Petição Pública
PETIÇÃO PARA A EXTINÇÃO DA ASSOCIAÇÃO DAS TESTEMUNHAS DE JEOVÁ E CANCELAMENTO DA SUA INSCRIÇÃO NO REGISTO DE PESSOAS COLECTIVAS RELIGIOSAS.

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PETIÇÃO PARA A EXTINÇÃO DA ASSOCIAÇÃO DAS TESTEMUNHAS DE JEOVÁ E CANCELAMENTO DA SUA INSCRIÇÃO NO REGISTO DE PESSOAS COLECTIVAS RELIGIOSAS.


Exmo. Senhor Presidente da Assembleia da República; e
Exmo. Senhor Presidente da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias: e
Exmo. Senhor Presidente da Comissão da Liberdade Religiosa

Nos termos da Lei 43/90 de 10 de Agosto, que regula o exercício do direito de petição, vem o proponente e signatários apresentar esta petição / representação / queixa ao Parlamento português.

OBJECTO DA PETIÇÃO / REPRESENTAÇÃO / QUEIXA:

O objecto desta exposição é denunciar e chamar a atenção dos mais altos representantes da nação para situações de violação de normas constitucionais no âmbito dos direitos, liberdades e garantias praticadas pela entidade colectiva que representa a comunidade religiosa das Testemunhas de Jeová em Portugal, a saber, a denominada “Associação das Testemunhas de Jeová”, e, por causa dessas violações sistemáticas e reiteradas, solicitar a extinção dessa entidade, e o cancelamento da sua inscrição no registo de pessoas colectivas religiosas, conforme previsto nos Artigos 39º, alínea c) e 42º da Lei 16/2001, em articulação com os artigos 182º nº 2, alíneas c) e d) e 183º, número 2 do Código Civil. Novo registo deverá ser recusado enquanto persistir a violação das normas constitucionais e legais, conforme determina o Artigo 39º, Alínea c) da Lei 16/2001. Apela-se igualmente à Comissão da Liberdade Religiosa que, ao abrigo das funções e competências que lhe são atribuídas nos artigos 53º e 54º da Lei 16/2001, convoque os representantes da comunidade das Testemunhas de Jeová bem como representantes das vítimas das políticas ilegais e anticonstitucionais deste grupo religioso, no sentido de encontrar soluções satisfatórias que ponham fim aos abusos cometidos contra elas.

ABSTRACTO

A Constituição da República Portuguesa, no seu artigo 41º, no âmbito dos direitos, liberdades e garantias pessoais, garante aos indivíduos a liberdade de consciência, de religião e de culto, considerando a tais como uma “liberdade inviolável” dos indivíduos. O mesmo artigo da Constituição prevê, na alínea 4, que os indivíduos, no gozo da sua liberdade constitucional, se possam organizar em igrejas e comunidades religiosas, e que, ao assim fazerem, tais entidades religiosas sejam separadas do Estado e “livres na sua organização e no exercício das suas funções e do culto”. Esta é uma conquista obtida com o 25 de Abril de 1974, e que deve ser defendida, quer daqueles que a querem destruir, como daqueles que dela querem abusar.

No entanto, a liberdade religiosa gozada pelas entidades colectivas religiosas por vezes colide em concreto com outras liberdades e garantias constitucionalmente garantidas, como sejam o princípio da igualdade (Artigo 13º), o direito à vida (Artigo 24º), o direito à integridade pessoal (Artigo 24º) o direito ao desenvolvimento da personalidade, ao bom nome e reputação e protecção face a discriminação (Artigo 26º), o direito à liberdade de expressão e de informação (Artigo 37º), a liberdade de consciência (Artigo 41º), a liberdade de criação cultural (Artigo 42º), a liberdade de aprender (Artigo 43º), a liberdade de escolha de profissão e acesso à função pública (Artigo 47º) e o direito à participação na vida pública (Artigo 48º), bem como outros direitos e garantias fundamentais dos indivíduos consagrados em convenções internacionais adoptadas no ordenamento jurídico português, como sejam a Declaração Universal dos Direitos do Homem e a Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

Apesar da liberdade religiosa implicar que as igrejas e comunidades religiosas dispõem de autonomia face ao Estado e são livres na sua organização e no exercício das suas funções, essa liberdade religiosa das entidades colectivas religiosas encontra limites quando confrontada em concreto com outros direitos constitucionais fundamentais que protegem os indivíduos, como os invocados no parágrafo anterior. É necessário ponderar, pois, em casos concretos, o que pesa mais: a liberdade de uma organização religiosa, ou os direitos fundamentais dos indivíduos. Estamos perante um desses casos; podem os direitos fundamentais de indivíduos serem violados no concreto em nome da liberdade religiosa de uma entidade colectiva religiosa? Os signatários desta petição argumentam que os limites da liberdade religiosa devem ser encontrados na violação dos direitos fundamentais dos indivíduos. Quando, para além do razoável, uma organização religiosa usa a sua liberdade constitucional para agredir os direitos individuais fundamentais garantidos pela Constituição, estamos perante um caso de “violação dos limites constitucionais da liberdade religiosa”, conforme descrito no Artigo 39º, alínea c) da Lei 16/2001 de 22 de Junho. Entendemos que este é o caso em concreto com a “Associação das Testemunhas de Jeová”, a entidade colectiva religiosa que representa a comunidade religiosa das Testemunhas de Jeová em Portugal, como adiante passamos a fundamentar.

Este entendimento sobre o que constitui "violação dos limites constitucionais da liberdade religiosa" é consistente com a doutrina do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Político da ONU, ratificada por Portugal, e que entrou em vigor no nosso ordenamento jurídico em 15 de Setembro de 1978. No artigo 18º afirma-se: "A liberdade de manifestar a sua religião ou as suas crenças só pode ser objecto de restrições que, estando previstas na lei, sejam necessárias para a protecção da segurança, da ordem, da saúde e da moral públicas, ou para a protecção dos direitos e liberdades fundamentais de outrem." Assim, a liberdade religiosa encontra limites na protecção dos direitos e liberdades fundamentais de outrem.

ENQUADRAMENTO

No sentido de enquadrar legalmente a actividade das igrejas e comunidades religiosas, foi aprovada pela Assembleia da República em 22 de Junho de 2001 a Lei 16/2001, também conhecida como Lei da Liberdade Religiosa. Esta lei prevê uma série de pressupostos que terão de ser atendidos para que uma entidade religiosa seja reconhecida legalmente em Portugal, para poder gozar de todos os benefícios e protecções conferidos pela Lei. Ao abrigo desta legislação, e do disposto no Código Civil, que no seu Capítulo II, Secção I, que regula as associações que não tenham por fim o lucro económico dos associados, as Testemunhas de Jeová em Portugal constituíram uma associação religiosa sem fins lucrativos denominada ASSOCIAÇÃO DAS TESTEMUNHAS DE JEOVÁ, actualmente com sede na Rua do Conde Barão, nº 511, na freguesia de Alcabideche, concelho de Cascais, e solicitaram às autoridades a sua inscrição no registo das pessoas colectivas religiosas ao abrigo da Lei 16/2001 de 22 de Junho, a qual foi concedida em 2009.

Com origem nos Estados Unidos da América na segunda metade do século XIX, e presentes em Portugal desde 1925, as Testemunhas de Jeová foram perseguidas pelo Estado Novo, durante o qual operaram na clandestinidade; obtiveram reconhecimento legal em 1974, e em 2009 foram inscritas no registo de pessoas colectivas religiosas. Esta comunidade de matriz cristã actualmente conta com cerca de 50.000 aderentes em Portugal e mais de 8.400.000 em todo o mundo. São mais conhecidas do grande público pelo seu controverso e persistente zelo evangelizador, e pela produção e distribuição e enormes quantidades de literatura bíblica na forma de livros, folhetos, brochuras e pelas revistas “A Sentinela” e “Despertai!”.

FUNDAMENTAÇÃO

O objectivo desta petição não visa de modo nenhum a proibição ou a proscrição da expressão da fé e do culto dos indivíduos que são aderentes das Testemunhas de Jeová, nem mesmo limitar o seu direito a se reunirem para adoração ou até divulgarem as suas crenças a outros com vista ao proselitismo usando os meios que entenderem mais convenientes, conquanto respeitando a legalidade. No entanto, no que toca à entidade colectiva religiosa que representa juridicamente as Testemunhas de Jeová e que neste país organiza a sua obra e o seu culto, e que distribui a sua literatura e conteúdos multimedia, o caso é bastante diferente e deve merecer o escrutínio atento do legislador.

Os signatários desta petição, acham ser o seu dever ético como cidadãos deste país denunciar às autoridades legislativas aspectos concretos de práticas da organização das Testemunhas de Jeová que estão em flagrante violação da Constituição da República Portuguesa, de convenções internacionais adoptadas no direito português, tais como a Carta dos Direitos do Homem da O.N.U. e a Convenção Europeia dos Direitos do Homem, bem como assim da legislação em vigor que enquadra a actividade das igrejas e comunidades religiosas, a saber, a Lei da Liberdade Religiosa. Estas violações constituem um reiterado e continuado desprezo pela lei, pelas instituições e pela própria dignidade do ser humano. São de tal modo graves e reiteradas estas violações que a seguir detalharemos e fundamentaremos, que achamos ser o imperioso dever do Estado intervir no sentido de impedir a sua continuação. A nosso ver, o único modo verdadeiramente eficaz de impedir esses abusos será a retirada do reconhecimento legal dado à “Associação das Testemunhas de Jeová”, através do cancelamento do seu assento no registo de pessoas colectivas religiosas e recusa de nova inscrição até que se verifique ter cessado a violação dos limites constitucionais da liberdade religiosa; sem prejuízo da liberdade individual de religião e de culto e de reunião constitucionalmente garantidas aos aderentes desta comunidade religiosa. Ora, a Lei 16/2001 de 22 de Junho no Artigo 42º numero 1, alínea d) e número 2, prevê que o cancelamento desta inscrição ocorra, entre outros, pela extinção da associação por via judicial, nos termos previstos no Código Civil no Artigo 182º, nº 2, alíneas c) e d) e no Artigo 183º, alínea 2, caso se verifique que uma associação prossiga os seus fins “sistematicamente … por meios ilícitos ou imorais”.

Isto implica o cancelamento da inscrição da Associação das Testemunhas de Jeová no registo de das pessoas colectivas religiosas e extinguir esta associação até que a entidade que juridicamente represente as Testemunhas de Jeová neste país passe a respeitar a lei fundamental, as leis que regulam as comunidades religiosas, e passe a respeitar os direitos humanos e a dignidade do ser humano. Só quando a entidade colectiva que represente as Testemunhas de Jeová em Portugal deixar de estar em violação dos limites constitucionais da liberdade religiosa, nomeadamente, por se verificar inequivocamente que de forma permanente deixou de violar os direitos humanos, a dignidade humana, e os elementares e fundamentais direitos e liberdades dos indivíduos que estão constitucionalmente garantidos, só então poderá essa associação ser reconhecida legalmente ao abrigo da Lei 16/2001 de 22 de Junho, em igualdade com outros credos religiosos organizados em Portugal.

A nossa Constituição (Artigo 41º) garante aos indivíduos as liberdades de consciência, de religião e de culto (n.1) e diz também que as igrejas e outras comunidades religiosas são separadas do Estado e são livres na sua organização, e no exercício das suas funções e do culto (n. 4). No entanto, não diz que estas entidades se podem colocar fora ou acima da lei, ou que o Estado nada tem a dizer ou nada pode fazer quando o comportamento destas organizações viola o espírito e a letra da lei e das convenções internacionais que obrigam o Estado português.

Bem pelo contrário: A Lei 16/2001 é bem explícita quando, no seu artigo 6º diz que “A liberdade de consciência, de religião e de culto não autoriza a prática de crimes” (n.1) e também: “A lei pode regular, sempre que necessário, o exercício da liberdade de consciência, de religião e de culto, sem prejuízo da existência dessa liberdade” (n.4). Assim, a liberdade religiosa não é um direito absoluto; existe um primado claro da lei sobre o exercício da liberdade religiosa, desde que não haja uma extinção dessa liberdade. Portanto, havendo legítimas denúncias acerca de violações grosseiras concretas das normas legais que regulam e enquadram as organizações religiosas em Portugal, o Estado pode e deve agir para proteger os seus cidadãos. É nesse sentido que esta petição é feita; porque os peticionários entendem que a organização que actualmente representa as Testemunhas de Jeová em Portugal está a violar reiteradamente as leis da república, causando danos a milhares de cidadãos deste país, e representando um perigo para a sociedade.

Em concreto, a excomunhão conforme praticada pelas Testemunhas de Jeová, e em particular, a prática institucionalmente imposta de ostracização de ex-membros (em inglês conhecida como “shunning”) e as suas consequências é que é o ponto focal da generalidade das violações aos limites constitucionais que está aqui em causa.

CARACTERÍSTICAS DA ORGANIZAÇÃO DAS TESTEMUNHAS DE JEOVÁ

As Testemunhas de Jeová são uma religião altamente hierarquizada; a “Associação das Testemunhas de Jeová” é funcionalmente uma filial da “Watchtower Bible & Tract Society”, que é a entidade jurídica central, localizada no estado de Nova Iorque, E.U.A., que superintende e organiza o culto e a obra das Testemunhas de Jeová a nível mundial. A nível administrativo, pois, a Associação das Testemunhas de Jeová está na dependência hierárquica da Watchtower Bible & Tract Society e actua como agente de distribuição da sua literatura e multimedia e organiza a obra das Testemunhas de Jeová em Portugal segundo as directrizes doutrinais e funcionais recebidas da sede nos E.U.A.

A nível doutrinal, existe uma entidade colegial, chamada de Corpo Governante, composta actualmente por oito homens, que define toda a doutrina e conduta das Testemunhas de Jeová em todo o mundo. Embora no passado este Corpo Governante correspondesse à Administração da Watchtower Bible & Tract Society, actualmente está juridicamente separado dela; mas na prática são eles que comandam todos os aspectos ligados ao culto, crenças e práticas das Testemunhas de Jeová em todo o mundo, a partir da sede em Warwick, Nova Iorque, E.U.A. como aliás fica claro pela leitura do manual de procedimentos para filiais “Branch Organization – January 2015” (em Inglês), logo no primeiro parágrafo do primeiro capítulo, que estabelece claramente a hierarquia e o que se espera daqueles que foram designados para cargos nas filiais e nas congregações: ‘O Corpo Governante implementa várias linhas de orientação e procedimentos úteis que asseguram o suave e ordeiro funcionamento das filiais e das congregações. Homens fiéis fazem a sua parte por estabelecerem um exemplo de obediência à medida que asseguram a boa execução desses arranjos.’

Com base numa peculiar interpretação da parábola de Jesus em Mateus 24:45-47, o Corpo Governante reivindica para si o estatuto de canal de comunicação e porta-voz de Deus para a humanidade, afirma estar encarregue por Deus e por Cristo para a produção de “alimento espiritual”, e, investido dessa autoridade divina, as suas interpretações doutrinais da Bíblia são tidas como inquestionáveis e espera-se que cada Testemunha de Jeová as aceite inquestionavelmente, sem hesitação ou reserva mental.

Ao conjunto difuso das múltiplas entidades jurídicas colectivas que administram e superintendem vários ramos da obra delas em todo o mundo, que vão desde a Watchtower Society até às congregações locais, as Testemunhas de Jeová designam coloquialmente por “a organização”. Elas que acreditam que “a organização” ou a “organização de Jeová” é o instrumento que Deus usa para atingir os seus desígnios na terra. Tanto “a organização” como o seu Corpo Governante têm para as Testemunhas de Jeová um estatuto quase sobrenatural e são na prática por eles idolatrados. “Jeová” e “Organização” são termos usados frequentemente de forma intercambiável, tanto na conversa dos membros comuns, como da liderança do movimento, bem como na sua literatura impressa e nas peças de multimedia que produzem. ‘Ir contra a Organização é ir contra Deus’, afirmam, trazendo à memória os tempos da doutrina do absolutismo despótico iluminado.

Para as Testemunhas de Jeová, as instruções recebidas através da página impressa nas suas publicações ou por multimedia, ou através de cartas vindas da Organização têm força de lei, ainda que tenham sido publicadas há muitas décadas, desde que não tenham ainda sido revogadas expressamente em publicações mais recentes.

Portanto, é correcto afirmar-se que as diretrizes doutrinais e de de culto que as Testemunhas de Jeová seguem em Portugal não são definidas pela Associação das Testemunhas de Jeová, com sede em Alcabideche; mas incumbe à filial em Portugal impôr e fazer cumprir nas congregações das Testemunhas de Jeová as directrizes que recebem dos seus superiores hierárquicos no estrangeiro. Ao fazer a distribuição da literatura e conteúdos multimedia da Watchtower Bible & Tract Society para as congregações, e ao supervisionar a obra delas em Portugal, a Associação das Testemunhas de Jeová assume a responsabilidade legal sobre os conteúdos que divulga e faz cumprir em território nacional.

Espera-se que as Testemunhas de Jeová, em qualquer parte do mundo, seja qual for a posição que ocupem, sejam totalmente obedientes e submissas às orientações emanadas do Corpo Governante; em cada país, cabe à respectiva filial implementar rigorosamente essas directivas; em cada congregação os Anciãos são designados com a tarefa de aplicar estritamente as instruções recebidas a nível local. E de todos se espera pronta obediência sem questionar. O motivo fica claro na literatura oficial: ‘A vontade do Corpo Governante é a vontade de Deus. Rebelião contra o Corpo Governante é rebelião contra Deus.’ – A Sentinela, 1 de Junho de 1956, ed. inglês.

Com este contexto em mente, por favor atente-se agora na política oficial das Testemunhas de Jeová relativamente àqueles que por algum motivo deixaram de ser membros da comunidade religiosa.

A POLÍTICA DE EXCOMUNHÃO NAS TESTEMUNHAS DE JEOVÀ - COMO FUNCIONA

Existem dois grandes grupos entre os que, tendo sido iniciados através do baptismo, posteriormente deixam de ser oficialmente membros das Testemunhas de Jeová: os que são expulsos em resultado de questões disciplinares, e os que tomam a decisão de abandonar a religião voluntariamente. Dos primeiros diz-se que foram “desassociados”, ao passo que dos segundos se diz que se “dissociaram”; estima-se que cerca de 150.000 pessoas deixem de ser formalmente Testemunhas de Jeová cada ano, em todo o mundo, através da desassociação ou da dissociação. Isto permite estimar com alguma segurança que em Portugal, existem a cada ano que passa mais de 800 pessoas que são excomungadas da comunidade. Isto, sem falar dos que se afastam informalmente, que são conhecidos como “inactivos”, mas que ainda são considerados como Testemunhas de Jeová.

Quando chega ao conhecimento dos anciãos (os homens que têm a responsabilidade sobre o pastoreio espiritual na congregação) que um membro da congregação terá alegadamente cometido uma transgressão grave das normas da igreja, é formada uma comissão judicativa. Esta comissão judicativa, composta de três a cinco anciãos funciona simultaneamente como Polícia Criminal, (investigando as alegações), Ministério Público (instruindo o processo e formulando a acusação),Tribunal (julgando o caso, absolvendo ou condenando) e Sistema Penal (administrando a punição).

Fica claro que não há nenhuma garantia de um processo justo e equilibrado para o acusado, dado o nível de secretismo e discricionaridade em todo o processo e são frequentemente cometidos abusos. Quando este tribunal eclesiástico toma a decisão judicativa de expulsar um membro baptizado, ou quando os anciãos da congregação tomam conhecimento de que um membro expressou formalmente o desejo de se desligar da igreja, é feito um anúncio lacónico à congregação: “[Fulano] não é mais uma Testemunha de Jeová”, não se mencionando as razões que levaram a esse anúncio.

Com efeitos imediatos a seguir ao anúncio à congregação, tem início o processo de ostracização social completa do agora ex-membro. Isto implica que o(a) desassociado ou dissociado, ainda que seja um menor, é cortado do relacionamento com os seus anteriores companheiros de crença, mesmo que se tratem de amigos ou familiares, os quais estão proibidos de lhe dirigirem palavra, nem que se trate de um simples cumprimento de cortesia. Como veremos, as implicações concretas desta política são terríveis, tanto para o ex-membro, como para as próprias Testemunhas de Jeová que continuam a pertencer à comunidade.

A OSTRACIZAÇÃO SOCIAL PRATICADA PELAS TESTEMUNHAS DE JEOVÁ – COMO É ADVOGADA PELA ORGANIZAÇÂO

Como determina a liderança das Testemunhas de Jeová que devam ser tratados os que ficam na condição de desassociados ou dissociados?

No livro “Mantenha-se No Amor De Deus” (publicado em 2008), numa secção intitulada “Como tratar uma pessoa desassociada” (p. 207) as Testemunhas de Jeová são instruídas, à base de textos como 1 Coríntios 5:11 e 2 João 9-11 a cortar os laços e o contacto com os que foram expulsos ou rejeitaram a doutrina. Notando que a mesma política se aplica tanto aos desassociados como aos dissociados, o livro instrui: “Nós não nos associamos com desassociados, quer para atividades espirituais, quer sociais. A Sentinela de 15 de dezembro de 1981, página 21, disse: “Um simples ‘Olá’ dito a alguém pode ser o primeiro passo para uma conversa ou mesmo para uma amizade. Será que queremos dar este primeiro passo com alguém desassociado? É realmente necessário evitar todo e qualquer contacto com a pessoa? Sim.” São catalogadas três razões principais: 1) Por uma questão de obediência a Deus e à Organização; 2) Para evitar a contaminação e corrupção moral e espiritual de outros; 3) Para fazer o errante “cair em si” e perceber o quanto perdeu por ter abandonado a comunidade e talvez isso o motive a voltar ao rebanho.

O mesmo livro continua a discorrer: “Como devemos tratar um parente desassociado?” Na única excepção feita à política rígida de ostracização, é dito que, caso um parente faça parte da família imediata e more ainda na mesma casa, “as actividades normais e os tratos do dia-a-dia podem continuar.” Porém, “os membros da família não podem ter mais associação espiritual com ele.” E, no caso de familiares que não sejam família imediata ou que, sendo família imediata, não morem mais na mesma casa, “tal contacto deve restringir-se ao mínimo possível. Membros leais de uma família cristã não procuram desculpas para ter tratos com um parente desassociado que não more na mesma casa. Em vez disso, a lealdade a Jeová e à sua organização os faz seguir os princípios bíblicos relacionados com a desassociação. Seu proceder leal visa o bem do desassociado e pode ajudá-lo a se beneficiar da disciplina recebida.”

O referido livro (na versão digital disponível no website da igreja) remete para artigos publicados nas edição de A Sentinela de 15 de Dezembro de 1981, páginas 22-27; 15 de Abril de 1988 páginas 26-31; 15 de Novembro de 1988 página 20; e 1 de Outubro de 2001, páginas 16-17. Outras referências podem ser encontradas em A Sentinela de 1 de Julho de 1963 (ed. inglesa) página 413; 1 de Janeiro de 2013, p. 16; A Sentinela 10/2017, p. 16; A Sentinela 15 Julho 1961 Ed. Inglês) p. 420; A Sentinela 15 Novembro 1952, (Ed. Inglesa) p. 703; O Nosso Ministério do Reino Agosto 2002 p. 3; Pastoreai O Rebanho De Deus, p.114-116. A Sentinela 15 de Julho de 2011, p. 15-19.

Nestes artigos são invocados diversos argumentos, tais como:

a) Os desassociados são comparados àqueles que, no antigo Israel, eram condenados à morte por apedrejamento; assim como familiares e amigos não mais podiam falar com o morto, assim também as Testemunhas de Jeová não podem mais contactar com aqueles que foram desassociados e que, portanto, estão mortos em sentido espiritual. A lealdade a Deus e à organização prevalece sobre os laços familiares, ainda que isso implique considerável sofrimento para as Testemunhas que têm de abdicar do convívio com o seu antigo companheiro de adoração, amigo ou familiar.

b) Mesmo tratando-se de um familiar que não more mais na mesma casa, é dito textualmente: “talvez seja possível não manter nenhum contacto” com tal parente, indicando claramente que se espera que uma Testemunha de Jeová leal evite qualquer contacto com um parente que deixou de ser um membro baptizado da comunidade a menos que surja um caso de força maior. É dado como exemplo o caso de avós e netos que terão de cortar laços porque não moram na mesma casa.

c) A única forma de retomar os laços com familiares que abandonaram ou foram expulsos da congregação é apenas e só se esses decidirem retornar à sua condição de membros baptizados, se aprovados após um humilhante período de penitência e reabilitação, que usualmente não é inferior a um ano. Só então, após a readmissão formal ser anunciada, as Testemunhas de Jeová estão autorizadas a reatar contactos e relações com os familiares que foram desassociados ou se dissociaram. Isto inclui filhos, pais, irmãos, irmãs, avós que não morem na mesma casa, ainda que, no caso dos filhos, estes ainda sejam menores ou que os pais ou avós sejam idosos e a precisar de cuidados. Literalmente, a ostracização é chamada de “uma acção necessária e amorosa”.

d) Até um simples cumprimento de circunstância a um desassociado ou dissociado, tal como um “olá” ou “bom dia” é proibido, porque poderá levar a uma conversa, e isso é considerado um acto de deslealdade e um perigo espiritual para a Testemunha de Jeová. Até mesmo o contacto não-verbal por carta, e-mail ou SMS é proibido. Rejeitar esta orientação é equiparado a um pecado grave; seria o mesmo que rejeitar a Deus e a sua organização. Se uma Testemunha de Jeová, pois, insistir em manter contacto desnecessário com um desassociado, ainda que esse desassociado seja um(a) filho(a) ela também deverá ser desassociada.

e) Relações comerciais contratuais pré-existentes ou relações laborais que impliquem contacto entre uma Testemunha de Jeová e um desassociado podem ser mantidas apenas se o contacto puder ser reduzido ao mínimo possível, e a Testemunha deve ponderar se não seria melhor dissolver a relação comercial / laboral só para evitar o contacto com o ex-membro.

f) A culpa pela ostracização é sempre colocada do lado da pessoa que foi desassociada ou se dissociou. ‘Ele causou o sofrimento a si mesmo’ e ‘Ele causou grande dor aos seus familiares’ são expressões comuns. Nunca a culpa é atribuída a uma política opressiva e injusta ou colocada do lado de quem activamente ostraciza o seu semelhante. A organização é a voz de Deus e a sua interpretação da Bíblia é a única válida. A ênfase é sempre colocada no sofrimento e na dor dos que ficam, e pouca consideração é dada ao sofrimento daquele que sai. A culpa é sempre imputada a quem sai porque, afinal de contas, ‘ele deveria saber como eram as regras do jogo’.

g) Uma Testemunha de Jeová não poderá comparecer a uma reunião social (tal como uma festa de casamento) onde esteja presente um desassociado, mesmo que se trate de um familiar. Se for surpreendido por essa situação, deverá retirar-se ou deverá ser solicitado ao desassociado que se retire. Caso a Testemunha de Jeová não se retire, ainda que não haja contacto, será repreendida e alguns privilégios removidos. No caso de se tratar de um homem com um cargo na congregação, perderá esse cargo.

h) Os pais que tenham um filho(a) em casa que tenha sido desassociado ou se tenha dissociado são encorajados a pressionarem continuamente o filho(a) a voltar a associar-se com a congregação.

i) Mesmo que um desassociado visite um Salão do Reino (local onde são conduzidas as reuniões das Testemunhas de Jeová), ninguém lhe deverá dirigir uma palavra ou cumprimento, e se o desassociado tentar falar com alguém, (excepto talvez um ancião que se disponibilize para o escutar em privado) todos se deverão afastar do contacto com essa pessoa.

j) As Testemunhas de Jeová devem não só odiar a conduta errada da pessoa que foi desassociada ou se dissociou, mas devem também odiar a própria pessoa, porque a sua conduta é inseparável da sua pessoa. Com referência àqueles que se afastam por motivos de dissidência, designados de “apóstatas” e que são alvo de ódio especial, a organização escreve: “Estando limitados pelas leis das nações em que vivemos e também pelas leis de Deus através de Jesus, só podemos tomar acções contra os apóstatas até um certo limite, que é aquele consistente com as leis das nações. As leis terrenas e a lei de Deus por meio de Cristo proíbem-nos de matar os apóstatas, ainda que eles sejam membros relacionados com a nossa família carnal (…) as leis da terra em que vivemos requerem de nós que estejamos sob uma obrigação da lei da natureza que vivamos e nos relacionemos com apóstatas que vivam sob o mesmo teto.”

Num recente congresso regional organizado pela Associação Das Testemunhas de Jeová em várias localidades durante o verão de 2016, subordinado ao tema geral “Continue Leal a Jeová!” houve um simpósio subordinado ao tema: “Apoie lealmente os julgamentos de Jeová”. Durante o discurso intitulado: “Não tenha contacto com transgressores que não se arrependeram”, foi apresentado à audiência um vídeo que foi assim introduzido: “Pode ser uma verdadeira provação quando está envolvido um membro da família. Não podemos permitir que fortes laços familiares nos levem a comprometer a nossa lealdade a Jeová e à sua organização. No drama que se segue, vejamos como a lealdade resulta numa bênção.” Seguiu-se um vídeo de três minutos, narrado na primeira pessoa, em que uma das filhas de um casal de Testemunhas de Jeová tem relações sexuais com alguém com quem não estava casada, e é consequentemente desassociada. Como a filha não renuncia ao relacionamento “imoral”, o pai informa-a que, por ela ser uma influência negativa para os seus dois irmãos, ela terá de abandonar o lar. A filha é apresentada como um ser insensível e indiferente ao grande sofrimento que causou aos pais e ao resto da família. Os pais mantêm-se leais ao considerarem a história Bíblica do sacerdote Arão – Jeová matou os seus dois filhos por desrespeito grosseiro deles para com o ofício no tabernáculo, e ordenou a Arão que não os lamentasse; e Arão assim fez para mostrar à nação de Israel que apoiava os julgamentos justos de Deus. Assim, quando a filha os tenta contactar por telefone, a mãe recusa-se a atender a chamada. A narradora diz que 'sente-se grata', porque se a tivessem contactado, mesmo que fosse apenas para saberem se estava bem, isso já teria sido o suficiente para que ela não sentisse necessidade de retornar a Jeová. Presume-se, pelo tom do vídeo, que a filha arrependida se sentiu compelida pelo isolamento a que foi sujeita a regressar à comunidade.

Os exemplos acima mencionados são apenas uma fracção pequena dos ensinos que são promovidos e implementados pelas Testemunhas de Jeová nas suas comunidades. É avassalador o ritmo incessante a que são debitadas diatribes a condenar os que se afastam da organização e, em particular, a demonizar os dissidentes “apóstatas”. Na realidade, nas cartas confidenciais, nos seminários de treinamento e nas publicações que se destinam apenas aos ministros com cargos de superintendência (anciãos, superintendentes de circuito, membros da comissão da filial) e que não estão disponíveis à generalidade dos fiéis, a informação é ainda bastante mais explícita e a política exigida bastante mais dura no tratamento que se deve dar aos desassociados.

Em congressos das Testemunhas de Jeová organizados sob os auspícios da Associação das Testemunhas de Jeová são muitas vezes apresentadas por voz própria relatos de pesoas que ostracizaram membros da família directa que foram desassociados, mesmo pais idosos e filhos menores, às vezes por décadas, e as suas experiências são recebidas com aplausos entusiásticos da assistência que se condói com a vitimização por parte dos perpetradores da ostracização! A “lealdade” que é demonstrada por esse meio é glorificada entre as Testemunhas de Jeová como um acto de heroísmo.

A insistente propaganda de ódio leva as Testemunhas de Jeová a terem uma paranóia quase generalizada e uma fobia irracional a qualquer expressão dissonante com a doutrina e directrizes emanadas do Corpo Governante. Existe um clima em que toda a gente vigia toda a gente e todos estão prontos a delatar o seu co-adorador, mesmo que se trate de um cônjuge ou de um filho. Uma sociedade em tudo semelhante à distopia escrita por George Orwell na sua obra “1984”e moldada segundo princípios da Lei Mosaica. O proponente desta petição passou por esta situação e pode dar testemunho disso em primeira mão.

A retórica de desprezo dirigida contra os desassociados e dissociados só é momentaneamente escondida quando se trata de os tentar persuadir a regressarem ao rebanho. Mas quando o assunto são aqueles que saíram da organização por motivos de dissidência ideológica ou doutrinal, que são pejorativamente chamados de “apóstatas”, a retórica de ódio reservada a tais é elevada a outro nível de sordidez, perfeitamente enxovalhante e aviltante, quer na matéria impressa, quer nos púlpitos nas congregações ou nos congressos, ou em vídeos, tendo inclusivamente sido chamados de “mentalmente doentes” e comparados a ‘porcos sujos’ nas suas publicações. Tudo isto sob os auspícios da Associação das Testemunhas de Jeová, agindo em nome da Watchtower Bible & Tract Society.

A POLÍTICA DE OSTRACIZAÇÃO DAS TESTEMUNHAS DE JEOVÀ VIOLA DIREITOS E LIBERDADES FUNDAMENTAIS CONSTITUCIONALMENTE PROTEGIDAS


Não se procura com esta petição pôr em causa o direito de cada igreja ou comunidade religiosa definir normas e critérios sobre a filiação e a exclusão de membros. Isso mesmo está subentendido na Lei 16/2001, artigo artigo 9º, alínea b), que a isso mesmo faz alusão, e o princípio não nos merece contestação.

Naturalmente, que cada indivíduo pode, em liberdade e em sã consciência, escolher com quem se quer associar ou não se associar. Mas essa é uma escolha que deve ser pessoal, livre de coação e não imposta por uma qualquer organização religiosa ou de outro tipo. A nenhuma instituição neste país deveria ser permitido ensinar o ódio e a discriminação e ostracização social de outras pessoas. A ostracização social promovida institucionalmente por uma organização religiosa não é aceitável numa sociedade democrática e tem de cessar.

Pela própria admissão da literatura publicada e distribuída pela Associação das Testemunhas de Jeová, a ostracização imposta pelo ensino da Organização, causa incalculável sofrimento tanto aos perpetradores como às vítimas. Na realidade, os perpetradores da ostracização tornam-se, também eles, vítimas da política ostracização. E porquê? Porque não é natural, e não é uma escolha livre. Porque vem acompanhada de uma ameaça: Quem não cumprir será rotulado de “desleal” e poderá também acabar expulso e ostracizado. Esta regra iníqua imposta por uma instituição religiosa tanto viola a lei, como é imoral e viola a mais básica dignidade humana.

É preciso denunciar em concreto como esta política de tratamento dispensado aos ex-membros tem severos impactos negativos nas vidas tanto das ex-Testemunhas de Jeová, como na vida das próprias Testemunhas de Jeová que permanecem afiliadas com a igreja, e como estão por causa dela a ser violados direitos, liberdades e garantias individuais fundamentais protegidas pela nossa constituição e por convenções internacionais.

A Lei 16/2001 é clara quando, no seu Artigo 6º, nos pontos 1. e 4. diz que “A liberdade de consciência, de religião e de culto não autoriza a prática de crimes” e também: “A lei pode regular, sempre que necessário, o exercício da liberdade de consciência, de religião e de culto, sem prejuízo da existência dessa liberdade”

Talvez esteja na hora de considerar alterar a própria Lei da Liberdade Religiosa no sentido de delimitar com mais precisão e menos vagueza o que são os “limites constitucionais da liberdade religiosa”, e estabelecer um regime sancionatório mais assertivo e concreto para quem violar a lei, para que não se permitam abusos e atropelos aos direitos fundamentais dos indivíduos, como a seguir detalharemos em concreto.

EXEMPLOS CONCRETOS DE VIOLAÇÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS

Argumentamos que os seguintes artigos da Constituição estão a ser violados pela prática da ostracização social associada à excomunhão, conforme praticada pelas Testemunhas de Jeová:

"Artigo 20.º - Acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva. 1. A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos"

Justificando a sua política no texto bíblico de 1 Coríntios 6:1-8, a organização das Testemunhas de Jeová dissuade fortemente os seus membros de recorrerem à justiça secular para resolverem as disputas cíveis ou criminais entre si; mas não as proíbe de o fazerem contra pessoas que não são membros da religião, ou contra ex-membros da religião, nem se coíbe a organização de recorrer aos tribunais para defender direitos de autor, ou para tentar censurar publicações que não lhes são favoráveis. O motivo invocado é a preservação do "bom nome de Jeová e da sua organização"; a reputação da organização representa invariavelmente um bem maior para a Associação das Testemunhas de Jeová do que a protecção dos seus membros, mesmo dos mais fragilizados entre a comunidade, como sejam as crianças vítimas de abusos sexuais ou as mulheres vítimas de violência doméstica. Usando de influência indevida sobre os membros da congregação, os anciãos e representantes itinerantes da Associação das Testemunhas de Jeová são instruídos através de seminários e cartas confidenciais, a tratarem de assuntos que são de natureza cível ou até criminal, - como sejam casos de abuso sexual de crianças ou violência doméstica - a nível interno, de modo a evitar sempre que possível o "envolvimento desnecessário" de autoridades seculares, como as polícias ou os tribunais. Os crentes são assediados e dissuadidos de recorrerem aos tribunais com expressões tais como: 'Pense bem se quer mesmo apresentar queixa na polícia ou no tribunal. Reflita em como isso vai trazer mau nome à organização de Jeová', e por assim fazerem, exercem indevida coação sobre os membros da congregação, que temem represálias na forma de perda de cargos na congregação, repreensão pública, e desassociação, com a consequente ostracização, caso decidam ir por diante e defender os seus direitos em tribunal contra outra Testemunha de Jeová.

Isto é particularmente gravoso no caso de vítimas de abusos sexuais de crianças, que, ao invés de serem incentivados a buscarem justiça, são pressionados a que o assunto seja tratado como um mero pecado de imoralidade sexual, obrigados a confrontar os seus agressores em acareações à porta fechada, pressionadas a "perdoar" e "esperar em Jeová". O resultado são terríveis danos psicológicos permanentes nas vítimas, que também são dissuadidas de procurarem apoio psicológico, e, ao invés disso, é-lhes dito para orarem, lerem a Bíblia e as publicações da organização, e fortalecerem a sua fé. A ostracização é, assim, usada como uma arma dissuasiva de coação sobre os fiéis, em violação de um direito constitucional. - Veja A Sentinela 15 de Novembro 1973, p. 703, 704

“Artigo 25º - Direito à integridade pessoal. 1. A integridade moral e física das pessoas é inviolável. 2. Ninguém pode ser submetido a tortura, nem a tratos ou penas cruéis, degradantes ou desumanos.”

A ameaça de excomunhão e ostracização pesa muito sobre a cabeça daquelas Testemunhas de Jeová que se confrontam com situações médicas que podem requerer o uso de transfusões de sangue ou tratamentos que envolvam o uso do sangue. É sabido que, por motivos doutrinais, as testemunhas objectam a receber transfusões de sangue ou tratamentos médicos que incluam sangue. A literatura das Testemunhas de Jeová e as instruções dadas confidencialmente aos anciãos nas congregações impõem que uma Testemunha de Jeová será automaticamente considerada como dissociada caso aceite voluntariamente receber sangue como parte de um tratamento médico. Foram testemunhados casos em que Testemunhas de Jeová aterrorizadas, prestes a serem submetidas a cirurgias de risco, rogavam ao médico que não usasse sangue nelas, caso contrário seriam expulsas e ostracizadas por todos os seus amigos e conhecidos. Embora o direito de um paciente a recusar um tratamento médico seja reconhecido e possa na maior parte dos casos ser respeitado, até que ponto isso é feito em liberdade de consciência, quando existe uma ameaça de ostracização sobre o indivíduo que o coage a agir de um modo em que coloca a sua integridade física – ou até a sua vida – em risco? Pior, quando coloca a integridade física e a vida de filhos menores ou pais idosos incapacitados em risco porque é chamado a decidir por eles enquanto cuidador?

Em qualquer sistema judicial, existe a preocupação que a pena seja proporcional ao crime. As Testemunhas de Jeová aplicam a mesma penalidade de ostracização social tanto aos que, não cometendo nenhuma “transgressão”, se decidem desvincular da comunidade, como a uma variedade de “transgressões”, cobrindo um espectro de gravidade muito variável, que vão desde o abuso do álcool, uso de tabaco ou drogas recreativas, imoralidade sexual (que inclui na ideologia das Testemunhas de Jeová a condição de ser homossexual), fraude, furto, abuso sexual de crianças, homicídio ou simplesmente apostasia por expressar convictamente uma discordância com algum ensino oficial da igreja. A penalidade de ostracização social pode ser perpétua, porque durará até à morte do indivíduo, a menos que ele volte a ser membro da congregação; o que só acontecerá depois de se sujeitar a um humilhante período de penitência e reabilitação que habitualmente não é inferior a um ano. Este tratamento degradante, desumano e cruel viola directamente um direito fundamental constitucionalmente protegido.

O medo da ostracização é particularmente nocivo para os jovens que foram criados desde a infância no culto das Testemunhas de Jeová – e que são pressionados a serem baptizados cada vez mais jovens, já a partir dos nove ou dez anos de idade - mas que no decurso da sua adolescência deixaram de acreditar nas doutrinas. Esses jovens vivem aterrorizados com a perspectiva de os seus pais Testemunhas de Jeová e a restante família e amigos que estão na religião (às vezes são todos) os rejeitarem caso eles rejeitem a religião. Esse é um risco bem real, e os danos psicológicos infligidos aos jovens que passam por esta situação podem ser absolutamente devastadores e irreversíveis.

São conhecidos da ciência os efeitos devastadores causados pela ostracização social. Aqueles que são sujeitos a ostracização social (“shunning”) sofrem profundamente, incluindo a óbvia perda de auto-estima e depressão, mas também sintomas fisiológicos tais como úlceras, supressão do sistema imunitário, ansiedade, psicose, a perda do senso do próprio valor, ou do sentido da sua existência, e podem ser consumidos pela sua própria raiva. No seu livro Ostracism – The Power Of Silence (Guilford Press, 2001), o psicólogo Kipling D. Williams observa: “[A ostracização] é um acto de agressão, e pode ser tão destrutivo, até mortal, para o indivíduo que é o alvo, como também para aqueles que a praticam, uma vez que, quanto mais a ostracização é mantida no tempo, tanto mais difícil se torna por-lhe um fim.” O mesmo investigador, num artigo intitulado The Pain Of Exclusion publicado na prestigiada revista Scientific American escreveu: “Os psicólogos Roy Baumeister e Mark Leary argumentaram que a pertença a um grupo é uma necessidade – não um desejo, nem uma preferência – e que, quando contrariada, leva à doença psicológica e física. O ostracismo é uma ameaça directa a esta necessidade humana básica. A rejeição social também estilhaça a auto-estima, porque tem subjacente uma percepção de conduta imprópria. (…) O ostracismo faz com que a nossa existência pareça diminuída de significado, porque este tipo de rejeição faz-nos sentir invisíveis e nada importantes. De facto, a ruína emocional é de tal ordem pungente, que o cérebro regista-a como dor física”. De facto, o investigador Almerindo A. Ojeda, do Centro Para O Estudo Dos Direitos Humanos na Universidade das Américas, em Davies, California, no seu ensaio “What Is Psychological Torture?” (2006) defendeu que o isolamento social forçado deve ser entendido como fazendo parte de um sistema de tortura psicológica.

O sofrimento não só é infligido àquele indivíduo que sai da congregação, mas também acaba por ser infligido àqueles que ficam e são coagidos a cortarem relações e contacto com familiares e amigos queridos, sob pena de também eles serem expulsos e ostracizados.

Deste modo, argumentamos que a ostracização social que se segue ao acto de expulsão ou de desfiliação voluntária de um membro das Testemunhas de Jeová constitui uma prática degradante, desumana, de tortura psicológica que viola a integridade moral dos indivíduos, em flagrante violação do artigo 25º da Constituição da República Portuguesa.

“Artigo 26º - A todos são reconhecidos os direitos (…) ao bom nome e reputação.”

Quando o anúncio da excomunhão de uma Testemunha de Jeová é feito à congregação, não se dá qualquer informação quanto a se isso resulta de um processo disciplinar ou de uma desfiliação voluntária, nem que o visado explicitamente requeira que sejam anunciados os motivos à congregação a fim de proteger o seu bom nome e reputação. Isso é frequentemente causa de rumores e boatos que mancham a reputação daquele que assim deixa de ser parte da congregação, muitas vezes estendendo-se para lá do âmbito restrito da comunidade dos crentes, assim violando o seu direito ao bom nome na comunidade em geral.

Os dissidentes de consciência, ex-membros que passaram a discordar vocalmente de doutrinas e práticas das Testemunhas de Jeová, são alvo de retórica de ódio especial nas publicações distribuídas pela Associação das Testemunhas de Jeová e em congressos por esta patrocinados, sendo frequentemente referidos pejorativamente pelo termo "apóstatas"; qualificados de "iníquos" e predadores; e são explicitamente chamados de "mentalmente doentes" na edição de 15 de Julho de 2011 da revista A Sentinela, p.16.

“Artigo 37º 1 – Todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento e palavra (…) sem impedimentos ou discriminações.
2 – O exercício destes direitos não pode ser impedido ou limitado por qualquer forma de censura.”

No mesmo sentido, a Declaração Universal dos Direitos do Homem diz:

"Artigo 19º - Todo ser humano tem direito à liberdade de opinião e expressão; esse direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras.”

E o artigo 10º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem diz:

“1. Qualquer pessoa tem direito à liberdade de expressão. Este direito compreende a liberdade de opinião e a liberdade de receber ou de transmitir informações ou ideias sem que possa haver uma ingerência de quaisquer autoridades públicas e sem consideração de fronteiras. (…) 2. O exercício destas liberdades, porquanto implica deveres e responsabilidades, pode ser submetido a (…) condições, restrições ou sanções, previstas pela lei, que constituam providências necessárias, numa sociedade democrática para (…) a protecção da honra ou dos direitos de outrem.”

Assim, a liberdade de expressão e de opinião é garantida a todos; por um lado às confissões religiosas que podem usar essa liberdade para dar publicamente testemunho da sua fé a outros, mas também a pessoas individuais dentro de uma confissão religiosa que exprimem diversidade de pensamento e opinião, mas que não desejam saír do seio dela, por uma variedade de motivos. Porventura talvez desejem ver reformado um único aspecto doutrinal, ou ver reformado um ou outro aspecto organizacional, mas não acham um imperativo de consciência saír dessa igreja ou comunidade e fundar um grupo sectário que corresponda exactamente às suas convicções. As grandes religiões cristãs permitem uma certa latitude aos seus membros para divergirem da doutrina e prática oficial, conquanto se continuem a identificar com os princípios centrais da comunidade. Mas isto não acontece entre as Testemunhas de Jeová. Não é permitido ao crente questionar ou contestar ou discutir, seja em público ou em privado, qualquer aspecto do ensino ou práticas promovidas pelo Corpo Governante como sendo “a verdade” (ainda que essa “verdade” tenha sido mudada muitas vezes ao longo dos tempos) sem que isso leve a um assédio e perseguição por parte dos anciãos, ao qual se segue a perda progressiva de privilégios na congregação, a censura pública na comunidade na forma de uma “repreensão”, e, em última análise, à desassociação sob a acusação de “apostasia”. Naturalmente, que é razoável esperar que não se possa tolerar indefinidamente um membro que, pela sua ostensiva dissidência, não mais se identifica com grupo, e que apenas pretende perturbar a ordem. Mas a maior parte daqueles que foram desassociados por apostasia foram-no apenas porque objectivamente expressaram discordância com algum ensino ou prática promulgados pelo Corpo Governante e se recusaram a retratar-se ou a abster-se de discutir o assunto com outros na congregação. Foram simplesmente expulsos por delito de opinião.

É pura hipocrisia que a Associação das Testemunhas de Jeová pugne para ser reconhecida ao abrigo de uma Lei que protege a liberdade religiosa, e que membros desta associação participem em campanhas de lobbying junto de instituições internacionais como a OSCE no sentido de reivindicarem liberdade de consciência, de culto e de adoração para as Testemunhas de Jeová em certos países onde elas são proscritas ou perseguidas, enquanto ao mesmo tempo negam aos seus membros essa mesma liberdade a nível interno e procuram esmagar qualquer esboço de diversidade de opinião relativamente ao conjunto de doutrinas e práticas que advogam. Ao negarem aos seus membros o direito a se expressarem livremente sem que com isso possam sofrer represálias, as Testemunhas de Jeová estão a violar os limites constitucionais da liberdade religiosa.

O direito à livre expressão, consignado na nossa Constituição no Artigo 37º, bem como na Convenção Europeia dos Direitos do Homem, no seu artigo 10º, não é um direito absoluto que permite a uma pessoa ou entidade dizer tudo o que quiser. Segundo o entendimento do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, o artigo 10º da Convenção Europeia garante o direito à livre expressão, mas esse direito não é absoluto, tendo em vista a existência de outros direitos igualmente garantidos pela convenção. O livro “Manual on Hate Speech”, de Anne Weber, publicado pelo Concelho da Europa, menciona que o tribunal afirmou em vários julgamentos que "tolerância e respeito pela igual dignidade de todos os seres humanos constituem um dos fundamentos de uma sociedade democrática e plural. Sendo assim, por questão de princípio, considera-se necessário que certas sociedades democráticas penalizem e inclusive proíbam todas as formas de expressão que espalham, incitam, promovem ou justificam ódio baseado em intolerância (incluindo intolerância religiosa)"

A retórica de ódio nas publicações e discurso das Testemunhas de Jeová que é dirigida contra aqueles que são excomungados e mais acentuadamente contra os rotulados de “apóstatas” causa grandes danos morais àqueles que simplesmente se limitaram a defender e não abdicar das suas convicções e da sua liberdade de pensamento e consciência, mas que seriam diferentes daquelas constantes na doutrina oficial promulgada pelo Corpo Governante. Esta retórica destina-se a reforçar junto dos crentes o seu asco aos dissidentes, para que assim os possam continuar a ostracizar socialmente.

A Declaração Universal Dos Direitos do Homem também declara inequivocamente:

“Artigo 18 - Todo ser humano tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; esse direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença pelo ensino, pela prática, pelo culto em público ou em particular."

A resolução 36/55 das Nações Unidas, proclamada a 25 de Novembro de 1981, intitulada “ Declaração sobre a Eliminação de Todas as Formas de Intolerância e Discriminação Fundadas na Religião ou nas Convicções” afirma:

Artigo 1º, §2 - “Ninguém será objeto de coação capaz de limitar a sua liberdade de ter uma religião ou convicções de sua escolha.”;
Artigo 2º, §1 - “Ninguém será objeto de discriminação por motivos de religião ou convicções por parte de nenhum Estado, instituição, grupo de pessoas ou particulares";
Artigo 3º - “A discriminação entre os seres humanos por motivos de religião ou de convicções constitui uma ofensa à dignidade humana e uma negação dos princípios da Carta das Nações Unidas, deve ser condenada como uma violação dos direitos humanos e das liberdades fundamentais proclamados na Declaração Universal de Direitos Humanos (…)";
Artigo 6º, alínea i - “O direito à liberdade de pensamento, de consciência, de religião ou de convicções compreenderá especialmente as seguintes liberdades: (…) A de estabelecer e manter comunicações com indivíduos e comunidades sobre questões de religião ou convicções no âmbito nacional ou internacional.”

Em igual sentido vai a Convenção Europeia dos Direitos do Homem, que entrou em vigor em 3 de Setembro de 1953 e foi ratificado em Portugal pela Lei n.º l.º 65/78 de 13 de Outubro. Esta convenção determina:

“Artigo 9.º 1- Qualquer pessoa tem direito a liberdade de pensamento, de consciência e de religião; este direito implica a liberdade de mudar de religião ou de crença, assim como a liberdade de manifestar a sua religião ou a sua crença, individual ou colectivamente, em público ou em privado, por meio do culto, do ensino, de práticas e da celebração de ritos.
2- A liberdade de manifestar a sua religião ou convicções, individual ou colectivamente, não pode ser objecto de outras restrições senão as que, previstas na lei, constituírem disposições necessárias, numa sociedade democrática, a segurança pública, a protecção da ordem, da saúde e moral públicas, ou a protecção dos direitos e liberdades de outrem.”

A Declaração Universal Dos Direitos do Homem confere a cada indivíduo a liberdade de mudar de crença ou exercer a sua liberdade de pensamento e de opinião sem que isso implique ser coagido a mudar de religião. E pode, sem interferência, procurar, ensinar e transmitir a outros informações sobre as suas crenças enquanto se encontra inserido na sua comunidade religiosa. Naturalmente, estas opiniões podem ser por vezes ser críticas, variações à norma doutrinal, ou mesmo alternativas à doutrina oficial. Não seria razoável presumir que houvesse uma tolerância infinita para com indivíduos que causam distúrbios e confusão dentro de uma comunidade religiosa, mas se o indivíduo ainda se identifica com a comunidade religiosa, e se o seu único delito é um delito de opinião, está uma comunidade religiosa justificada a expulsar um membro só porque exprime uma opinião divergente e se recusa, por imperativo de consciência, a abdicar dessa opinião e de a defender perante outros? Mas as Testemunhas de Jeová assediam e perseguem e desassociam membros por estes discordarem nem que seja de um único artigo doutrinal e se recusem a calar as suas críticas e a retratar-se. E não só fazem isso como procuram impedir a comunicação dos membros com os não-membros, recorrendo para isso a formas de coação ilegítimas.

Entre os direitos e liberdades que não podem ser alvo de discriminação com base em ‘distinções fundadas nomeadamente na religião, opiniões políticas ou outras ou qualquer outra situação’, encontram-se aqueles enunciados no artigo 9º a saber, a Liberdade de Pensamento, de Consciência e de Religião. Aqui se diz que o direito a esta liberdade implica a liberdade de mudar de religião ou apenas mudar de crença.

Uma Testemunha de Jeová que cogite mudar de religião, ou que simplesmente pretenda abandonar a igreja porque deixou de ser crente, não está verdadeiramente livre para o fazer, sabendo que a sua igreja determina que irá ser votado perpetuamente ao ostracismo por parte dos membros remanescentes, alguns dos quais são seus familiares e amigos chegados. Entendemos que esta coação moral assim exercida está a violar o direito à liberdade consagrada no artigo 9º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.


Assim, argumentamos que as Testemunhas de Jeová violam a liberdade de religião e de culto dos seus membros ao não lhes permitirem livremente expressar discordâncias ou críticas com as doutrinas e práticas oficiais sem terem de enfrentar graves consequências nas suas vidas. Ao expulsarem e ostracizarem membros pelo simples delito de opinião, as Testemunhas de Jeová tornam-se os artigos 18º e 19º da Declaração Universal Dos Direitos do Homem, bem como o artigo 37º da Constituição Portuguesa.


“Artigo 41º - 2. Ninguém pode ser perseguido, privado de direitos (…) por causa das suas convicções ou prática religiosa.”

A Associação das Testemunhas de Jeová gasta muito tempo, energia e recursos a instruir os anciãos nas congregações a vigiarem o rebanho e proteger a congregação de “predadores” e “lobos vorazes”. É nestes termos que se referem aos assim chamados “apóstatas”, que não são mais do que indivíduos, que por um ou outro motivo passaram a discordar de ensinos ou práticas das Testemunhas de Jeová. Alguns destes escolhem dissociar-se formalmente, mas outros, por medo do ostracismo, por temerem perder a família ou por temerem pelo seu casamento, ou porque ainda se identificam com a maior parte dos ensinos da comunidade e ainda querem fazer parte dela, escolhem permanecer. Outros ainda afastam-se lentamente e ficam numa condição de relativa inatividade.

Os anciãos são instruídos a actuarem ao mínimo sinal de dissonância por parte de um membro da congregação. Os membros da congregação são incentivados a delatar aos anciãos qualquer sinal de actividade ou discurso suspeito de ser uma dissonância face à prática oficial. Quem for delatado será inquirido pelos anciãos quanto à sua crença e ao seu pensamento, e, caso este não esteja em conformidade com a norma, procurarão fazê-lo ajustar-se à norma. Caso recuse abdicar da sua posição de consciência, o assédio e a perseguição vai escalar, chegando ao ponto de ser repreendido em privado e anúncio disso ser feito em público, depois perderá qualquer cargo ou “privilégios” que tenha na congregação, e finalmente será julgado por uma comissão judicativa e desassociado. Até os inativos que se afastaram são regularmente importunados pelos anciãos e pressionados para voltar à congregação ou “tomarem uma posição”.

Argumentamos que este tipo de assédio e perseguição instigado pela Associação das Testemunhas de Jeová aos membros que ousam ter convicções diferentes da doutrina oficial da igreja e não abdicar delas por motivos de consciência está em directa violação do Artigo 42º da Constituição.

“Artigo 46º 3 – Ninguém pode ser obrigado a fazer parte de uma associação nem coagido por qualquer meio a permanecer nela.”

Quando uma Testemunha de Jeová que deixou de se identificar com a sua igreja ou não mais acredita nas suas doutrinas, e cogita sair, mas não o faz, porque sabe que no momento em que o fizer, será objecto de ostracização perpétua por parte de familiares e amigos que permanecem membros da igreja – não é isto uma forma de coagir alguém a permanecer numa associação religiosa? Não é isto uma violação da lei fundamental? Estão nesta situação muitas Testemunhas de Jeová, que são virtualmente reféns da religião, por medo de perderem toda a sua família e toda a sua rede de suporte, que se compõe de pessoas da comunidade religiosa.

É importante dizer que os ensinos e os estudos bíblicos promovidos pela Associação das Testemunhas de Jeová visam criar como que uma “bolha” à volta do crente, um inteiro ecossistema social que gira em volta da religião, e que o vai progressivamente isolando de contacto regular significativo com pessoas e realidades fora da congregação, inclusivamente distanciando-o de familiares que não são membros da religião até se chegar à total ausência de contacto. O “mundo” exterior à “organização” é retratado como decadente e mau, controlado por Satanás, cujo objectivo primordial é desviar as Testemunhas de Jeová da adoração verdadeira. Deste modo, progressivamente, se vai cultivando a total dependência da igreja – uma característica comum aos chamados cultos de alto controle mental. Naturalmente que, quem se acha nesta situação vive em medo constante cometer um pecado grave ou desenvolver dúvidas, porque isso poderia levar à sua exclusão e consequente ostracização, com consequências devastadoras para a sua vida.

“Artigo 43º - Liberdade de aprender e de ensinar
1 – É garantida a liberdade de aprender e ensinar”

É talvez desconhecida do grande público que as Testemunhas de Jeová desencorajam fortemente os seus jovens de enveredarem por educação superior, universitária. Reiteradamente, as publicações escritas e peças de multimedia que são distribuídas aos crentes, fazem a apologia da instrução média como limite máximo da educação que uma jovem Testemunha deve obter, e procuram por todos os meios desencorajar os jovens de obterem formação superior. Não deve ser estranha a esta postura o facto de que a maioria dos jovens que cursam o ensino superior acabam por abandonar a religião, uma vez que adquirem outro nível de pensamento crítico e outra visão do mundo.

Embora seja bastante criticável e até contraproducente por parte da liderança das Testemunhas de Jeová este posicionamento face à educação superior (que faz com que os membros desta religião estejam, em média, entre os menos instruídos e com piores empregos de todas as religiões nos EUA), ainda assim esta postura não viola nenhuma lei. Mas quando existem instruções confidenciais escritas em manuais para anciãos, em discursos proferidos por representantes da Associação das Testemunhas de Jeová perante anciãos, e em cartas dirigidas aos anciãos congregacionais pela Associação das Testemunhas de Jeová, ameaçando os Anciãos e Servos Ministeriais (diáconos) com a remoção dos seus cargos na congregação caso permitam que os seus filhos ingressem num curso universitário, estamos perante uma violação frontal da constituição, porque se trata de uma forma de restrição da liberdade desses jovens poderem aprender conhecimentos avançados num curso universitário.

“Artigo 47º - Liberdade de escolha de profissão e acesso à função pública
2 – Todos os cidadãos têm o direito de acesso à função pública, em condições de igualdade e liberdade (…)”

Embora a Constituição e a Lei 16/2001 garantam o direito à objecção de consciência com relação ao serviço militar, a objecção de consciência permanece um direito e não um dever. Mas entre as Testemunhas de Jeová espera-se que todos os jovens, quando convocados para o serviço militar, ou para o Dia da Defesa Nacional, invoquem o estatuto de objector de consciência para se recusarem a comparecer. Isto, porque as Testemunhas de Jeová se consideram politicamente neutrais e se recusam a participar nos conflitos das nações ou sequer a “aprender a guerra”. No entanto, quem, dentre as Testemunhas de Jeová baptizadas, entender em boa consciência que a comparência ao Dia da Defesa Nacional não constitui um acto de violação da neutralidade cristã, mas simplesmente o cumprimento de um dever cívico – conforme a lei o considera – e comparecer a esse acto, ver-se-à expulso das Testemunhas de Jeová. E de uma maneira habilidosa: Não será desassociado (assim as Testemunhas esperam não ser acusadas de expulsar membros por simplesmente cumprirem uma obrigação legal), mas a sua acção será considerada como um acto voluntário de dissociação. Ainda que, antecipadamente, tal jovem declare que não considera em consciência tal acto como uma desvinculação da igreja e que pretende continuar a ser membro, ele será considerado dissociado e ostracizado. Este proceder é certamente condenável.

Visto que a Lei de Defesa Nacional (Lei 174/99 de 21 de Setembro), no seu artigo 58º, número 1, determina que a não comparência ao Dia da Defesa Nacional implica restrições para o exercício de funções públicas, a imposição aos jovens Testemunhas de Jeová da escusa de comparência ao DDN através da invocação do estatuto de objector consciência implica que o seu direito e liberdade para aceder é função pública está a ser cerceado, em violação de uma garantia constitucional.

Assim, argumentamos que a política de excomunhão e consequente ostracização dos ex-membros praticada pelas Testemunhas de Jeová limita de forma inaceitável aos seus membros os direitos à aprendizagem e ao livre acesso à função pública garantidos pelos artigos 43º e 47º da Constituição.


VIOLAÇÕES À LEI 16/2001 DE 22 DE JUNHO – LEI DA LIBERDADE RELIGIOSA

As violações de direitos e liberdades constitucionalmente garantidas e normas de convenções internacionais que obrigam o Estado português descritas na secção anterior configuram o que entendemos ser a “violação dos limites da liberdade religiosa” mencionados no Artigo 39º alínea c), e que são motivo bastante para implicarem a recusa de inscrição (presume-se, em qualquer momento) da entidade colectiva religiosa que as pratica no registo de pessoas colectivas religiosas.

Mas não são as únicas violações directas desta Lei.

O artigo 2º da Lei 16/2001 (Princípio da Igualdade) diz:

“1 – Ninguém pode ser (…) prejudicado, perseguido, privado de qualquer direito (…) por causa das suas convicções ou prática religiosa.”

As políticas de ostracização social dos ex-membros causam objectivamente discriminações de variada ordem que prejudicam a vida delas. Veja-se um casal de Testemunhas de Jeová com uma filha pequena. Os pais da esposa são também Testemunhas de Jeová, ao passo que os pais do marido nunca tiveram qualquer relação com a religião. A filha do casal, menor e ainda não baptizada, tem acesso livre tanto aos avós maternos como paternos, embora os avós maternos passem mais tempo com a neta em virtude de ambos assistirem às mesmas reuniões do culto das Testemunhas de Jeová. Entretanto, por causa de notícias veiculadas pelos media concernentes às testemunhas de Jeová que os perturbaram, os pais da esposa decidiram dissociar-se e não mais ser considerados como membros da comunidade. Como não moram na mesma casa, a filha e o genro, em obediência às directrizes da Organização, cortam relações com os pais da esposa e impedem a filha menor, não baptizada, de ter contacto com os avós maternos. Mas não a impedem de continuar a ter contacto com os avós paternos, que nunca tiveram qualquer relação com a religião. Percebe-se por este exemplo que se passa na vida real como os avós maternos são prejudicados e discriminados por causa das suas convicções por serem ex-Testemunhas de Jeová face aos outros avós paternos que nunca foram membros da religião?

Quando uma Testemunha de Jeová é assediada, ameaçada de expulsão, vilipendiada, despojada dos seus privilégios na comunidade e assim publicamente humilhada, e finalmente expulsa contra a sua vontade da comunidade por apenas expressar as suas convicções de consciência, ainda que em privado, dentro da sua comunidade religiosa, não é isto uma violação da norma legal?

Quando um indivíduo deixa de ser um membro baptizado das Testemunhas de Jeová pela desassociação ou pela dissociação, e a sua família recusa-se a contactar com ele, apenas e só por divergências de crença religiosa, porque assim determina a “organização” representada pela Associação das Testemunhas de Jeová, não é isto o que é um indivíduo ser “prejudicado e privado de um direito” por causa das suas convicções ou prática religiosa?

Relatam-se casos de pais Testemunhas de Jeová que proíbem os seus filhos menores de verem os avós só porque estes deixaram de ser Testemunhas de Jeová, seguindo os ditames dos ensinos promovidos pela Associação das Testemunhas de Jeová.

Relatam-se casos de pais Testemunhas de Jeová que expulsam os seus filhos de casa (alguns até menores de idade) só porque estes deixaram de ser membros da congregação, em obediência aos ensinos promovidos pela Associação das Testemunhas de Jeová.

Relatam-se casos de suicídio de pessoas que não aguentaram o isolamento social a que foram remetidos por causa da ostracização total a que foram submetidos depois de serem expulsos da comunidade e perderem assim a sua única rede de apoio que tinham na vida.

Não é isto claramente o caso de pessoas serem “prejudicadas e privadas” por causa de convicções ou práticas religiosas? É isto que é a realidade de ser uma Testemunha de Jeová: O medo insinuante, constante de ser ostracizado caso duvide, caso questione, caso expresse uma opinião divergente, caso cometa um pecado grave.

Não deixa de ser uma cruel ironia hipócrita que a liderança das Testemunhas de Jeová escreva isto na revista Despertai! de Julho de 2009, p.28-29: “Ninguém deve ser obrigado a adorar a Deus de uma forma que ache inaceitável nem a escolher entre a religião e a família.” É muito bonito dizer isto quando se tenta recrutar alguém de outra religião para se juntar às Testemunhas de Jeová; mas quando se trata de discordar vocalmente ou por escrito de algum ensino publicado pelo Corpo Governante, isso não é permitido, sob pena de assédio, perseguição e expulsão por parte dos anciãos congregacionais e dos representantes da Associação das Testemunhas de Jeová. E não raro, o indivíduo é de facto confrontado com a difícil situação de ter de escolher entre a religião e a família. Abandonar a religião das Testemunhas de Jeová significa em muitos casos perder a família. E depois, há a chantagem: o indivíduo pode ter a sua família e os seus amigos de volta, mas só se voltar a aderir à religião.

A intolerância e a dureza com que as Testemunhas de Jeová tratam qualquer um no seio da sua comunidade que expresse ideias dissonantes com a prática ou doutrina oficial está em conflito com o Princípio da Tolerância enunciado no Artigo 7º: “Os conflitos entre a liberdade de consciência, de religião e de culto de uma pessoa e de outra ou outras resolver-se-ão com tolerância, de modo a respeitar o quanto possível a liberdade de cada uma.”

Finalmente, o Artigo 8º diz: “A liberdade de consciência, de religião e de culto compreende o direito de (…) alínea g) Agir ou não agir em conformidade com as normas da religião professada, no respeito pelos direitos humanos e pela lei”.

A Lei confere ao indivíduo a liberdade e o direito de agir ou não agir em conformidade com as normas da religião professada. Presume-se que escolha não seguir as normas da comunidade o faça em sã consciência e com sinceridade. Razoavelmente, é de supor que a pessoa ainda se identifique suficientemente com a religião professada para uma divergência não ser interpretada como um acto de secessão ou de constituição de uma seita. Se se trata de um direito e de uma liberdade, então, ao assediar, perseguir, excomungar e ostracizar aqueles que divergem da norma e o fazem em boa consciência e sinceridade, sem prejuízo de normas razoáveis de desfiliação, que também são protegidas por lei, as congregações que estão na dependência da Associação das Testemunhas de Jeová estão a violar o Artigo 8º, alínea g) da lei 16/2001.

PORQUE O ESTADO PRECISA INTERVIR

Recordemos a citação popularmente atribuída a Edmund Burke: “A única coisa que o mal precisa para triunfar é que as pessoas boas não tomem acção”.

O Estado português, que chamou a si a regulação da actuação das comunidades religiosas no respeito pela sua diversidade e liberdade de culto, deve ser chamado a intervir quando uma igreja ou comunidade religiosa viola os limites constitucionais da liberdade religiosa e viola a própria Lei que regula a liberdade religiosa. O Estado simplesmente não se pode demitir desta função, sob pena de ser desautorizado por permitir que uma denominação religiosa se torne um Estado dentro do Estado e à margem da lei.

Caso os legisladores deste país desconheçam, as Testemunhas de Jeová publicamente declaram-se ‘cidadãos cumpridores da lei e pagadores dos seus impostos’ e repetem esta ideia como um mantra para os observadores externos, mas na privacidade das suas vidas agem com um enorme desprezo pelos governos humanos, uma vez que apenas reconhecem como autoridade absoluta a Jeová Deus e a Cristo, e o Reino de Deus como forma de governo, conforme estes são interpretados e representados na terra pela Watchtower Bible & Tract Society, da qual a Associação das Testemunhas de Jeová é representante em Portugal. A sujeição das Testemunhas de Jeová à lei é meramente relativa, uma vez que qualquer lei do Estado que coloque de algum modo em causa as suas crenças, ou qualquer ordem de um tribunal que os obrigue a ir contra as suas convicções será prontamente desobedecida. E existe uma doutrina defendida pelo Corpo Governante, commumente conhecida em inglês como “theocratic warfare”, segundo a qual as Testemunhas de Jeová estão moralmente autorizadas a mentir ou ocultar informação perante as autoridades legislativas e judiciais para protegerem os interesses da “Organização”. Poderá a esse respeito consultar A Sentinela de 1 de Maio de 1957 (ed inglesa), página 285; a Despertai! de 8 de Fevereiro de 2000 p. 21; A Sentinela, de 1 de Junho de 1960, (ed inglesa) p. 351, 352, apenas como exemplo.

Não surpreende, pois, que a Associação das Testemunhas de Jeová esteja pronta a dissimular a verdade perante os legisladores e autoridades judiciais deste país, a fim de proteger os interesses da “Organização”sempre que for inquirida. Foi isso o que aconteceu quando se apresentaram como candidatos à inscrição no registo de pessoas colectivas religiosas ao abrigo da Lei 16/2001, tendo que cumprir os pressupostos legais previamente necessários? Tal não seria implausível; e talvez o Estado português tenha falhado no seu dever de diligentemente verificar estes pressupostos.

A doutrina das Testemunhas de Jeová relativamente ao tratamento dispensado aos ex-membros não sofreu qualquer alteração significativa desde que foi tomada a decisão de as reconhecer legalmente em 2009. De facto, a sua posição é bastante explícita desde a desde a décadas de 1950 e 1960, e foi agravada no início da década de 1980, e desde 2009, se é que houve alguma alteração, ela foi no sentido de endurecer mais a política com relação ao tratamento dispensado aos ex-membros, conforme uma leitura atenta do revisado manual de procedimentos para anciãos congregacionais “Pastoreai O Rebanho De Deus”, publicado em 2010, permite perceber.

Estavam verificados em 2009 os pressupostos para que a Associação das Testemunhas de Jeová fosse reconhecida pelo Estado português? Entendemos que não. Não estavam na altura, e continuam a não estar agora.

Como já dissemos anteriormente, não se contesta aqui o direito das comunidades religiosas decidirem acerca das normas de filiação e desfiliação dos seus membros desde que essas sejam razoáveis e não violem as direitos constitucionalmente consagrados e os direitos humanos. No entanto, no caso da excomunhão, conforme praticada pelas Testemunhas de Jeová, temos de separar o acto da expulsão da prática subsequente da ostracização do ex-membro, por serem duas coisas distintas, mas que este grupo religioso teima em confundir para seu próprio proveito.

O QUE PRETENDEMOS:

É convicção dos signatários desta petição que o estado falhou no seu dever de fiscalização quando aceitou inscrever a Associação das Testemunhas de Jeová no registo de pessoas colectivas religiosas, estendendo assim a esta organização religiosa a proteção legal prevista na Lei da Liberdade Religiosa 16/2001; Tal assento deveria ter sido recusado com base na alínea c) do artigo 39º:

“Recusa da inscrição

A inscrição só pode ser recusada por:

(…)

c) Violação dos limites constitucionais da liberdade religiosa.”

Entendemos que a inscrição da Associação das Testemunhas de Jeová como pessoa colectiva religiosa deveria ter sido recusada até que todos os pressupostos fossem aturadamente verificados. Não se verificando a posteriori que esses pressupostos não estavam a ser cumpridos à data do assento, esse assento deveria ser considerado nulo. No entanto, não existe nenhuma provisão na lei para a nulidade da inscrição.

Mas existe uma provisão para o cancelamento dessa inscrição.

A Lei da Liberdade Religiosa prevê, no seu artigo 42º, número 1, alínea d) que a extinção de uma pessoa colectiva religiosa possa ocorrer “por decisão judicial, pelas causas de extinção judicial das associações civis” tendo como implicação “o cancelamento do assento no respectivo registo.” (n.2).

O artigo 182º do Código Civil, tratando das causas de extinção de associações diz:

“2 – As associações extinguem-se ainda por decisão judicial:
(…)

c) Quando o seu fim seja sistematicamente prosseguido por meios ilícitos ou imorais
d) Quando a sua existência se torne contrária à ordem pública.”

O artigo 183º declara também:

“2. Nos casos previstos no nº 2 do artigo precedente, a declaração da extinção pode ser pedida em juízo pelo Ministério Público ou por qualquer interessado.”

Visto que nos parece evidente que a Associação das Testemunhas de Jeová tem sistematicamente prosseguido os seus fins por meios ilícitos (porque violando a Constituição e a Lei da Liberdade Religiosa) e imorais (porque os decretos emanados do Corpo Governante das Testemunhas de Jeová e implementados pela filial da Watchtower Bible & Tract Society em Portugal concernentes ao tratamento dispensado aos ex-membros são moralmente condenáveis), e porque as consequências extremamente gravosas para a vida, saúde mental e física e relações familiares das vítimas são susceptíveis de ameaçar a ordem pública e o bem-estar dos cidadãos, a própria Lei 16/2001 não prevê outro tipo de sanção que não seja a do cancelamento da inscrição por via da extinção por via judicial da associação religiosa.

Assim, não nos resta outra solução senão solicitar que os legisladores deste país dêm indicação ao Ministério Público para pedir a imediata extinção da Associação das Testemunhas de Jeová, com a acompanhante implicação o cancelamento imediato do seu assento no registo de pessoas colectivas religiosas; sem prejuízo de eventual responsabilização criminal dos dirigentes e responsáveis da Associação das Testemunhas de Jeová por crimes de discriminação e incitamento ao ódio por motivos religiosos, conforme previsto no Artigo 240º do Código Penal.

O Estado, nomeadamente através da Comissão da Liberdade Religiosa, no âmbito das suas competências e ao abrigo do Artigo 5º da Lei da Liberdade Religiosa 16/2001 (Princípio da Cooperação), deverá chamar os representantes da comunidade das Testemunhas de Jeová e de representantes das vítimas destas políticas de ostracização e procurar trabalhar com elas no sentido de este grupo religioso venha a reformar a sua política com relação aos membros e ex-membros por forma a respeitar os seus direitos constitucionais e não mais os oprimir e coagir através de práticas discriminatórias e de ostracização, podendo assim reabilitar-se perante a lei e voltar a ter um estatuto reconhecido pelo estado português.

Solicitamos também que a Lei 16/2001 seja revista no sentido de acrescentar um regime sancionatório concreto e eficaz que faça a profilaxia de situações de abuso por parte de entidades religiosas sobre os membros e ex-membros.

Diga-se também que a prática da excomunhão / desassociação não faz parte dos credos centrais das Testemunhas de Jeová. Num artigo publicado na revista Despertai! em 8 de janeiro de 1947, a liderança das Testemunhas de Jeová criticava duramente a excomunhão católica, caracterizando-a como pagã e “inteiramente estranha aos ensinos bíblicos” e uma “arma” ao serviço da hierarquia da Igreja Católica, e fazendo uso do texto bíblico de Hebreus 10:26-31 para afirmar que só a Deus cabia julgar os indivíduos. No entanto, pouco tempo depois, mudou completamente de posição, ao instituir, em 1952, os julgamentos por comissões judicativas compostas apenas por anciãos e a consequente desassociação dos infractores impenitentes, que eram a partir de então considerados como merecedores de morte. (Ver A Sentinela 1 Março 1952 Ed Inglesa, P. 131-147) Portanto, longe de ser um assunto doutrinal, trata-se de uma matéria de política institucional que poderá ser mudada sem que isso belisque a identidade própria das Testemunhas de Jeová nem a sua autonomia em estabelecer normas quanto à filiação e desfiliação de membros. Nada impede que cessem a comunhão espiritual com os que não mais estão afiliados, desde que de nenhum modo promovam a ostracização social aos antigos membros nem ensinem o ódio a eles, ou de outra forma exerçam coação sobre os membros activos da comunidade para que ostracizem os antigos membros.

Em conclusão: O objectivo desta petição não é banir ou proscrever a comunidade religiosa das Testemunhas de Jeová em Portugal ou impedir os seus membros individuais de terem as suas crenças e praticarem os seus cultos, nem de se reunirem ou pregarem; antes, fazer uso dos instrumentos previstos na lei, para que uma organização religiosa desista de agredir os direitos e liberdades fundamentais individuais; e persuadir de forma robusta uma entidade religiosa habitualmente absolutista, monolítica, e resistente a qualquer interferência externa a alterar uma prática inaceitável, ilegal, imoral e incompatível com um Estado de direito democrático moderno.
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