema de saúde. Foi à luz das suas disposições que o sector privado encontrou condições para se desenvolver e concorrer de forma totalmente desregulada com o sector público, cuja tradução está constitucionalmente consagrada no Serviço Nacional de Saúde com os valores que lhe são próprios, de universalidade, generalidade, gratuitidade tendencial e gestão descentralizada e participada.
Passados vinte e sete anos, a Lei de Bases da Saúde carece de revisão e actualização dos seus fundamentos e propósitos. Na actual versão, é a política de saúde que tem estado subordinada ao sistema de saúde cujas características se mantêm predominantemente clínicas. Embora esta escolha tenha tido efeitos positivos no plano da prestação de cuidados na doença, ficaram a descoberto importantes dimensões de qualquer política de saúde, a saber, a promoção da saúde, a prevenção da doença e a saúde pública. E no entanto, são, de facto, estas dimensões que mais podem contribuir para a diminuição das desigualdades em saúde e a carga de doença.
Se hoje se discute e se procuram encontrar soluções para a sustentabilidade do SNS é porque a atenção esteve toda concentrada do lado do financiamento dos serviços que prestam cuidados na doença e se omitiu o investimento que era necessário realizar do lado da protecção e da promoção da saúde das populações. É esse défice que é necessário colmatar, com a consciência de que a mudança que se tornou inadiável concretizar só terá resultados no médio e longo prazo, na medida em que o desafio se coloca do lado de um processo colectivo e cultural que é necessário dinamizar.
Sendo os cuidados curativos necessários, eles têm-se mostrado, no entanto, insuficientes para responder aos desafios colocados pela exigência de se viverem os potenciais anos de vida com mais e melhor saúde. Essa é uma tarefa que extravasa os muros das instituições prestadoras de cuidados de saúde para abranger e incluir todos os actores e organizações das comunidades. É, por isso, legítimo defender, tanto no plano técnico como no plano social e económico, que uma Lei de Bases consagre o alargamento do perímetro do SNS a esses actores sociais públicos, como a escola, a autarquia, a segurança social e a sociedade civil organizada, por exemplo, através de melhores mecanismos de articulação e participação, aplicação de ferramentas colaborativas e de e-government
Dirigindo-se e respondendo às necessidades de saúde individuais e colectivas, a política de saúde deve estar centrada nas comunidades locais e nos seus recursos, orientar-se pelos princípios da solidariedade e da equidade, e assumir o compromisso de contribuir para que os serviços sejam prestados com os mais elevados padrões de qualidade, à luz do melhor conhecimento disponível.
O Serviço Nacional de Saúde representa o suporte institucional predominante da política de saúde, que tem nos seus profissionais o recurso mais valioso para a obtenção dos melhores resultados dos serviços prestados. A formação, a investigação, a qualificação e o enquadramento em carreiras, assim como o aproveitamento integral das competências capaz de gerar novas abordagens de organização do processo de cuidados e de participação multiprofissional e multidisciplinar dos profissionais da saúde são, por isso, a condição e a exigência que garantem os melhores resultados dos cuidados prestados.
No plano das garantias, a cobertura universal e o acesso oportuno representam exigências que devem estar obrigatoriamente consagradas num diploma com as características de uma Lei de Bases. Cobertura universal dos serviços públicos de base geodemográfica que satisfaça integralmente as necessidades em saúde das populações. Acesso oportuno que cumpra os critérios tanto da promoção da saúde, como da prevenção e das situações de doença.
Uma Lei de Bases da Saúde deve assumir o compromisso de aplicar as recomendações que as organizações nacionais e internacionais competentes, designadamente a Organização Mundial de Saúde, considerem úteis para a melhoria da saúde das populações.
Nesta perspectiva, a Lei de Bases da Saúde que melhor serve esta estratégia é aquela que estabeleça os princípios orientadores da política de saúde e os princípios orientadores da organização do sistema de saúde, em particular do Serviço Nacional de Saúde, enquanto instrumento subordinado às dimensões e prioridades da política de saúde.
Princípios e orientações da política de saúde
Princípios gerais
Os portugueses têm não só o direito como a legítima expectativa de gozar o maior número de anos da sua vida com saúde. Os anos de vida saudáveis representam o objectivo e o indicador mais importante que a política de saúde, seja ela qual for, deve fixar e para os quais é necessário encontrar mecanismos intersectoriais facilitadores da sua concretização.
Por essa razão, a finalidade mais relevante de uma política de saúde deve ser contribuir para a manutenção dos mais elevados padrões de saúde da população. Para esse efeito deve aproveitar e comandar todas as oportunidades para influenciar as políticas sectoriais que tenham impactos positivos sobre os determinantes da saúde. O investimento na Saúde deve resultar num maior bem-estar da população, indispensável para o desenvolvimento social e para a concretização dos projectos de vida individuais e colectivos.
Neste sentido, é útil fazer uma referência às conclusões da reunião da OMS para a Europa realizada em Baku, em Setembro de 2011. Entre as estratégias identificadas está o “Investimento na saúde das pessoas e a capacitação das comunidades”. As metas selecionadas para esse fim estão centradas na saúde das crianças, dos jovens, dos idosos, e nos grupos vulneráveis, incluindo os que têm menos rendimentos e migrantes, apresentando-se como exemplo a diminuição da pobreza das crianças.
As propostas actualmente em discussão estão relacionadas com as metas desta estratégia e abrangem vários eixos, destacando-se, a saúde (qualidade de vida percebida, mortalidade, morbilidade e esperança de vida), o acesso aos cuidados de saúde, a educação (anos completos de escolarização, literacia em geral e literacia para a saúde, competências adquiridas), o ambiente (alterações climáticas, ordenamento e planeamento do território, acesso e qualidade dos transportes públicos, mobilidade, habitação, espaços verdes seguros, qualidade do ar e da água, ambiente laboral e poluição), a economia (emprego, condições de trabalho, aposentados, lazer). O aumento e capacidade de resiliência das comunidades implicam que a política de saúde deve estar centrada nas pessoas e orientada para o seu quotidiano, e em que tanto os indivíduos, como as famílias e as comunidades estão em condições de avaliar a qualidade dos cuidados prestados e de participar nas decisões que respondam às suas expectativas e necessidades.
Por esta razão, uma Lei de Bases da Saúde deve oferecer uma visão alargada e global da saúde, privilegiando as iniciativas locais de mudança e reconduzindo as pessoas ao papel de co-responsáveis da saúde individual e colectiva.
I - Direitos e deveres dos cidadãos
1. Todos os cidadãos têm direito à saúde nos termos da Constituição da República, incluindo a expectativa de viver o maior número de anos com boa saúde.
2. Os cidadãos têm direito a que os serviços públicos de saúde se constituam, organizem e funcionem segundo os seus legítimos interesses.
3. Constitui direito dos cidadãos que o Estado participe na promoção da saúde, garanta a prevenção da doença e a prestação de cuidados na doença, na convalescença e na reabilitação.
4. Os cidadãos têm direito à protecção da saúde através de estratégias de promoção da saúde e de prevenção da doença, centradas na saúde pública e individual, considerando-se a multidimensionalidade dos aspectos da vida.
5. É direito dos cidadãos disporem de uma rede pública de cuidados de saúde primários, de cuidados hospitalares, de cuidados domiciliários, de cuidados de emergência, de cuidados domiciliários e de cuidados continuados/paliativos.
6. Os cidadãos têm o direito e o dever de defender a saúde individual e colectiva.
II – Direitos e deveres dos utentes
1. Escolher, de acordo com as regras de organização, o serviço e agentes prestadores.
2. Decidir, receber ou recusar a prestação de cuidados que lhes é proposta, salvo disposição especial da lei.
3. Ser tratados pelos meios adequados, humanamente e com prontidão, correcção técnica, privacidade e respeito.
4. Ser rigorosamente respeitada a confidencialidade sobre os dados pessoais revelados.
5. Ser informados sobre a sua situação, as alternativas possíveis de tratamento e a evolução provável do seu estado.
6. Receber, se o desejarem, assistência espiritual.
7. Avaliar os cuidados prestados, reclamar e fazer queixa sobre a forma como são tratados e, se for caso disso, a receber indemnização por prejuízos sofridos.
8. Constituir entidades que os representem e defendam os seus interesses, com direito a participar nos órgãos locais de saúde.
9. Constituir entidades que colaborem com o sistema de saúde, nomeadamente sob a forma de associações para a promoção e defesa da saúde ou de grupos de amigos de estabelecimentos de saúde.
10. Observar as regras sobre a organização e o funcionamento dos serviços e estabelecimentos.
11. Respeitar os profissionais de saúde e com eles colaborar, nomeadamente em relação à sua situação clínica.
12. Utilizar os serviços de acordo com as regras estabelecidas;
13. Conhecer e respeitar os direitos dos outros utentes.
III - A promoção da saúde
1. Sendo um processo eminentemente colectivo, intersectorial e transversal, deve privilegiar-se a participação de todos os actores da comunidade com implicações directas ou indirectas na sua concretização, contribuindo desta forma para o desenvolvimento sustentável da sociedade, dando-se assim expressão prática à Agenda 2030 de Desenvolvimento Sustentável, aprovada pela ONU, em 2015.
2. A promoção da saúde ocupa-se da população nas várias dimensões da sua vida quotidiana, exigindo, por isso conhecimentos, competências e capacidades individuais e colectivas para fazer escolhas informadas e tomar e manter as melhores decisões, que respeitem as necessidades e as preferências individuais e, a nível colectivo, critérios pré-definidos e públicos. As intervenções baseadas na evidência científica incluem a mobilização de fatores cognitivos, sociais, emocionais e interpessoais em prol de uma saúde positiva.
3. Os determinantes da saúde, entre as quais os factores sociais e económicos, o ambiente natural, o ambiente familiar, o ambiente escolar, o ambiente laboral, o ambiente comunitário e os estilos de vida – saúde mental, nutrição saudável e equilibrada para as necessidades do grupo etário, atividade física regular e competências para lidar com o risco de dependências como o tabaco e o álcool, entre outros – devem merecer uma atenção particular, considerando a relevância que merecem os contextos interpessoais gratificantes favorecedores de comportamentos socialmente responsáveis e éticos.
4. Compete ao Estado, tanto a nível central como local, em estreita colaboração com as organizações locais, e com o envolvimento e participação activa dos indivíduos e das famílias, criarem, dinamizarem e manterem planos coordenados de intervenção, gerais e específicos, ajustadas ao perfil de saúde de cada comunidade.
5. A abordagem da promoção da saúde é diversa e variada, devendo actuar em diferentes meios, entre os quais a educação, a informação, a organização comunitária, a protecção da infância, a defesa da saúde e a legislação, e fazer uso de diferentes recursos em prol da capacitação e resiliência da pessoa que aprende e actua no desenvolvimento das suas capacidades de compreensão, gestão e investimento favoráveis à saúde da sua comunidade, à prevenção e ao tratamento.
IV- A prevenção da doença
1. Consistindo no desenvolvimento e aplicação de estratégias de controlo e antecipação da exposição a factores de riscos para a saúde – físicos, biológicos, sócio-laborais e psicológicos -, o seu campo de acção resulta da identificação e caracterização de fenómenos e acontecimentos cujos efeitos carecem de intervenção precoce.
2. Na Lei da Bases da Saúde, a prevenção da doença tem o seu lugar privilegiado na interface entre os serviços de saúde e a comunidade, a qual deve servir como plataforma para a aquisição de informação, tomada de consciência e aquisição de competências para lidar com os riscos gerais e específicos. A centralidade da intervenção deverá estar no reforço dos factores protectores da saúde, devidamente articulados com as políticas de saúde a nível nacional, regional e local.
3. Tendo em conta os factores de riscos a que o indivíduo está exposto ao longo do ciclo de vida e a acumulação dos seus efeitos, na prevenção da doença deverão intervir todos os mecanismos cuja base técnico-científica seja evidente, tenha mostrado ser efectiva, socialmente aceite e facilmente incorporada na rotina social.
4. As doenças transmissíveis, as doenças genéticas e as anomalias congénitas, a gravidez precoce, a carência de apoio na saúde da criança, os acidentes, o deficiente aproveitamento escolar, as manifestações de importantes disrupções na família, na escola e no trabalho, o isolamento dos idosos, são exemplos de situações em que a intervenção intersectorial e multidisciplinar se deve impor para prevenir consequências que podem afectar seriamente a saúde das populações.
5. A prevenção da doença envolve uma abordagem positiva da saúde, que envolve as dimensões da saúde física, mental e emocional, participação social e comunitária, actividades da vida diária, dimensão espiritual e qualidade de vida
V - A saúde pública
1. Consistindo no estudo da influência dos factores biológicos, incluindo os genéticos, ambientais, sociológicos, comportamentais e organizacionais, a saúde pública é também o conjunto de acções e actividades decorrentes da necessidade de promover o bem-estar dos indivíduos e das comunidades.
2. A saúde pública é a ciência de promover a saúde, prevenir doenças, prolongar a vida e o bem-estar, recentrando as politicas de saúde nas pessoas e no seu quotidiano, nas famílias e nas comunidades, tendo em conta as suas necessidades, expectativas, participação e capacidade de tomar decisões.
3. Na Lei de Bases da Saúde, deve competir a este ramo das ciências da saúde um papel determinante no enquadramento institucional das acções de promoção da saúde e de prevenção da saúde, mas também dos impactos populacionais da medicina curativa.
4. Compete à Saúde Pública acompanhar a evolução do estado de saúde da população através de um conjunto de instrumentos de observação e vigilância especificamente desenhados para detectar precocemente ameaças ou alterações, mas também tendências de longo prazo, identificar áreas de intervenção e avaliar e monitorizar os efeitos das medidas adotadas.
5. As intervenções em Saúde Pública deverão funcionar em rede, ser suportadas por repositórios de conhecimento, por sistemas dedicados de apoio, disponíveis em todos os patamares do sistema, e dispor de um fundo de emergência que possibilite, quando necessário, actuar com sinergia, rapidez e a eficiência.
6. Devem igualmente estar garantidos os dispositivos legais que permitam às estruturas de saúde pública actuar com total independência do poder político, cumprir os seus objetivos de observação e vigilância da saúde da população, e produzir a evidência científica necessária à tomada de decisão.
7. Tratando-se de um instrumento da política de saúde, cuja natureza é multidisciplinar e intersectorial, e em que a sua contribuição para aumentar os anos potenciais de vida saudáveis é indispensável, a respectiva intervenção deve considerar a estrutura social e demográfica das comunidades de maneira a actuar com a precisão necessária à obtenção de ganhos efectivos em saúde.
VI - A saúde em todas as políticas
1. Este desígnio, aprovado pela Declaração de Adelaide, em 2010, e recomendado pela OMS, significa a adopção de medidas em todas as políticas sectoriais que contribuam para aumentar o impacto positivo sobre a saúde da população.
2. Numa Lei de Bases, a saúde em todas as políticas deve representar o reconhecimento do papel que as políticas sectoriais têm na contribuição que podem dar tanto no plano local, como regional e nacional, configurando um contrato social em que todos concorrem para a melhoria do bem-estar das populações.
3. O principal desafio da saúde em todas as políticas consiste na contribuição que cada sector da governação e das actividades produtivas pode dar para a saúde, e também na criação de mecanismos de coordenação que potenciem e concretizem as iniciativas de cada actor social, económico e político.
4. A saúde em todas as políticas tem como um dos seus principais instrumentos de intervenção a análise e avaliação do impacto que a actividade social tem sobre a saúde das populações, e as recomendações das melhores práticas que cada sector deve observar.
5. A educação, o meio ambiente, a habitação, os serviços comunitários, a cultura, a justiça, a economia, o emprego, a agricultura, a segurança e os transportes, são exemplos de áreas da actividade social em que devem estar identificadas as contribuições que estão ao seu alcance e podem dar para o bem-estar social.
VII - A cobertura universal e o acesso
1. A cobertura universal é o valor de solidariedade a que a sociedade se obriga para que todos fiquem ao abrigo das incidências indesejáveis.
2. Enquanto exigência social e imperativo constitucional, na Lei de Bases da Saúde a cobertura universal deve representar a garantia de que estão disponíveis, em cada área geodemográfica pré-definida, todos os recursos para responder em todo o território às necessidades da promoção da saúde, da prevenção da doença, da saúde pública e da doença.
3. A cobertura universal é garantida pelo SNS, cujas respostas, tanto as programadas como as episódicas, estarão acessíveis e a tempo de produzirem o melhor resultado tecnicamente esperado.
4. O acesso aos cuidados de saúde deve representar a garantia de resposta oportuna e nos melhores padrões de qualidade a todas as dimensões da saúde individual e colectiva, e a abolição dos obstáculos profissionais, financeiros e geográficos à prestação de cuidados.
5. A Lei de Bases da Saúde deve incluir a obrigação do cumprimento integral da Carta dos Direitos de Acesso aos Cuidados de Saúde pelos Utentes do SNS, aprovada pela Lei 41/2007, da Assembleia da República.
6. O acesso útil deve ter como referência a duração óptima de tratamento de cada episódio de doença ou de vigilância da saúde, incluindo a globalidade e a continuidade de cuidados, sejam eles institucionais ou domiciliários.
7. O acesso verificado, aquele em que o contacto directo com o prestador fica satisfeito, deve incluir a resposta completa que satisfaça o respectivo grau de gravidade da ocorrência. Em alternativa, deve estar bem identificado o circuito de circulação capaz de cobrir as necessidades integrais em causa.
8. Sendo um acto de procura e de oferta de prestação de cuidados, o acesso comporta uma dimensão subjectiva, no caso da procura individual de cuidados, e uma dimensão normativa, no caso da oferta de cuidados a grupos populacionais. No último caso, em que os potenciais utilizadores são grupos vulneráveis ou de risco, o acesso deve ser disponibilizado e facilitado utilizando todas as modalidades de contacto activo.
9. O acesso, na sua dimensão operacional, tem ser suficientemente informado para o contacto com os prestadores, e orientador da natureza dos cuidados que vão ser prestados.
10. Deve-se entender que a facilidade de acesso e a oportunidade com que as respostas são prestadas dizem tanto respeito à prevenção da doença e ao diagnóstico e tratamento.
11. A prestação de cuidados de saúde na rede de serviços do SNS é gratuita.
Princípios e orientações da organização do sistema de saúde
Princípios gerais
É consequência direta do primado constitucional que estabelece “o Serviço Nacional de Saúde” como tendo “gestão descentralizada e participada” aplicar-se-lhe o princípio da subsidiariedade, em que o central e o local - serviços de saúde locais, autarquias, segurança social e outros - devem sempre encontrar a melhor maneira de concretizar as respostas na esfera da prestação de cuidados de saúde, em vez do recurso a decisões centralizadas e distantes.
Considerando a necessidade de observar os princípios da equidade da distribuição dos recursos em todo o país, a qual visa impedir o desenvolvimento de desigualdades regionais e locais, a gestão descentralizada deverá equilibrar-se, no plano nacional, com a necessidade da defesa de regras de financiamento correctoras de desigualdades identificadas, da defesa dos utilizadores do SNS e da regulação profissional
A rede de estabelecimentos do SNS constitui um todo coerente de unidades que dividem e articulam entre si as obrigações de prestação de cuidados de saúde, nas funções preventiva, curativa, reabilitadora e de cuidados continuados, segundo princípios de cooperação, integração e articulação dos serviços. São instrumentos privilegiados desta prestação, os hospitais gerais, especializados, centros de saúde, com as suas unidades funcionais, cuidados continuados, cujas funções são exercidas em estreita e mútua colaboração e cooperação.
As unidades prestadoras do SNS devem articular-se com base em plataformas comuns de sistemas de informação acessíveis e articuláveis em todos os pontos do sistema. Todas as informações clínicas dos utentes, quando informatizadas, deverão poder ser de imediato consultadas em todos os locais de acesso, nomeadamente centros de saúde, consultas e internamentos hospitalares e, ainda, serviços de urgência.
A continuidade e a referenciação são dimensões da gestão dos cuidados a que os estabelecimentos de saúde do SNS estão obrigados a obedecer, os quais hão-de estabelecer os limites de cada processo de acordo com as suas funções e capacidade.
O princípio de privilegiar cada vez mais o ambulatório, a tecnologia mini-invasiva e o apoio domiciliário, é adoptado como linha estratégica de modernização da prestação de cuidado. Esta orientação há-de transformar o hospital em unidades com maior capacidade de respostas ambulatórias e multiespecializadas, e valorizar ainda mais os centros de saúde como entidades que gerem o percurso do utilizador no sistema.
As instituições com níveis de maior autonomia organizativa, administrativa e financeira, e de maior responsabilização por via contratual, têm sido geradoras de melhores respostas à procura, com maiores índices de satisfação dos profissionais e dos utentes. Uma tal rede tão complexa e agindo em contextos muito diferenciados de carência, procura e cultura dos utilizadores, impõe respostas ajustadas, finas, para maximizar a eficiência na resposta e na rápida incorporação de novas rotinas que a constante evolução técnico-científica suscitam.
Constituindo os recursos humanos o bem mais precioso do SNS, e tendo em conta a complexidade da rede de serviços do SNS e a elevada formação dos seus profissionais, é de evitar o princípio de direção e gestão dos serviços que reproduzam os modelos de direcção piramidal, de forte pendor administrativo.
Carecendo o SNS de conseguir alcançar maior eficiência na obtenção de ganhos em saúde, o eixo para esse desígnio tem de passar pela radical promoção da pertinência. Pertinência segundo a procura da poupança tendencial do trabalho – as acções devem ser realizadas com o menor consumo de trabalho -, pertinência nas indicações, na qualidade de execução dos procedimentos e no combate à repetição e à redundância. No SNS, a cada actividade - consultas, cirurgias, internamentos ou procedimentos técnicos - há-de corresponder um benefício concreto, preciso e fundamentado no estado da arte, e deve estar orientada para fornecer ao utente o maior valor em saúde possível.
No SNS, para cada condição, só existe um número restrito de combinações ideais de processos que lhe são úteis, cumprindo aos serviços estabelecer as melhores práticas e aplicá-las com a máxima eficiência.
A contratualização deve diferenciar o modelo de financiamento das obrigações correntes do que é inovação, quer em instalações e equipamentos, quer, sobretudo, no financiamento de novos projectos e modelos de organização da prestação. A aplicação de um modelo contratualizado responsabilizador, gerador de autonomia e auto-organização impõe a existência de agências com competência para a negociação económica e financeira entre a parte financiadora e a prestadora, para todos os níveis com uma escala desconcentrada mas de vinculação às orientações de índole nacional.
O desenvolvimento de uma cultura de contratualização, autonomia e autorganização, deverá permitir gerar, a partir da própria vertente do financiamento, estímulos à modernização organizativa e à adopção de modelos matriciais de organização que atravessam o interior das instituições e se articulam por fileiras de cuidados, com uma forte componente de multidisciplinaridade e avaliados pelos resultados.
Em consequência do papel do SNS, as iniciativas de prestação de cuidados de saúde de índole privada, benemérita ou cooperativa, são de natureza subsidiária, e articuláveis com os objetivos prosseguidos pelo SNS. As iniciativas empresariais, cooperativas e beneméritas, hão-de desenvolver-se de acordo com as normas regulatórias de licenciamento dos estabelecimentos de saúde, sendo as conformidades previstas na carta de autorização de funcionamento objecto de avaliação periódica.
I – O sistema de saúde
1. O sistema de saúde organiza-se para proteger a saúde dos indivíduos e da população com vista ao desenvolvimento físico, psíquico, emocional e social indispensáveis a uma sociedade democrática e pluralista, inclusiva de todas as condições biopsicolsociológicas e que respeite todas as idades.
2. O sistema de saúde compreende as estruturas do sector público, privado, social e cooperativo que se dedicam aos cuidados em saúde, e tem por missão acrescentar valor aos cidadãos que a ele recorrem.
3. A componente pública da organização, do planeamento, da administração e da prestação de cuidados em saúde é realizada pelo SNS.
4. O SNS tem uma organização descentralizada segundo critérios geográficos populacionais, facilitadores da participação social, da democraticidade da gestão, da coordenação de cuidados e da racionalidade da utilização dos recursos.
5. O SNS organiza-se em estruturas locais, intermédias e centrais que asseguram subsidiariamente diferentes funções nos diversos níveis de cuidados.
6. O SNS compreende a multiprofissionalidade e transdisciplinaridade na área dos cuidados em saúde.
7. O SNS goza de um estatuto jurídico próprio que suporte a necessária adaptabilidade e flexibilidade no cumprimento das funções constitucionalmente consagrada.
II – As profissões da saúde
1. A formação inicial dos profissionais de saúde tendente à aquisição dos mesmos graus habilitacionais, bem como a formação ao longo da vida profissional, devem garantir elevados níveis de qualificação e integrar modelos sistémicos promotores da aquisição e desenvolvimento de competências, potenciando a indispensável multidisciplinariedade e interprofissionalidade, em que os profissionais têm uma actuação de complementaridade funcional mas dotada do mesmo nível de dignidade e de autonomia de exercício profissional.
2. Face à sua complexidade e especificidade, e sem prejuízo da consideração dos princípios do regime geral dos trabalhadores, a política de gestão dos recursos humanos da saúde terá regime próprio definido em lei que consagrará, designadamente, o mesmo regime jurídico aplicável a todos os trabalhadores. Os profissionais de saúde enquadrarão, no plano orçamental, a área do investimento.
3. Na Lei de Bases da Saúde está garantida a existência de carreiras profissionais de todos os recursos humanos da saúde, em todos os estabelecimentos de saúde, públicos e privados, a sua distribuição ajustada às necessidades em saúde e a remuneração de acordo com a sua qualificação e diferenciação técnica.
4. O desenvolvimento e diferenciação profissional devem ser realizados, em regra, por concurso e baseada em provas públicas.
5. Na contratação de profissionais para o SNS incentiva-se a completa concentração do trabalhador no desempenho das funções por forma a aumentar a eficiência, a inovação e produtividade. Cabe às instituições, no âmbito da sua autonomia administrativa e financeira, nos diferentes contextos em que funcionam e das diferentes respostas que devem dar, concretizar e negociar os termos de prestação com os profissionais, desejavelmente em dedicação plena e tempo integral contratualmente consagrados.
6. Na organização e funcionamento das organizações públicas de prestação de cuidados de saúde devem estar identificados os mecanismos de participação dos profissionais da saúde, assim como nas decisões tomadas pelos respectivos órgãos de gestão, segundo modalidades a estabelecer.
7. Os profissionais da saúde têm direito a exercer plenamente os seus direitos associativos, nomeadamente os sindicais e de outras organizações que os representem.
III – Níveis de cuidados
1. O sistema de saúde compreende os seguintes níveis de cuidados: cuidados de saúde primários, cuidados domiciliários, cuidados de emergência, cuidados hospitalares e cuidados continuados/paliativos.
2. Os níveis de cuidados devem comunicar de forma eficaz e eficiente, coordenada e cooperante, com vista a que a partilha e a coordenação de cuidados se centrem na saúde individual e colectiva, tendo em conta o percurso óptimo do cidadão no sistema.
3. Em cada nível de cuidados haverá articulação com os serviços de segurança e bem-estar social segundo o princípio da multidimensionalidade da saúde, sem prejuízo de confidencialidade dos dados clínicos.
4. São objectivos dos cuidados de saúde primários:
4.1 Possibilitar que as pessoas aumentem o controlo sobre a sua saúde e a possam melhorar.
4.2 Garantir o acesso ao sistema de saúde, como porta de entrada preferencial do SNS, enquanto nível de proximidade centrado na saúde do indivíduo, da família e da comunidade.
4.3 Contribuir para a capacitação dos indivíduos e das comunidades, designadamente através de actividades de promoção da saúde e de prevenção da doença, bem como o acesso à informação da saúde da comunidade.
4.4 Incentivar a participação dos indivíduos, das organizações locais e dos profissionais de saúde, organizados na definição de estratégias locais de saúde, tendo em vista a saúde em todas as políticas.
4.5 Prestação de cuidados na doença, visando a generalidade e a coordenação dos cuidados, garantindo a continuidade e a ligação a outros níveis de prestação de cuidados em saúde.
5. São objectivo dos cuidados domiciliários:
5.1 Proporcionar um espaço privilegiado para a promoção e educação para a saúde, tendo em conta a proximidade que podem oferecer, possibilitando e facilitando o contacto e interacção entre os intervenientes.
5.2 Representar uma modalidade que proporciona, para além de outros aspectos, contacto, interacção, cuidados e interesse. A mesma deve ser entendida como uma das estratégias de intervenção dos profissionais da saúde na prestação de cuidados.
5.3 Prestar assistência aos indivíduos e às famílias, nos seus locais de residência, de maneira a promover, manter ou recuperar a saúde, maximizando o nível de independência ou minimizando os efeitos da deficiência ou da doença terminal.
6. São objectivos dos cuidados de emergência:
6.1 Garantir a atempada e adequada prestação de cuidados em situação de doença súbita ou acidente.
6.2 Assegurar a estabilização, acompanhamento e vigilância durante o transporte até à admissão em unidade de saúde adequada.
7. São objectivos dos cuidados hospitalares:
7.1 Assegurar cuidados que impliquem concentração de tecnologia diagnóstica ou terapêutica e abordagem multi-especializada na identificação de indivíduos em risco de doença, na promoção de programas de vigilância e rastreio, e na definição e acompanhamento de condições de risco ou de doença reconhecida.
7.2 Organizar estratégias de redução de risco, lidar com agudizações, acompanhar de forma continuada e compreensiva o individuo doente ou em risco.
7.3 O hospital deve articular-se com todos os parceiros relevantes na gestão do risco e da doença, em concreto com os outros níveis de cuidados
7.4 Cabe ao hospital desenvolver ofertas de fileiras de cuidados geridos multidisciplinarmente, em especial na esfera do ambulatório especializado, procedimentos mini-invasivos e carentes de curtas estadias, com o objetivo de minimizar os internamentos e de recuperar o mais depressa possível o bem-estar da pessoa doente e a sua completa capacidade de vida activa.
7.5 Garantir a igualdade dos indivíduos na assistência na doença, na equidade do acesso e dos meios complementares de diagnóstico.
8. São objectivos dos cuidados continuados/paliativos:
8.1 Manter e melhorar a saúde dos indivíduos com patologia crónica ou cuja autonomia funcional esteja comprometida ou em risco, designadamente através da reabilitação, readaptação ou reinserção familiar e social.
8.2 Assegurar a qualidade de vida e a dignidade da vida em casos de doença incurável ou grave e com prognóstico limitado.
8.3 Promover o máximo de autonomia para a prossecução da vida em sociedade através da mobilização de parceiros sociais e a articulação de cuidados.
8.4 Prestar assistência em saúde incluindo, se necessário, o internamento, visando-se a prevenção e o alívio de todo o tipo de sofrimento físico e psicológico.
IV – A Organização Local do Serviço Nacional de Saúde
1. A organização local de saúde que melhor se ajusta à política de saúde que tem na promoção da saúde e na prevenção da doença a sua principal orientação estratégica, reúne todos os parceiros formais e informais que contribuam para acrescentar anos saudáveis à esperança de vida.
2. Esta organização tem uma dimensão geo-demográfica intermunicipal, considerando os benefícios que esta escala pode obter na aplicação das medidas, na utilização dos recursos e na medição dos resultados.
3. Esta organização intermunicipal de saúde congrega em sistema de parceria os serviços públicos de saúde, os serviços públicos de ensino, os serviços de segurança social e a autarquia, os quais se constituem em dispositivo intersectorial cooperativo.
4. Esta organização intermunicipal de saúde inclui todos os níveis de prestação de cuidados de saúde e dispõe de autonomia administrativa e financeira.
5. Esta organização intermunicipal de saúde representa a rede intersectorial de análise dos problemas e de aplicação das respostas, elabora o plano local de saúde e o respectivo orçamento, facilita a fixação de metas locais, promove o desenvolvimento de processos cooperativos de utilização de todos os recursos da comunidade, estimula o relacionamento centrado na informação partilhada, na negociação e na complementaridade.
6. A coordenação enquanto processo que organiza, estrutura e integra os recursos disponíveis, é a modalidade de gestão que melhor se adapta a uma infraestrutura cujos parceiros mantêm a sua autonomia técnica, administrativa e financeira.
7. Além desta coordenação haverá um conselho intermunicipal de saúde em que têm assentos representantes de todas as organizações públicas e privadas, incluindo as organizações sindicais dos profissionais de saúde, que na respectiva área geodemográfica desenvolvam actividades directas ou indirectamente relacionadas com a saúde e que acordem entre si e com a coordenação a execução de programas e projectos comuns.
V – A Organização Intermédia do Serviço Nacional de Saúde
1. O SNS carece de uma organização de nível intermédio que desempenhe funções essenciais na regulação do funcionamento, planeamento e avaliação das organizações intermunicipais de saúde, de maneira a prevenir a instalação de variações de desempenho indesejáveis, distribuição inadequada de recursos e desigualdades em saúde.
2. Esta organização tem como missão planear os recursos da saúde, avaliar e monitorizar a qualidade do desempenho das organizações intermunicipais de saúde e propor medidas para a sua melhoria.
VI – A Organização Central do Sistema de Saúde
1. Os órgãos centrais do SNS têm por missão exercer funções de apoio, planeamento, avaliação, regulamentação, normalização, regulação, recrutamento, financiamento e inspecção.
2. A função apoio visa garantir a participação dos cidadãos utilizadores do Serviço Nacional de Saúde na definição das políticas, contando, entre outros, com a participação das autarquias e dos profissionais, como forma de promover uma cultura de transparência e prestação de contas perante a sociedade.
2.1 Esta função deve promover a adopção das práticas internacionais que melhor traduzam o que os estudos de análise e investigação na área da saúde considerarem ser importantes.
3. As funções normativa, regulamentar e coordenadora têm por missão orientar e coordenar as actividades de promoção da saúde e prevenção da doença, definir as condições técnicas para a adequada prestação de cuidados de saúde, planear e programar a política nacional para a qualidade no sistema de saúde, bem como assegurar a elaboração e execução do Plano Nacional de Saúde e, ainda, a coordenação das relações internacionais do Ministério.
4. A função técnica tem como missão proceder à avaliação técnica, terapêutica e económica das tecnologias de saúde, suportada num sistema de informação que recolhe e disponibiliza informação para todas as entidades que pretendam decidir da qualidade, economia, eficácia, eficiência e efetividade da utilização de medicamentos e dispositivos médicos ou outras tecnologias de saúde.
5. As funções de vigilância da saúde da população, evidência científica para suporte das políticas e investigação científica cuja principal missão é produzir conhecimento que dê suporte técnico-científico à política de saúde. Nesta função está também incluída a de Laboratório do Estado de referência e de Observatório Nacional da Saúde.
5.1 Cabe a estas funções procederem à identificação de necessidades em Saúde Pública, indicar áreas prioritárias para a intervenção, observar e vigiar o estado de saúde da população.
5.2 Cumpre a estas funções facilitar os mecanismos de colaboração e articulação com os diversos serviços prestadores de cuidados de saúde, serviços de saúde pública, autoridades de saúde e outros.
5.3 Está também incluída nestas funções a aproximação e complementaridade entre os resultados da investigação científica, as necessidades metodológicas da monitorização e da vigilância epidemiológica e a manutenção de elevados padrões científicos e técnicos de referência laboratorial.
5.4 A valorização e interacção com as universidades e institutos politécnicos, os demais laboratórios do Estado e um vasto leque de outras entidades nacionais e internacionais, entre os quais institutos de saúde congéneres e institutos e agências de saúde pública que partilham idênticos domínios temáticos, actividades e experiências, representam outros tantos aspectos relevantes destas funções.
5.5 O organismo que desempenha estas funções juridicamente é uma entidade administrativa independente.
6. A função de gestão, financiamento e contratualização tem por missão assegurar a gestão dos recursos financeiros e humanos do Serviço Nacional de Saúde, bem como das suas instalações e equipamentos, proceder à definição e implementação de políticas, normalização, regulamentação e planeamento em saúde, nas áreas da sua intervenção, em articulação com as organizações intermunicipais de saúde, no domínio da contratação da prestação de cuidados ao sector empresarial, sempre que tal se justificar.
6.1 A fonte de financiamento do SNS é o orçamento do Estado.
6.2 O orçamento do SNS é fixado a partir do levantamento das necessidades reais de provisão universal, geral e acessível de cuidados de saúde, tendo como referência principal as propostas apresentadas pelas organizações intermunicipais de saúde.
6.3 A gestão dos recursos em todos os estabelecimentos SNS há-de obedecer ao princípio da contratualização da produção, negociada entre a entidade financiadora e os prestadores, aos quais é atribuída uma vasta autonomia administrativa e financeira, e nestes, entre as respectivas administrações e os grupos e projetos profissionais que se venham a constituir.
6.4 Na função financiamento estará garantida a distribuição equitativa de recursos no todo nacional em função das necessidades identificadas e a utilização das capacidades instaladas do SNS de forma a reduzir as assimetrias regionais.
6.5 Na função contratualização está incluído o acompanhamento e avaliação dos contratos que forem estabelecidos com o sector privado, social e cooperativo da prestação dos cuidados de saúde, os quais serão tornados públicos.
7. A função reguladora visa proceder à supervisão e regulação do sector da saúde, independente no exercício das suas funções, com atribuições de regulação, fiscalização, supervisão e licenciamento dos estabelecimentos prestadores de cuidados de saúde.
7.1 Compete a esta função estabelecer os critérios de instalação e licenciamento das organizações empresariais de prestação de cuidados, considerando a resposta pública instalada.
8. A função inspectiva tem por missão assegurar o cumprimento da lei e elevados níveis técnicos de actuação, em todos os domínios da prestação dos cuidados de saúde, quer pelas instituições, serviços e organismos do Ministério da Saúde, ou por este tutelados, quer ainda pelas entidades privadas, pessoas singulares ou colectivas, com ou sem fins lucrativos.
8.1 Dada a natureza desta função, na qual está incluída a auditoria e disciplinar, o órgão que desempenha esta função tem um estatuto de entidade administrativa independente.
VII – Autoridades de Saúde
1. As autoridades de saúde situam-se a nível nacional e da infraestrutura intermunicipal de saúde, para garantir a intervenção oportuna e discricionária do Estado em situações de grave risco para a saúde pública, e estão hierarquicamente dependentes do Ministro da Saúde.
2. As autoridades de saúde têm funções de vigilância das decisões dos órgãos e serviços executivos do Estado em matéria de saúde pública, podendo suspendê-las quando as considerem prejudiciais.
3. Cabe ainda especialmente às autoridades de saúde:
3.1 Vigiar o nível sanitário dos aglomerados populacionais, dos serviços, estabelecimentos e locais de utilização pública para defesa da saúde pública;
3.2 Ordenar a suspensão de actividade ou o encerramento dos serviços, estabelecimentos e locais referidos no número anterior, quando funcionem em condições de grave risco para a saúde pública;
3.3 Desencadear, de acordo com a Constituição e a lei, o internamento ou a prestação compulsiva de cuidados de saúde a indivíduos em situação de prejudicarem a saúde pública;
3.4 Exercer a vigilância sanitária das fronteiras;
3.5 Proceder à requisição de serviços, estabelecimentos e profissionais de saúde em casos de epidemias graves e outras situações semelhantes.
4. As funções de autoridade de saúde são independentes das de natureza operativa dos serviços de saúde e são desempenhadas por médicos, preferencialmente da carreira de saúde pública.
5. Das decisões das autoridades de saúde há sempre recurso hierárquico e contencioso nos termos da lei.
6. Quando ocorram situações de catástrofe ou de outra grave emergência de saúde, o Ministro da Saúde toma as medidas de excepção que forem indispensáveis, coordenando a actuação dos serviços centrais do Ministério com os órgãos do Serviço Nacional de Saúde e os vários escalões das autoridades de saúde.
7. Sendo necessário, pode o Governo, nas situações referidas no n.º 1, requisitar, pelo tempo absolutamente indispensável, os profissionais e estabelecimentos de saúde em actividade privada.
8. Os serviços de Saúde Pública, que se localizam a nível nacional e intermunicipal, acolhem e apoiam tecnicamente as autoridades de saúde.
VIII – Relações internacionais
1. Tendo em vista a indivisibilidade da saúde na comunidade internacional, o Estado Português reconhece as consequentes interdependências sanitárias a nível mundial e assume as respectivas responsabilidades.
2. O Estado Português apoia as organizações internacionais de saúde de reconhecido prestígio, designadamente a Organização Mundial de Saúde, coordena a sua política com as grandes orientações dessas organização e garante o cumprimento dos compromissos internacionais livremente assumidos.
3. Como Estado membro das Comunidades Europeias, Portugal intervém na tomada de decisões em matéria de saúde a nível comunitário, participa nas acções que se desenvolvem a esse nível e assegura as medidas a nível interno decorrentes de tais decisões.
4. Em particular, Portugal defende o progressivo incremento da acção comunitária visando a melhoria da saúde pública, especialmente nas regiões menos favorecidas e no quadro do reforço da coesão económica e social.
5. É estimulada a cooperação com outros países, no âmbito da saúde, em particular com os países de língua oficial portuguesa.
Considerações finais
Estes princípios orientadores da revisão da Lei de Bases da Saúde enquadram-se no propósito do governo proceder à descentralização da administração central. Com a criação das organizações intermunicipais de saúde, que reúnem numa parceria público-público várias estruturas cujas contribuições são decisivas para a melhoria da saúde das populações, fica consagrado o sistema cooperativo intersectorial em melhores condições organizativas para concretizar a missão do SNS.
A autonomia técnica, financeira e administrativa deste dispositivo, a suficiência da sua capacidade para responder às necessidades em saúde da população abrangida, sem prejuízo do recurso à referenciação sempre que as condições o justifiquem, e a circunstância de contribuir para que a participação das comunidades se torne efectiva, torna esta infraestrutura de saúde a resposta que melhor se adequa à reabilitação dos serviços públicos de saúde.
Esta é a inovação que no plano organizacional mais contribui para captar as diferenças e especificidades locais e torna os cuidados de saúde mais adaptados aos contextos sociais. Sendo a saúde um bem estruturante das sociedades, é na socialização dos saberes, das competências e das capacidades que se hão-de encontrar as soluções técnicas e organizacionais que melhor se ajustam aos desafios colocados pelas exigências individuais e colectivas, mas também às variações da distribuição da saúde e da doença.
A organização intermunicipal de saúde é, além disso, um instrumento de democratização da vida social, na medida em que as comunidades locais se apropriam e tomam decisões sobre bens que lhes pertencem. Representam tantas oportunidades de aprendizagem e capacitação quantas as vezes em que estiver em causa a necessidade de partilha de conhecimentos e competências. É o que se pode designar como a melhor aproximação à literacia social, aquela que há-de representar o principal sistema de referências para se fazerem as melhores escolhas e tomar as melhores decisões.
É por estas razões que estes princípios dão prioridade às orientações da política de saúde, enquanto determinante e regulador da organização do sistema de saúde, nomeadamente do Serviço Nacional de Saúde. Terão de ser as respostas institucionais e comunitárias que se hão-de combinar e organizar para responder ao padrão epidemiológico local. Combinadas com as medidas gerais, as estratégias locais serão aquelas que tornarão pertinente e exequível o Plano Nacional de Saúde.
Dada a sua natureza, as organizações intermédia e central do SNS devem ser entendidas como instrumentos facilitadores e reguladores do funcionamento das organizações intermunicipais. Por essa razão, hão-de estar particularmente habilitadas para se relacionarem com elas, tanto no plano das competências próprias como na constituição de interfaces em que a comunicação fiável e rigorosa será o mecanismo mais ajustado para a tomada de decisões informadas.
19 de Dezembro de 2017
Os signatários
Adelino Fortunato, Aguinaldo Cabral, Ana Matos Pires, Ana Prata, André Barata, António Avelãs, António Faria-Vaz, António Rodrigues, Armando Brito de Sá, Augusta Sousa, Carlos Ramalhão, Cipriano Justo, Corália Vicente, Daniel Adrião, David Barreira, Elísio Estanque, Fernando Gomes, Fernando Martinho, Gregória von Amann, Guadalupe Simões, Helena Roseta, Heloísa Santos, Jaime Correia de Sousa, Jaime Mendes, João Lavinha, João Proença, Joaquim Lopes Pinheiro, José Aranda da Silva, José Carlos Martins, José Manuel Boavida, José Manuel Calheiros, José Maria Castro Caldas, José Munhoz Frade, Jorge Espírito Santo, José Reis, Luís Gamito, Luísa d’Espiney, Manuel Alegre, Maria Antónia Lavinha, Maria Deolinda Barata, Maria João Andrade, Maria Manuel Deveza, Mariana Neto, Mário Jorge Neves, Marisa Matias, Nídia Zózimo, Paulo Fidalgo, Pedro Lopes Ferreira, Ricardo Sá Fernandes, Sérgio Esperança, Sérgio Manso Pinheiro, Teresa Gago